A propósito da temática deste post e de várias conversas recentes acerca deste tema, lembrei-me de um interessante capítulo do muito recomendável livro de Alex Boese Elephants on Acid, cujo título eu adoptei também para este post e que tem tudo a ver com a persistência das crenças, mesmo quando claramente demonstradas erróneas. Eu já tinha lido este relato há vários anos, por isso não me recordava bem dos pormenores (ah…a memória é tão falível). Aqui fica então o conto completo, agora com mais rigor!
Dorothy Martin, de 53 anos, residente em Chicago foi visitada por extraterrestres do planeta Clarion em Setembro de 1954. Estes deixaram-lhe uma alarmante notícia: a 21 de Dezembro desse ano, uma inundação gigante formaria um mar interior que devastaria grande parte dos Estados Unidos da América, ao mesmo tempo que uma série de cataclismos destruiria toda a costa oeste do continente americano.
Leon Festinger, professor de psicologia da Universidade de Minnesota ficou fascinado por esta notícia e pelo risco que esta mulher e os seus seguidores tinham enfrentado ao vir a público com esta revelação tida imediatamente como ridícula. Como lidaria o grupo com o facto de que no dia previsto nada acontecesse?
Ao contrário do que seria de supor, segundo a teoria de dissonância cognitiva de Festinger, em vez de desilusão e descrença, a não confirmação do desastre levaria a um aumento do esforço do grupo em recrutar crentes para o seu movimento. Para testar esta hipótese, juntou um grupo de investigadores e estudantes que se infiltraram no grupo de Dorothy para observar em primeira mão as suas reacções. Tiveram dois grandes desafios: conseguirem infiltrar-se no pequeno e discreto grupo que fugia do assédio dos que os ridicularizavam e, depois, manter um comportamento neutro perante o que estavam a observar.
Dorothy recebia mensagens através do espírito de Sananda (Jesus Cristo com novo nome) de Clarion, um planeta onde os corpos ajustavam a sua temperatura de modo automático, as pessoas comiam flocos de neve e ninguém morria. Os verdadeiros crentes seriam, claro, salvos do cataclismo à meia-noite do dia 21 de Dezembro, sendo levados por uma nave espacial. Com um pormenor: devido à avançada tecnologia alienígena, os seguidores não deveriam levar qualquer objecto de metal para dentro da nave, já que sofreriam graves queimaduras.
Na noite do “salvamento”, nada aconteceu. Nenhum extraterrestre bateu à porta do apartamento onde o grupo aguardava impacientemente. Depois dum falso alarme às 12:30, que resultou serem miúdos a brincar com as campainhas, Dorothy afirmou ter recebido nova mensagem de Sananda às 2:30: deveriam fazer uma pausa para café! A tensão era elevada, uma vez que muitas das pessoas que ali estavam achavam que o mundo acabaria naquela noite, tinham-se despedido dos empregos e gasto todo o seu dinheiro. Às 4:45, nova mensagem: a sua fé verdadeira tinha salvado o mundo! E agora deveriam espalhar a Mensagem de Natal de alegria e salvação!
Tal como Festinger previra!
Festinger tinha previsto que ao perceberem que a profecia tinha sido mentira, em vez de deixarem a seita, os crentes seriam levados a pensar que esse resultado negativo era a confirmação das suas crenças.
Segundo este autor, as crenças, mesmo quando provadas erradas empiricamente, dificilmente desaparecem. As pessoas necessitam que sejam consistentes e compatíveis. As discrepâncias que o crente possa encontrar, em vez de levarem ao abandono da crença, levam paradoxalmente a um reforço positivo pela procura de novos crentes. Se outros acreditam, então, é porque é verdade, certo?
NOTA 1: Dorothy Martin continuou a sua carreira como profeta New Age, fundando a Associação Sananda e Samat Kumara, mais tarde mudando o seu nome para Irmã Thedra e criando um centro religioso na América do Sul chamado a Abadia dos Sete Raios, onde continuou a prever grandes inundações, o levantamento de Atlantis e outros cataclismos sem data certa. Morreu em 1992 nos Estados Unidos…ou será que está no planeta Clarion?
NOTA 2: O relato original deste caso está descrito no livro de L. H. Festinger, H. W. Riecken e S. Schachter de 1956, When Prophecy Fails: A Social and Psychological Study of a Modern Group that Predicted the Destruction of the World (University of Minnesota Press; re-editado em 2008 por Pinter & Martin Ltd, Londres)
6 comentários
3 pings
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Muito bom post, interessante!
Um caso prático e com grande impacto na vida dessas pessoas. Em boa medida,a maior parte, senão todas as religiões começam e desenvolvem-se assim. Isto é apenas a opinião deste antigo religioso e agora profundamente céptico leitor. 🙂
Author
Obrigada, Ana!
😉
Diana, Bem Vinda! 🙂 🙂 🙂 Muito bom! 😉 Espero mais e mais postitos!
(Ana M. 😉 )
Muito bom!
É assim a realidade do único animal “racional” do planeta…
Author
Como recentemente disse o Michael Shermer, o nosso cérebro é como um advogado, faz as evidências ajustarem-se ao que ele crê à partida!
[…] às conspirações como uma validação das suas crenças, e é muito difícil combater essa dissonância cognitiva. […]
[…] 2011. Profecia de S. Malaquias. Primeira ministra da Austrália. Edward Snowden. Júlia Pinheiro. Dissonância Cognitiva: mentiras. Lista + 10 + 11 + infografia. Ig Nobel. 1910. 2008. 2010. 2010. 2011. 2012. 2013. 2014. […]
[…] assomo de Dissonância Cognitiva, neste cartoon vê-se um crente em conspirações a dizer que acredita que o mundo realmente acabou […]