Os átomos são compostos por um núcleo, contendo protões e neutrões, e uma nuvem de electrões ligados ao núcleo pela força electromagnética. Um átomo no estado neutro tem um número de electrões igual ao número de protões no núcleo. A carga total é 0. Por vezes, quando submetidos a forte radiação ou altas temperaturas, alguns dos electrões podem escapar ao núcleo. Dizemos então que o átomo resultante, com um défice de electrões, está ionizado. Um átomo de hidrogénio neutro é designado por H I (“H Um”). Da mesma forma para outro qualquer tipo de átomo, por exemplo, cálcio, Ca I. Átomos ionizados são representados da mesma forma, utilizando o número romano para indicar o número de electrões perdidos, por exemplo: cálcio ionizado sem 1 electrão – Ca II; ferro ionizado sem 9 electrões – Fe X. O que se segue aplica-se igualmente a átomos no estado neutro ou ionizados.
Os electrões de um átomo agrupam-se em torno do núcleo por camadas ocupando estados quânticos diferentes segundo regras impostas pela mecânica quântica, nomeadamente pelo Princípio de Exclusão de Pauli. Este princípio diz que não pode existir mais de um electrão no mesmo estado quântico e é responsável pela diversidade de características dos elementos químicos que observamos na tabela periódica. Cada um destes estados quânticos tem uma energia específica que pode ser facilmente calculada para o átomo de hidrogénio mas requer métodos aproximados para átomos com mais de um electrão.
Um electrão que ocupa um destes estados quânticos de energia pode saltar para outro estado de maior energia absorvendo um fotão (figura seguinte, à esquerda). Mas não pode ser um fotão qualquer, a sua energia tem de ser exactamente igual à diferença de energia entre os estados quânticos referidos. Estes “saltos” designam-se de transições electrónicas. De igual modo, um electrão que ocupa um estado quântico pode saltar para um estado com energia inferior, emitindo um fotão cuja energia é exactamente igual à diferença dos estados quânticos (figura seguinte, à direita).
Assim, os átomos podem absorver e emitir fotões mas apenas com energias correspondentes a diferenças entre energias de estados quânticos dos electrões. Como as energias desses estados são específicas de cada átomo, as diferenças entre os níveis energéticos são também (a menos de coincidência) diferentes para cada átomo. Assim podemos dizer: os átomos absorvem e emitem fotões com energias lhes são características. É necessário ainda esclarecer um outro ponto. A energia de um fotão define completamente a sua frequência e o seu comprimento de onda. Assim, a frase anterior pode ser escrita como: os átomos absorvem e emitem radiação com comprimentos de onda que lhes são característicos. A imagem que se segue mostra o espectro do Sol e de vários elementos. Na linha horizontal varia o comprimento de onda. Note-se como cada átomo diferente emite radiação em comprimentos de onda diferentes.
(Crédito: chemistrybook2011.blogspot.com)
A imagem seguite mostra um diagrama de Grotrian (em honra do astrofísico alemão Walter Grotrian) para o átomo de sódio (Na) que representa as transições electrónicas (os “saltos”) permitidas entre estados quânticos no átomo. As barras horizontais representam os estados quânticos e as linhas que as unem as transições. O eixo das ordenadas indica a energia dos estados. A cada transição corresponde uma linha no espectro do sódio. Por exemplo, as duas transições assinaladas a amarelo correspondem a duas linhas nos 588.9 e 589.5 nm no espectro do sódio. Essas linhas são precisamente as indicadas como D1 e D2 no espectro do Sol, na imagem anterior.
De notar que as transições podem dar origem a linhas em diferentes partes do espectro electromagnético, dependendo da diferença de energia entre os estados quânticos em causa. Assim, para um dado átomo, apenas parte das transições possíveis dão origem a linhas no visível. Algumas transições dão-se no infravermelho outras no ultravioleta e algumas mesmo nos raios X (o caso das transições dos electrões mais internos). Com estes princípios é possível agora perceber como se formam os espectros estelares.
Todos os corpos com uma temperatura acima do zero absoluto (0 Kelvin, -273.15 Celsius) emitem radiação electromagnética, designada de radiação de corpo negro. A razão é simples. A temperatura de um corpo é uma medida estatística da energia cinética dos átomos que o constituem. Em corpos com baixa temperatura os átomos movem-se, em média, devagar e vice-versa para corpos a altas temperaturas. Parte desta energia cinética é transformada em radiação electromagnética resultante das colisões entre os átomos. A figura seguinte mostra um ferro quente emitindo radiação de corpo negro mais intensa na zona do vermelho e nos infravermelhos devido à elevada temperatura.
A energia emitida por um corpo negro a uma temperatura dada varia com o comprimento de onda de uma forma precisa, descrita matematicamente pela Lei de Planck. Acontece que as estrelas emitem radiação como se fossem (aproximadamente) um corpo negro à temperatura das suas fotosferas. Por exemplo a fotosfera do Sol tem uma temperatura de 5800 Kelvin, pelo que corresponde sensivelmente à estrela amarela na figura seguinte.
(Crédito: www.oswego.edu/~kanbur)
A figura mosta o fluxo de energia em função do comprimento de onda dado pela Lei de Planck, para três temperaturas fotosféricas diferentes. Notem três coisas: (a) a radiação de corpo negro é emitida em todos os comprimentos de onda – o espectro é contínuo; (b) estrelas mais quentes emitem mais radiação em todos os comprimentos de onda – a linha para a estrela azul está sempre acima das restantes, a linha da estrela amarela está sempre acima da linha da estrela vermelha; (c) o pico de fluxo da radiação move-se no sentido dos comprimentos de onda mais curtos à medida que a temperatura aumenta. A localização deste pico corresponde à nossa percepção da cor da estrela. Estrelas brancas/azuladas têm o pico na zona azul do espectro visível, as amarelas na zona do amarelo e as vermelhas … no vermelho. É por isso que as estrelas têm cores diferentes. Observem agora a seguinte imagem com espectros de estrelas desde o tipo M (mais frias) até às de tipo O (mais quentes).
(Crédito: National Optical Astronomy Observatory)
Seria talvez de esperar um espectro contínuo devido à radiação de corpo negro proveniente das respectivas fotosferas. No entanto, os espectros são atravessados por inúmeras linhas verticais negras cuja natureza tem de ser explicada. Vejam a figura seguinte.
(Crédito: www.ualberta.ca/~pogosyan)
A fotosfera da estrela (à esquerda em cima) emite um espectro contínuo (à esquerda em baixo). No entanto, quando essa radiação passa pela fotosfera e camadas superiores (representadas pela nuvem de gás no centro da imagem por uma questão de claridade), os electrões dos átomos aí presentes absorvem fotões de comprimentos de onda específicos e saltam para níveis energéticos mais elevados. Os electrões não permanecem em estados energéticos elevados durante muito tempo pelo que rapidamente retornam a estados de menor energia emitindo fotões exactamente nos mesmos comprimentos de onda que tinham sido absorvidos. Mas então, o efeito desse gás no espectro contínuo seria nulo. Afinal, se todos os fotões absorvidos pelos átomos são re-emitidos exactamente nos mesmos comprimentos de onda, alguém que observasse a estrela com um espectroscópio veria na mesma um espectro contínuo, ou não ?
A resposta é não, e o segredo está nas pequenas setas que vêem sair da nuvem de gás. Quando os átomos na nuvem de gás emitem fotões, fazem-no em qualquer direcção no espaço. Isso quer dizer que, de todos os fotões destes comprimentos de onda que saem da fotosfera na nossa direcção e que são absorvidos pelos átomos do gás, apenas uma percentagem ínfima é re-emitido na nossa direcção. Quando observamos o espectro isso é visível como um défice de fotões nesse comprimento de onda – uma linha negra de absorção. Isto quer dizer também que as linhas negras não o são totalmente. São simplesmente comprimentos de onda em que chegam muito menos fotões do que seria espectável do espectro contínuo. Por um efeito de contraste parecem negras. Claro que os restantes fotões que saem da fotosfera na nossa direcção e não correspondem a nenhuma transição dos átomos no gás atravessam-no quase sem problemas e chegam ao nosso espectroscópio formando o fundo contínuo do espectro. Observamos assim um espectro contínuo com linhas de absorção sobrepostas (à direita, em cima na figura). Como os comprimentos de onda das linhas são característicos dos átomos que absorvem os fotões, a análise dos espectros permite determinar a composição atómica e em algumas estrelas molecular da fotosfera e camadas adjacentes. A demonstração de que as linhas espectrais não são na realidade escuras pode ser feita se observarmos o espectro desse gás sem ter a fotosfera da estrela por detrás. No caso do Sol tal é possível de forma espectacular aquando de um eclipse solar. Durante a totalidade é possível obter um espectro do Sol que é de emissão (à direita, em baixo na figura). Parece um negativo do espectro de absorção. De facto, a maior parte do espectro é escuro pois não temos agora o espectro contínuo de fundo da fotosfera. As linhas de emissão são formadas exactamente pela percentagem ínfima de fotões absorvidos pelo gás e que são re-emitidos na nossa direcção. Estes fotões têm os mesmos comprimentos de onda característicos das linhas de absorção. As duas figuras seguintes mostram o espectro solar observado durante um eclipse.
(O mesmo espectro corrigido. Crédito: www.eurastro.de)
Este tipo de espectro de emissão é precisamente o tipo de espectro observado nas nebulosas planetárias e difusas. Nestas nebulosas uma ou mais fontes de radiação, a estrela central quente no caso das planetárias, estrelas jovens de tipo O no caso das difusas, iluminam o gás que absorve e emite de seguida radiação em comprimentos de onda característicos. Nos espectros das nebulosas as linhas mais importantes são devidas a um estado ionizado do oxigénio OIII (496 e 501 nm), ao hidrogénio neutro HI (656 e 486 nm) e ao enxofre ionizado SII (671 and 673 nm). A figura seguinte mostra um espectro da nebulosa planetária M57, na constelação Lira. Neste espectro, as linhas de emissão são imagens da própria nebulosa. São bem visíveis a linha de hidrogénio no vermelho (656 nm), as duas linhas do oxigénio duplamente ionizado no verde/azul claro (496 e 501 nm) e a linha do hidrogénio no azul escuro (486 nm).
Finalmente, existem ainda algumas estrelas cujo espectro apresenta para além de linhas de absorção também linhas de emissão. A presença de linhas de emissão é um indicador seguro de que algo interessante se passa com a estrela. O meu exemplo favorito consiste nas estrelas de Wolf-Rayet (em honra dos astrónomos franceses Charles Wolf e Georges Rayet que descobriram os primeiros exemplos no século XIX). O nome é enganador pois não se trata de um tipo diferente de estrela mas antes uma fase na evolução de estrelas muito maciças que começaram a sua vida na sequência principal como estrelas de tipo O. Exactamente quando e porquê uma estrela maciça passa por esta fase não é consensual. O que se sabe é que são estrelas muito evoluídas, quentes e luminosas. A pressão da radiação ultravioleta que emerge das suas fotosferas é tão intensa que projectam para o espaço a grande velocidade camadas sucessivas de gás, formando ventos estelares poderosos. As estrelas de Wolf-Rayet encontram-se assim permanentemente rodeadas por uma extensa nuvem de gás em expansão que é excitada pela radiação ultravioleta da estrela e produz, como vimos acima, as linhas de emissão visíveis no espectro. O exemplo mais brilhante de uma tal estrela é a gama da constelação Vela: Gama Velorum. Neste caso a estrela de Wolf-Rayet faz parte de um sistema binário com uma estrela de tipo O. A imagem seguinte mostra o espectro da estrela (embora não lhe faça justiça). As linhas brilhantes de emissão são devidas a transições electrónicas em iões de hélio e de carbono.
O astrónomo real para a Escócia, Ralph Copeland, numa expedição às margens do lago Titicaca, nos Andes, em 1883, descreve desta forma a observação do espectro da estrela (na altura pertencente à constelação Argus, o “Navio”, posteriormente dividida nas actuais constelações de Carina, Puppis e Vela):
“… I first viewed (γ Argus) in the open prismatic eyepiece. Its intensely bright line in the blue, and the gorgeous group of three bright lines in the yellow and orange, render its spectrum incomparably the most brilliant and striking in the whole heavens. To a great extent it was the extraordinary beauty of this spectrum (which, as I have since learned, was first seen by Respighi in 1871) that led me to devote a considerable part of my time to more or less systematic sweeps of the neighbourhood of the Milky Way.”
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“…emitindo um fotão cuja energia é exactamente igual à diferença dos estados quânticos (figura seguinte, à direita).”
“…pode saltar para outro estado de maior energia absorvendo um fotão (figura seguinte, à esquerda)”
“A imagem seguite mostra um diagrama de Grotrian …”
Figura ? que figura ? Não aparece nenhuma figura…
Aparecem todas as imagens/figuras…
Uau, ótima leitura.
Sinto-me feliz cada dia que venho aqui ler um ótimo artigo como esse.
Parabéns e claro, ótimo autor. 😀
Muito Bom. Obrigado ao autor.
Valerá também a pena (sobretudo se se quiser ler um pouquinho mais sobre classes espectrais), este artigo na wilipédia, que me parece também bastante bom.
Obrigada Luís pelo texto esta muito interessante. Gostei especialmente de algumas das imagens que utilizou e que não conhecia, vão me ser úteis em futuras aulas.
Dinis, gostei da mnemónica “Oh, be a fine girl/guy, kiss me”, não me vou esquecer.
Cumprimentos
Marília
Gostei do texto que está bastante didático, julgo, e lembrou-me a minha contínua curiosidade sobre as tentativas de se desenvolver “diagramas” fáceis de recordar por muitos anos…
Pessoalmente, gosto mais da imagem a cores do diagrama de Grotrian que está na página da wikipedia em Alemão: http://de.wikipedia.org/wiki/Termschema que também mostra a excitação de um átomo de sódio http://de.wikipedia.org/w/index.php?title=Datei:Energy_levels_of_sodium_atom.png&filetimestamp=20070630132720
Do meu ponto de vista, um hipotético aperfeiçoamenteo possível, talvez implicasse o ter colorido ambas as setas com o tom amarelado que vai faltar nas mesmas linhas de absorção no gráfico acima, D1 e D2.
Aliás como temos o comprimento de onda em nanómetros, podemos até usar essa informação para “colorir” toda uma gama de gráficos de absorção, com fins didáticos, práticamente idênticos ao que foi apresentado. (as setas não seriam em vermelho, e os comprimentos de onda não seriam “highligetd” em amarelo)
Será que assim era mais fácil memorizar e / ou ler a informação?
Valerá a pena a simplificação /alteração?
Será mais objectivo indicar o comprimento de onda apenas com valores numéricos?
Questão de fundo:
Como denvolver ferramentas de memorização?
Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mnem%C3%B3nica / http://en.wikipedia.org/wiki/Mnemonic
http://en.wikipedia.org/wiki/Art_of_memory
Viram o filme Johnny Mnemonic? http://en.wikipedia.org/wiki/Johnny_Mnemonic_(film)
O que já existe: http://en.wikipedia.org/wiki/Brain_implant
Algo menos controverso: http://en.wikipedia.org/wiki/Cochlear_implant
Problemática sócio-económica: http://en.wikipedia.org/wiki/Repo_Men
Voltando ao Espectro das Estrelas:
Ao ler o texto, lembrei-me logo de duas menemónicas, que se mantiveram no meu espírito durante décadas:
1) O, B, A, F, G, K, and M (usually memorized by astrophysicists as “Oh, be a fine girl/guy, kiss me”) http://en.wikipedia.org/wiki/Stellar_classification
2) Sempre tive uma memória bastante visual e no link que menciono a seguir há um diagrama com setas violetas a 45º de que nunca mais me esqueci depois de o aprender no liceu.
The first thing to keep in mind is that electrons fill orbitals in a way to minimize the energy of the atom.
This would mean that the electrons in an atom would fill the principal energy levels in order of increasing energy (the electrons are getting farther from the nucleus). The order of levels filled would look like this:
1s, 2s, 2p, 3s, 3p, 4s, 3d, 4p, 5s, 4d, 5p, 6s, 4f, 5d, 6p, 7s, 5f, 6d, and 7p
One way to remember this pattern, probably the easiest, is to refer to the periodic table and remember where each orbital block falls to logically deduce this pattern.
Another way is to make a table like the one below and use vertical lines to determine which subshells correspond to each other.
Fonte: http://chemwiki.ucdavis.edu/Inorganic_Chemistry/Electronic_Configurations
[…] o método das velocidades radiais consiste em observar o espectro da estrela e monitorar a deslocamento Doppler das linhas espectrais com o tempo. Esse deslocamento pode ser […]
[…] Centauri. Gigantes. Anãs Vermelhas. Anãs Brancas. Pulsares. Quasares. Buracos Negros a comer. Espectros e Sequência. […]
[…] década de 1860 William Huggins e sua esposa Margaret usaram espectroscopia para determinar que as estrelas eram compostas dos mesmos elementos que se encontram na terra. Utilizando as técnicas espectrais, […]