Podíamos estar a fazer Windsurf no Sol, ó Deus

windsurf sun

Deus até esteve bem em fazer a Luz e iluminar-nos o caminho, mas podia ter prescindido de algumas regras de trânsito. A que me ocorre de imediato é a proibição de andar a velocidades superiores a 300 mil quilómetros por segundo.

É tão injusto.

É como termos a possibilidade de explorar o mundo a partir de uma auto-estrada em linha recta de cem vias, praticamente sem trânsito, e o nosso Ferrari não poder ultrapassar os 5 quilómetros à hora.

Acho que Deus tem um sentido de humor cruel: implanta o desejo de alcançarmos a linha do horizonte e depois, logo a seguir, cria todas as condições necessárias para que seja impossível concretizá-lo nos próximos milhares de anos. Ou milhões. Faz os nossos melhores bólides espaciais parecerem meros triciclos quando atingem os subúrbios do Sistema Solar.

o mais antigo sinal de trânsito português que se conhece

o mais antigo sinal de trânsito português que se conhece

Precisamos de sinais, mas diferentes

Imaginem que as auto-estradas de Portugal estariam salpicadas de sinais de trânsito como este aqui: obteríamos dos condutores a mesma expressão de incredulidade dos poetas que observam o Céu e medem o tamanho das distâncias apenas pelo que os seus olhos podem alcançar, comparando a profundidade das suas visões com o que as nossas sondas conseguem fazer.

A propósito, sabiam que este é o mais antigo sinal de trânsito português que se conhece? Foi feito no ano da graça de 1686. 1686, imaginem. Nesse ano Johann Sebastian Bach fez 12 meses, se calhar umas birras, talvez ainda caminhasse como um astronauta na Lua.

O sinal determina que o coche que vem de cima não tem prioridade em relação ao coche que vem de baixo, o que é uma medida lógica: é difícil fazer marcha-atrás com os cavalos.

El Rei D. Pedro II foi obrigado a colocar este sinal porque nenhum dos cocheiros gostava de ceder passagem e era frequente que tais encontros acabassem em grandes cenas de pancadaria, com mortos e feridos e tudo. O sinal ainda existe: podem vê-lo na Rua do Salvador, em Alfama, mesmo ao lado do número 26. Esta relíquia está por cima de uma caixa de electricidade, portanto já ninguém o respeita como um sinal dos tempos remotos. (Fonte)

A nossa propensão para a zaragata quando ainda usávamos cavalos como meio de transporte obrigou o Criador a impor umas quantas regras inflexíveis quando chegássemos à era do foguetão, separando-nos das inteligências fervilhantes que proliferam no Cosmos.

Por enquanto, o zaragateiro de carbono está sujeito às leis da Física e obrigado a pagar portagem ao senhor Albert Einstein e esperar que um engenheiro galáctico saiba escavar um Túnel da Mancha entre galáxias.

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O Universo já era

Considerem a Voyager 1, lançada em 1977. Esta sonda cruza o espaço à velocidade de 17,2 Km por segundo, quase 62 mil quilómetros por hora. Se a velocidade da luz é um triciclo cruzando o cosmos, imaginem a nossa pequena e modesta sonda: é uma bactéria microscópica nadando no oceano.

Ainda assim, 62 mil quilómetros por hora é uma velocidade impressionante na Terra – o suficiente para dar uma volta completa ao planeta durante uma primeira parte de um jogo de futebol (a ver se não meti água nos cálculos: o perímetro da Terra é de cerca de 40 mil quilómetros).

No Espaço, este ano-Voyager (17,2 Km por segundo, pouco mais de 542 milhões de quilómetros percorridos pela sonda ao fim de 365 dias) não é nada.

O engenho mais rápido que a nossa civilização foi capaz de produzir não passa de uma tartaruga cósmica com problemas de asma: para percorrer pouco mais de 4,2 anos-luz e chegar ao sistema estelar Alfa Centauri, o mais próximo do Sol, demoraria uns 75 mil anos.

75 mil anos é uma brisa cósmica, mas há 75 mil anos o Homo Sapiens ainda estava a migrar para a Ásia e a Europa. As primeiras manifestações artísticas e religiosas ocorriam há pouco mais de 5 mil, mas ainda não existiam cidades ou Agricultura.

E mesmo que a Voyager viajasse a 99,9 por cento da velocidade da luz, demoraria mais de 2 milhões de anos a alcançar a galáxia mais próxima, a vizinha Andrómeda. Há dois milhões de anos os nossos antepassados mal tinham começado a usar ferramentas. Existem milhares de milhões de galáxias separadas por incontáveis milhões de anos-luz, como raio haveremos de descalçar esta bota?

Afirma-se que será possível contornar este limite se viajarmos através dos chamados buracos de verme, escavados no tecido do Espaço-Tempo. Tais passagens poder-nos-iam conduzir de uma ponta à outra da galáxia num abrir e piscar de olhos.

Sempre que oiço esta teoria, imagino Deus como uma velhota muita querida mas já com uns problemas de visão a tricotar o tecido do Espaço-Tempo sem reparar que alguns fios ficaram soltos. Desta falha resultaram alguns buracos através dos quais os vermes (nós) podem atalhar caminho. Se imaginarmos a nossa galáxia como uma dessas camisolas tricotadas pela avozinha, o nosso planeta encontra-se na zona do cotovelo. Ou talvez no sovaco da Via Láctea, para passarmos ainda mais despercebidos.

Deus encheu-nos a cabeça de sonhos e o Universo de sinais que dizem Proibido Sonhar. Nem sequer temos direito a uma percepção correcta do Tempo: como a luz das galáxias demora x anos a chegar a nós, estamos a vê-las como estavam no momento em que a luz de lá partiu na nossa direcção. A galáxia Andrómeda que os astrofísicos e astrónomos nos revelam existiu há dois milhões de anos.

Quanto mais longe, mais viajamos no passado. O Hubble Ultra Deep Field detectou galáxias a 13 mil milhões de anos-luz. Um recuo vertiginoso no passado. Tão perto do momento do Big Bang que a visão nos deixa tontos, como se observássemos, de longe, o momento do nosso nascimento, depois de levarmos uma palmadinha no rabo e começarmos a chorar.

Nunca as poderemos visitar e encontrá-las como os nossos instrumentos as detectaram, porque agora a maioria dos sóis que as compunham já não existem. O Universo é feito de uma substância invisível e incorpórea chamada Memória. Uma substância ainda mais vasta que a Matéria Negra.

E vem-me à cabeça um pensamento inquietante: durante quanto tempo terá sobrevivido a nossa luz reflectida pelo Sol? Será que um dia as civilizações de Andrómeda poderão observar sinais de uma civilização entretanto já extinta?

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Somos muito perigosos e o ET deve ser poupado

Pode dar-se então o caso de Deus ser um tipo cuidadoso e ter criado um Universo suficientemente grande para proteger as outras civilizações de nós. Aos olhos de uma espécie pacífica, devemos parecer um bocadinho monstruosos ou, na melhor das hipóteses, gentinha de carbono em quem não se pode confiar, com uma capacidade espantosa de criar nobres e exaltantes desculpas para justificar a aniquilação.

Tudo é tão infinitamente grande que se existir uma civilização extraterrestre em cada galáxia com a mesma capacidade tecnológica da Humanidade, poderemos passar os próximos milhares de anos sem dar por nada. Parcialmente cegos e solitários.

Dado que existem no Universo milhares de milhões de galáxias, talvez Ele tenha pensado no Infinito como uma boa solução para nos manter isolados uns dos outros.

É mais fácil se imaginarmos o Universo como uma sala de aula, as galáxias como carteiras e Deus como o professor: certos alunos não se devem sentar na mesma carteira porque acabam por criar distúrbios. O terrestre é um aluno baldas, sempre a mandar bocas e a desestabilizar os outros com risadinhas parvas. E gosta de bombinhas de mau cheiro, também. Muitas.

Talvez tenhamos apanhado tantas faltas disciplinares que o Conselho Directivo – Pai, Filho e Espírito Santo – decidiu expulsar-nos do Colégio Galáctico. Talvez estejamos numa turma de alunos problemáticos. Talvez Jesus tenha sido um funcionário da Segurança Social Galáctica e o milagre da ressurreição seja uma forma qualquer de subsídio de reinserção social: uma ajudita enquanto não nos recuperamos dos pecados originais.

Se Adão e Eva não tivessem feito uma ménage à trois com a serpente, já nem estaríamos preocupados com espirros solares, asteróides, supernovas, hipernovas ou buracos negros.

Por esta altura, em vez de estares a ler um post disparatado como este, andarias a praticar Windsurf nas protuberâncias nucleares do Sol, enquanto a Miss Andrómeda passaria o tempo a trabalhar para o bronze numa esplanada em Mercúrio saboreando um refresco e observando, com os olhos cheios de promessas, as tuas audaciosas e escaldantes acrobacias.

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5 comentários

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    • Luiza Mara Leal on 07/11/2015 at 16:26
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    Texto delicioso!!!
    Culto engraçado, explicativo
    Obrigada pt esse presente

  1. Texto excelente, como já vai sendo habitual.

    É verdade que no espaço nos movemos a uma velocidade estupidamente baixa. Parece que rivalizamos com os caracóis cósmicos. Mas, se pensarmos bem, até 1957 nem sequer acima da atmosfera íamos. Desde o lançamento do Sputnik até aos nossos dias, já demos um pequeno grande passo. O futuro é promissor e os próximos grandes passos a caminho do cosmos podem estar já aí ao virar da esquina…

    Entretanto, talvez não seja só com ”melhor e mais rápido” que devamos contar para explorar e perscrutar o espaço interestelar. Os últimos anos têm-nos mostrado que somos suficientemente inventivos para imaginar, construir e operar tecnologias capazes de explorar à distância.
    Claro que não é a mesma coisa. Mas, enquanto não temos melhor, esta exploração à distância aguça-nos o apetite e o engenho.

    Talvez os nossos tetranetos possam um dia fazer planos para uma viagenzita à Nebulosa de Orion e, com as milhas acumuladas, possam dar uma escapadinha a Saturno… quem sabe?

  2. Creio que a solução para o transporte a distâncias astronômicas não deve ser relacionada a deslocamento como conhecemos mas sim se utilizando de teletransporte.

    No caso, transformando o corpo a ser transportado, para estar com os elementos da sua matéria no formato da outra dimensão e então retornar a nossa dimensão já no local escolhido.

    A algum tempo falei aqui de uma teoria minha que explicaria os fenômenos quânticos.
    Que incluiria a existência de uma outra dimensão, mas não como as pensadas até hoje..
    Aqui explica => http://forum.intonses.com.br/viewtopic.php?f=77&t=147809

    E recentemente vi um experimento que pode ser uma pista de como se produzir o teletransporte => http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=objetivo-rotativo-mais-rapido-mundo&id=010165130829
    E também creio que a tecnologia “Skyrmions” pode ser utilizada em conjunto para esta solução.

  3. Fantástico…!

  4. Belo texto.

    Ou como divulgar ciência de uma forma divertida e facilmente apreendida por todos.

  1. […] realmente já foram algumas vezes como pode ser visto ou aqui ou ainda aqui, ou ainda […]

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