KOI 74 e KOI 81

No início de Janeiro, na 215ª Reunião da AAS (American Astronomical Society) que teve lugar em Washington, a equipa da missão Kepler anunciou a descoberta de dois objectos intrigantes designados de KOI (Kepler Object of Interest) 74 e KOI 81. Uma análise das curvas de luz destes objectos revelou tratarem-se de sistemas binários com estrelas primárias de tipos espectrais A1V (temperatura 9400 Kelvin) e B9-A0V (temperatura 10000 Kelvin), respectivamente. Os períodos orbitais são curtos, 5.2 e 23.9 dias, respectivamente, pelo que as componentes secundárias estão submetidas a uma forte irradiação por parte das primárias. Até aqui nada de especial.

Entretanto, uma análise mais cuidada revelou que as componentes secundárias têm características absolutamente desconcertantes. Apesar de terem tamanhos semelhantes ao de Júpiter, a profundidade dos eclipses secundários (quando a componente secundária desaparece por detrás da componente primária) implica que têm temperaturas superficiais superiores às das estrelas hospedeiras (12250 Kelvin para o KOI 74 e 13500 Kelvin para o KOI 81). A hipótese de se tratarem de planetas está fora de questão pois nenhum planeta poderia exibir temperaturas tão elevadas, mesmo quando submetido a intensa radiação da estrela hospedeira. Infelizmente nenhum dos sistemas foi seguido para a medição da sua velocidade radial o que permitiria determinar a massa das componentes secundárias e talvez esclarecer algo quanto à sua natureza.

Ontem foi publicado um artigo em que é apresentada uma nova análise das observações dos dois sistemas e que implica uma conclusão notável: as componentes secundárias de KOI 74 e de KOI 81 são anãs brancas ! A análise apresentada no artigo é tão notável quanto a precisão dos dados obtidos pelo Kepler. Na realidade, a precisão é tão elevada que os astrónomos conseguiram detectar uma pequena modulação no brilho da estrela primária do KOI 74 que foi atribuída ao efeito de Doppler provocado pelo movimento orbital das estrelas. Com base na amplitude desse efeito fotométrico foi possível determinar com uma precisão de 1 km/s a velocidade radial do sistema sem obter um único espectro. Trata-se de um feito verdadeiramente excepcional. Usando a velocidade radial assim deduzida foi possível derivar a massa total do sistema e, em particular, as massas das componentes compactas: 0.22 vezes a massa do Sol para o KOI 74b e aproximadamente 0.3 vezes a massa do Sol para o KOI 81b (neste último caso o efeito da modulação mencionado foi mais difícil de observar devido à variabilidade intrínseca da primária, resultando num valor menos preciso para a massa).

Assim, aparentemente, o KOI 74 e o KOI 81 são parecidos com Regulus (estrela alfa da constelação Leão) que em 2008 foi identificada como um sistema binário de curto período. O sistema é composto pela estrela primária visível, de tipo espectral B7V, e uma anã branca com cerca de 30% da massa do Sol, orbitando em torno de um centro de massa comum em cerca de 40 dias. As anãs brancas neste tipo de sistemas binários têm massas anormalmente baixas, provavelmente devido à evolução num ambiente binário com transferência de massa entre as componentes. São normalmente “anãs brancas de hélio” (ao contrário das mais maciças que são em geral “anãs brancas de carbono e oxigénio”) e têm raios que podem ser substancialmente maiores do que anãs brancas normais.

Parece assim que o paradoxo colocado pelos KOI 74 e 81 foi resolvido.

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