A conferência de imprensa terminou há cerca de 3 horas, mas já li tantos disparates em websites e em páginas de Facebook, que vou ter que começar este artigo por essas partes negativas, a corrigir as informações erradas que andam a ser transmitidas.
Desde já têm a minha permissão, caso vejam essa informação pela web, para colocarem um rótulo nessa página/website a dizer: “Sensacionalistas! Nunca mais volto cá!”
Caso leiam que se encontrou uma nova Terra, podem ter a certeza que essa página está a mentir.
Se lerem que foi encontrado um planeta gémeo da Terra, então essa página está, no mínimo, a ser sensacionalista!
Se lerem que o planeta é habitável (potencialmente habitável), notem as nuances da palavra.
Habitável é diferente de habitado. Habitável quer dizer que poderá ter um ambiente propício à vida que conhecemos. Ou seja, é só sobre vida que conhecemos, e pode ser para vida microbiana que respira enxofre (não tem nada a ver com animais, e muito menos a ver com humanos). E estamo-nos a referir às condições para a vida e não à vida em si!
Notem também que normalmente se liga a isto à temperatura do planeta na sua superfície – se a temperatura é adequada para a existência de água líquida à superfície.
No entanto, notem que não se está a falar de pressão, de constituição atmosférica, etc. Nada disso. Há vários fatores que podem colocar o planeta como habitável, mas nunca para nós, ou sequer para a vida como conhecemos.
Se lerem que é o primeiro planeta potencialmente habitável, saiam imediatamente desse website.
Em primeiro lugar, porque vocês já conhecem – através do AstroPT – o Catálogo de Planetas Habitáveis. Por isso, sabem que este não é o primeiro.
Em segundo lugar, porque todos vocês que me estão a ler, vivem no primeiro planeta potencialmente habitável conhecido dos Humanos: a Terra!
Se lerem que é o 1º planeta capaz de suportar vida, já sabem: não, não é!
Porque já existe a Terra, porque existe o Catálogo de Habitabilidade de Planetas e porque nesta descoberta não se sabe massa, pressão à superfície, composição, densidade, temperatura à superfície, atmosfera do planeta… não se sabe nada disso! Logo, querer vender isto como “planeta capaz de suportar vida” é sensacionalismo baseado em pura especulação.
Ainda sobre o planeta ser “gémeo” da Terra, já nem sequer vou pedir atenção para o facto da estrela-mãe ser uma anã vermelha e não uma estrela como o Sol.
Mas vou realçar alguns trocarem a distância de 500 anos-luz por 500 milhões anos-luz. Claramente matemática e distâncias não é com eles.
Uma descoberta fantástica que está a ser estragada pela necessidade de sensacionalismo de alguns…
Mas afinal o que se descobriu?
Agora que já retirei toda a emoção pseudo à notícia, o que sobra?
Sobra a fantástica descoberta que se fez!
Com dados adquiridos pelo Telescópio Espacial Kepler, astrónomos descobriram o primeiro planeta do tamanho da Terra a orbitar na zona habitável de uma estrela.
Ou seja, descobriu-se um planeta do tamanho da Terra! (só por si é fantástico, mas não quer dizer que o planeta seja semelhante à Terra)
E esse planeta tem uma órbita na zona habitável da sua estrela! (ou seja, poderá ter água à superfície, caso este fosse o único parâmetro)
A descoberta do planeta Kepler-186f confirma que planetas do tamanho da Terra existem na zona habitável de estrelas que não o Sol !
Isto é fenomenal!
(no entanto, notem que só estamos a falar de tamanho do planeta e na zona habitável de uma estrela anã vermelha… ou seja, não sabemos pressão, atmosfera, massa, composição (pensa-se que pode ser rochoso, mas não se sabe)… praticamente nada se sabe sobre este planeta. Pode ser bastante diferente da Terra. E notem que a zona habitável de uma estrela anã vermelha, é muito mais próxima da estrela que a zona habitável ao redor do Sol)
O Telescópio Espacial Kepler mede a quantidade de luz que é bloqueada pelo trânsito do planeta em frente da estrela. A partir disto, pode-se determinar o tamanho do planeta, o período da sua órbita (ano) e assim saber a distância a que o planeta está da estrela, e a quantidade de energia estelar recebida pelo planeta.
Dizer que o planeta tem o “Tamanho da Terra” neste caso quer dizer que o tamanho deste planeta é pouco maior que a Terra (menos de 10% maior).
Os anteriores planetas que tinham sido descobertos em zonas habitáveis eram muito maiores que a Terra. Daí a importância desta descoberta!
Cada vez estamos um pouquinho mais próximo de planetas como a Terra. “Small steps, Ellie, small steps.”
Como disse Paul Hertz, diretor do departamento de astrofísica da NASA:
“A descoberta de Kepler-186f é um passo significativo para no futuro encontrarmos planetas similares à Terra. As missões futuras da NASA, como o Transiting Exoplanet Survey Satellite e o James Webb Space Telescope, irão descobrir os exoplanetas rochosos mais próximos da Terra e determinar a sua composição e condições atmosféricas, continuando o desafio da Humanidade de encontrar mundos como a Terra”.
O planeta Kepler-186f encontra-se no sistema da estrela Kepler-186, que se encontra a cerca de 490 anos-luz de distância da Terra.
O sistema planetário ao redor de Kepler-186 é constituído por 5 planetas.
A estrela Kepler-186 é uma anã vermelha (são as estrelas mais comuns na Galáxia), com metade do tamanho e da massa do Sol. E, claro, com menos luminosidade e mais fria que o Sol.
O exoplaneta Kepler-186f tem uma órbita (o seu ano) de 130 dias terrestres. Isto quer dizer que, comparando com o nosso planeta, passam 130 dias cá, enquanto Kepler-186f completa uma órbita (um ano) ao redor da sua estrela.
Devido à estrela ser uma anã vermelha, este planeta recebe somente 1/3 da energia que a Terra recebe do Sol.
Thomas Barclay explica: “Estar na zona habitável não quer dizer que este planeta seja habitável. A temperatura do planeta depende bastante do tipo de atmosfera que terá. Não digam que este planeta é um gémeo da Terra. Se querem comparar, o máximo que devem dizer é que poderá ser um primo da Terra.”
Os planetas companheiros Kepler-186b, Kepler-186c, Kepler-186d, e Kepler-186e, têm órbitas (anos) de 4, 7, 13, e 22 dias ao redor da sua estrela. Apesar de serem todos planetas relativamente pequenos, pouco maiores que a Terra (menos de 50% maiores que a Terra), a verdade é que as suas órbitas tão próximas da estrela anã vermelha fazem com que eles sejam demasiado quentes para a vida como a conhecemos.
O próximo passo neste tipo de descobertas será descobrir um planeta do tamanho da Terra em órbita de uma estrela similar ao Sol.
E claro, é preciso perceber a composição química destes planetas.
O artigo original da NASA, e um dos poucos que vi na web que tem as informações corretas, está aqui.
O artigo científico, está aqui.
O artigo da investigadora-principal, Elisa Quintana, está aqui.
Os slides de apresentação da descoberta, aqui.
Já sabem separar a realidade da pura especulação por motivos sensacionalistas?
Agora atentem no website space.com que, infelizmente, também decidiu enveredar por algum sensacionalismo, como podem ler aqui e ver na sua infografia.
Por último, deixem-me referir só mais um “detalhe”.
Se o artigo científico referisse “Venus-size”, a comunicação social inventava histórias? Claro que não!
E no entanto, este planeta é praticamente do tamanho de Vénus.
Só que a especulação de quem não sabe de astronomia, leva logo a que fiquem a “salivar” quando leem a palavra “Terra”.
Este planeta é do tamanho de Vénus (que é basicamente do tamanho da Terra). E nada nos diz que pode ser como Vénus. Pode ser ou pode não ser.
Publicar artigos de que este planeta é como Vénus – com rios de lava e muito vulcanismo – só por ter um tamanho similar, é um disparate tremendo!
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Este post apareceu hoje nos últimos comentários, o que me deu o ensejo de o ler e apreciar, pois não o conhecia.
O Carlos escreve: “Se lerem que é o primeiro planeta potencialmente habitável, saiam imediatamente desse website” mas depois estraga tudo ao escrever: “Com dados adquiridos pelo Telescópio Espacial Kepler, astrónomos descobriram o primeiro planeta do tamanho da Terra a orbitar na zona habitável de uma estrela”.
Se eu tivesse seguido o seu conselho teria saído do AstroPT imediatamente a seguir a ler tamanha mentira. Efectivamente, o primeiro planeta do tamanho da Terra a orbitar na zona habitável de uma estrela é … a Terra!
O artigo original da NASA diz: “NASA’s Kepler Discovers First Earth-Size Planet In The ‘Habitable Zone’ of Another Star” ou seja, fala da descoberta do primeiro planeta do tamanho da Terra a orbitar na zona habitável de uma OUTRA estrela, o que é diferente.
Espero que não leve a mal esta piada, que ilustra perfeitamente o que disse: “Errar, toda a gente erra”.
Abraços
Author
Carlos Cardoso,
Efetivamente, tem razão.
abraços
P.S.: curiosamente, logo a seguir, a bold/negrito já está correto: “A descoberta do planeta Kepler-186f confirma que planetas do tamanho da Terra existem na zona habitável de estrelas que não o Sol !”