Hawking e Deus

grand design

Já escrevemos bastante sobre este livro do Hawking, neste post.
No entanto, o que ele diz no livro sobre Deus continua a fazer furor, quer na Inglaterra, quer no EUA.

O que ele fez foi simples marketing. Produziu afirmações extraordinárias, simplesmente para ter mais vendas. É somente uma estratégia de marketing.
Parece-me, sobretudo, que falta espírito crítico aos jornalistas para perceberem o que está à frente de todos, e deixam-se levar sem pararem para reflectir (como na política, no futebol, ou no pastor aparvalhado com 30 seguidores que disse que ia queimar o Corão e ficou uma celebridade devido aos jornalistas, etc).

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O co-autor do livro esteve a falar com o Keith Olbermann:

O co-autor foi claríssimo: o livro NÃO diz que não existe Deus. Simplesmente diz que os autores do livro consideram que conseguem explicar o nascimento do Universo sem precisar da hipótese Deus. Tal como Pierre-Simon Laplace disse a Napoleão há cerca de 200 anos atrás.

Pode-se argumentar que eles na realidade não conseguem explicar o nascimento do Universo, e por isso não deveriam colocar hipóteses de lado. E isso, sinceramente, é a minha opinião. Eles usam a teoria M, das Super-Cordas, e assumem que ela explica tudo, mas não me parece que se possam tirar essas conclusões. E sendo assim, se a M não está provada (e não está), então obviamente que essa suposição estará errada, o que levará a que não podem tirar as conclusões que tiraram, o que perfaz que não devem colocar hipóteses de lado.

Agora, o que não se percebe é as críticas totalmente “ao lado”.
Alguns ignorantes religiosos que pelos vistos nem ler sabem, dizem que os autores afirmam que têm as respostas todas. Mas é mentira. O que eles dizem é ter hipóteses e daí fazem deduções.
A ciência não tem nem nunca terá as repostas todas. Essa é a natureza da ciência.
Quem diz ter as respostas todas é a religião.
Daí que acusar os cientistas de que são presunçosos e fundamentalistas é uma perfeita parvoíce. Quem se acha detentor das respostas todas, são os extremistas/fundamentalistas que não colocam as coisas a debate, mas simplesmente afirmam que todas as respostas estão num só livro.

O Larry King fez agora um programa sobre isto:


Stephen Hawking diz isto: “Deus pode existir, mas a ciência não precisa dessa hipótese para explicar o Universo”. Ou seja, a ciência não pode nem deve recorrer a seres divinos como explicações científicas.
Acho que isto é uma verdade perfeitamente evidente.
Ciência não é religião.

A pergunta “Acredita em extraterrestes?” não faz sentido.
Porque não define extraterrestres: cinzentos? marcianos verdes? bactérias?
Porque não tem a ver com acreditar. Eles existem ou não e é a ciência que nos dará as respostas.

O mesmo é para a pergunta que o Larry King se fartou de fazer.
Perguntar “Acredita em Deus”?” também não faz sentido.
De que Deus está a falar? De um ser-espião que não tem mais nada que fazer, senão passar o tempo de forma “creepy”, a espiar o que ando a fazer, quando me visto, quando me dispo, quando digo alguma asneira, etc? É de um ser desses que espera que eu acredite? Um ser que me anda a espiar nas sombras, sorrateiramente, de forma invisível? E que me espia a mim, e a todos os outros humanos, incluindo as crianças (andar a ver quando se vestem, despem, e dizem asneiras)? É que se alguém acredita que há um ser que faz isso, então deve imediatamente chamar as autoridades, porque é totalmente ilegal e bastante ofensivo andar alguém a fazer isso.

“God didn’t created man, man created God”, ou seja, esse Deus-espião não criou os humanos, mas foram os humanos que criaram esse Deus-espião. Assim, havia mais controlo sobre a população, que vive com medo do que lhe vai acontecer a seguir. O medo é a melhor forma de controlo.
E a ideia que só se tem moral, ou justiça, se se acreditar em Deus é mentira, como se pode ver em experiências com animais. Eu prefiro ser uma boa pessoa porque quero, em vez de ser boa pessoa só porque tenho medo do que me vai acontecer a seguir. Deve-se fazer as coisas certas porque elas são certas, e não porque se tem medo das consequências das coisas erradas. Da mesma forma que há boas pessoas em todas as religiões, e boas pessoas que são crentes em Deus e boas pessoas que não são crentes em Deus. Ou seja, para se ser boa pessoa, é indiferente aquilo em que ela acredita, mas o que conta são as suas acções.
Curiosamente, gostei desta publicidade em Chicago. Aliás, o entrevistado diz que no passado tínhamos milhares de deuses, agora só temos um, ou seja, estamos a melhorar. O que vai de encontro a uma frase do Richard Dawkins no livro “The Root of All Evil”: “We are all atheists about most of the gods that societies have ever believed in. Some of us just go one god further” (Todos somos ateístas sobre a maioria dos deuses que as sociedades humanas acreditam. Alguns de nós, simplesmente acreditam em menos um. — ou seja, todos os portugueses e brasileiros que nos lêem são ateístas em relação à maior parte dos deuses que já popularam a mente humana). E esta frase do Dawkins vai de encontro à do Stephen Roberts: “I contend that we are both atheists. I just believe in one fewer god than you do. When you understand why you dismiss all the other possible gods, you will understand why I dismiss yours”. Ou seja, somos ambos ateístas; quando perceberes porque não acreditas em todos os deuses dos Egípcios ou Gregos, por exemplo, então vais perceber porque não acredito no teu deus.

A procura de conhecimento, seja de forma científica ou espiritual, não deveria ser o objectivo de todos?
E conhecimento que seja “palpável”, e não do género das tretas da pseudociência, como por exemplo falarem de “pulseiras quânticas” para se viver melhor.

Ou seja, não tem nada a ver com “acreditar” nisto ou naquilo. Ou existe, ou não existe. Da mesma forma que o Pai Natal ou existe ou não existe. Eu posso acreditar que consigo voar, mas o certo é que se me atirar do topo de um edificio de 50 andares, vou parar cá em baixo, porque independentemente de acreditar ou não, o certo é que a gravidade funciona.

Assim, é indiferente o que se acredita.
A gravidade funciona, e é explicada pela ciência.
A chuva funciona, e é explicada pela ciência.
A TV funciona, e é explicada pela ciência.
Os computadores funcionam, e são explicados pela ciência.
A internet funciona, e é explicada pela ciência.
Não é preciso Deus para explicar a Internet, Deus, a chuva, os computadores, ou a TV. Basta o conhecimento humano. É esta mensagem que Hawking quer fazer passar.
Quando se tem “fé”, quando se “acredita” em nós próprios, nos humanos, no conhecimento, e na ciência, o mundo avança, o mundo progride, o mundo torna-se melhor (o contrário, deu-nos a “Idade das Trevas”).

Podem dizer: mas a ciência não explica o início do Universo, e é por isso que aí entre a hipótese Deus.
Ou não.
Da mesma forma que há uns milhares de anos, pensava-se que Deus fazia a chuva, e agora essa hipótese já não é precisa.
Ou da mesma forma como há 100 anos atrás, alguém, ignorante da ciência actual, diria que a TV ou os computadores são obra de Deus, mas agora sabe-se que são obra dos humanos, porque o conhecimento humano progrediu.
Ou seja, com o tempo, os Humanos e a Ciência, vão tendo mais conhecimento e deixado de precisar dessa hipótese Deus (conhecimento VS. ignorância).

O Hawking tem a opinião que com a Teoria M, já se pode compreender o início do Universo sem precisar da hipótese Deus.
(eu não concordo com o Hawking, que a M já nos diz tudo, mas é a opinião dele)

De qualquer modo, Hawking só disse que não precisava dessa hipótese. Só isso.
Tal como para explicar a gravidade ou a chuva, basta a ciência e matemática. Não é preciso Deus para explicar esses fenómenos – a hipótese Deus era usada nesses fenómenos no passado, mas entretanto crescemos, evoluímos, fomos tendo mais conhecimento, e essa hipótese deixou de ser necessária.
É só isso que Hawking diz: que não precisa dessa hipótese para explicar determinado fenómeno (neste caso, o início do Universo).

Mas parece-me que os religiosos têm tão pouca fé nas suas crenças, que “cai-lhes o mundo” se alguém diz que “não precisa da hipótese Deus”.
Querem à viva força incluir essa hipótese, em ideias que não são deles.

Notem que o Hawking não diz que devem acreditar nele. Cada qual é livre de acreditar no que quiser. O co-autor diz precisamente isso: cada qual deve acreditar no que quiser.
Mas não percebo estes religiosos que querem à viva-força que Hawking e os outros, sigam as ideias deles.

Sinceramente, isto faz-me pensar nas atribulações de Galileu.
Só por Galileu afirmar que a Terra não estava no centro do Universo, os religiosos Cristãos “saltaram-lhe logo em cima”, porque ele tinha à-viva força de acreditar naquilo que eles queriam.
Independentemente da realidade, toda a gente tinha que seguir as crenças deles. Mesmo que a realidade provasse o contrário.
Parece-me a mesma história de nos quererem vender a crença no “Pai Natal”, ou nas “pulseiras quânticas“. É indiferente o que pessoas acreditam sobre as pulseiras, porque a realidade é só uma: elas não fazem nada; é um simples esquema para roubar dinheiro às pessoas.

Eu não sei o que pensam as outras pessoas, mas eu detesto que me impinjam crenças, e que queiram à-viva força que eu acredite em X, que pense Y, ou que faça Z.

Trocar o conhecimento pelas crenças, trocar o pensamento crítico por quererem que se acredite nisto ou naquilo, parece-me demasiado perigoso.
Como disse o Hawking: um dos perigos para a Humanidade é a nossa ignorância e estupidez.

8 comentários

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  1. Carlos, Você tem alguma religião ? você acredita em deus ?

    1. É irrelevante o que eu acredito… as minhas crenças pessoais são… pessoais.

    • Ana Guerreiro Pereira on 19/09/2011 at 18:48
    • Responder

    O Q, suplemento de sexta feira do DN, lançou um debate entre a Teresa Lago e um teólogo, tendo como ponto de partida o Great Design e aTeoria M:

    http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1991054

  2. Leiam também este post:
    http://www.astropt.org/2010/09/15/mentes-crentes/

  3. publico.pt…
    Sobre os media não terem espírito crítico, veja-se o nível de convidados que arranjam:
    http://www.publico.pt/Local/fugiu-da-prisao-ha-14-anos-mas-foi-apanhado-depois-de-participar-num-programa-televisivo_1455732
    (mais alguns exemplos nos comentários)

  4. npr.org.folha.uol.com.brteleios.com.br…
    Oi Mirian,

    Depois de ler seu interessante comentário, como sou curioso, quiz ver se encontrava o artigo do Marcelo Gleiser no google
    🙂
    Obrigado pela sugestão!
    🙂

    Encontrei um artigo, em inglês, do Marcelo Gleiser, a falar do Hawking:
    http://www.npr.org/blogs/13.7/2010/09/08/129736414/hawking-and-god-an-intimate-relationship
    “In more plain English, the idea is that there is a timeless realm that contains all possible universes and that our own is simply one of them, with the right properties for surviving long enough to eventually create atoms, stars and life.
    (…)
    I maintain that his arguments and those of anyone who claim that we have (or are close to) a complete theory of Nature (Hawking uses the so-called M-Theory, a string-inspired theory of everything) to be false and, unfortunately, deceiving.
    Furthermore, Hawking also claims that the universe is “just right” for generating living beings like us. Instead, I argue that life is rare (take a look around our solar system neighbors for stars and then look at the history of life on Earth, all that had to happen for multicellular organisms to thrive) and that complex, intelligent life much rarer still.
    If anything, intelligent life is a fluke in our universe, the exception not the rule.
    The theories that Hawking and Mlodinow use to base their arguments on have as much empirical evidence as God. It’s extremely misleading to promulgate highly speculative theories as the accepted word of the scientific community. Although I have enormous respect for Hawking’s work as a scientist — he’s one of the greatest of our generation without question — this sort of media hype is, to my mind, irresponsible.
    (…)
    Maybe Hawking should leave God alone.”

    Concordo totalmente com o Gleiser, em tudo menos numa coisa.
    Eu penso que a vida simples está espalhada por todo o Universo.
    Por outro lado, desse ponto do Gleiser, também brota outra crítica que ele se esqueceu de fazer, mas parece-me evidente: o Hawking está a defender principios antrópicos, de que o Universo está feito para nós. E isto, é uma ideia religiosa que eu abomino!
    😛

    Em português:

    Hawking:
    http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/792962-stephen-hawking-dispensa-deus-na-origem-do-universo.shtml

    Marcelo Gleiser:
    http://www.teleios.com.br/2010/hawking-e-deus-relacao-intima-por-marcelo-gleiser/
    “As teorias que Hawking e Mlodinow usam para basear seus argumentos -teorias-M, vindas das supercordas- têm tanta evidência empírica quanto Deus.
    É lamentável que físicos como Hawking estejam divulgando teorias especulativas como quase concluídas.
    Não sabemos nem mesmo se essas teorias fazem sentido. Certas noções, como a existência de um multiverso, não parecem ser testáveis.
    Talvez esteja na hora de Hawking deixar Deus em paz.”

    Concordo totalmente 😉

  5. Num dos jornais da semana passada li um artido de Marcelo Gleiser falando quase isso. Criticou Hawking exatamente no ponto que você tocou, por basear a sua conclusão numa hipótese nào provada.
    Adorei o “seu”Deus-espião! 😀 Eu demorei algum tempo para me livrar dele. Preferi me apegar ao Deus Criativo – quem cria nunca tem tempo para muita coisa, a não ser quando entra no ócio criativo. E, considerando que “somos” à sua imagem e semelhança, justifica também a nossa capacidade de criar sempre, sem ficar perguntando para ele como se faz isso ou aquilo. E quem é criativo descobre, sem sua ajuda, como as coisas são feitas, ou acontecem. 😉

  1. […] e o livro foi publicitado como a “prova” de que Deus não existe (leia aqui e aqui). É um absurdo, obviamente, mas essa frase bombástica permitiu-lhe ter mais tempo de antena e […]

  2. […] presenteado ultimamente com “frases bombásticas”. Por exemplo, quando disse que provou que Deus não existe ou quando defendeu que nos deveríamos manter silenciosos porque existe o perigo dos […]

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