O Mundo que Sentimos – Parte I

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O ser humano é um processador de informação. Possui cinco sistemas principais de sensores, que captam diferentes “sinais” (normalmente um “sinal”, em electrónica em particular, é entendido como informação, em contraste com o ruído):

  • O tacto é como que um sensor de pressão, uma vez que o exemplo típico de como funciona este sentido traduz-se no toque. No entanto, se pensarmos bem, este sensor tem na verdade outras vertentes, sendo, por exemplo, um excelente medidor de temperatura (não calibrado). Tem a grande limitação de só nos poder dar informação no seu raio de contacto.
  • O paladar é provavelmente o sentido mais desprezado em termos de necessidade, mas certamente um dos mais apreciados, pelo prazer que nos possibilita.
  • O olfacto talvez possa ser considerado um degrau acima do paladar em termos de necessidade, uma vez que o mesmo nos permite prevenir situações de perigo (cheiro a queimado, cheiro a combustíveis, etc.).
  • A visão é unanimemente considerado o sentido mais importante que dispomos, dado que é dela que dependemos mais fortemente. Por outro lado, essa ideia é, curiosamente, também a mais fácil de confirmar, visto que este sentido é o mais fácil de “desligar” (pelo menos em comparação com o tacto e a audição, pois os outros nem se equacionam).
  • A audição complementa, de certa forma, o sentido anterior, visto que permite a recepção de informação que nem sempre pode ser apreendida pela visão, por exemplo, sobre “fenómenos” que possam estar a ocorrer nas nossas costas. O mundo em que vivemos é principalmente caracterizado pela informação que dispomos através destes dois últimos sentidos.

Até aqui, à partida não vos dei nenhuma novidade. O que poderá ser novidade é compreender como funciona todo este sistema. Não irei entrar em pormenores, pois muitos deles nem os sei, no entanto, vou tentar dar-vos uma imagem geral.

Nesta primeira parte vou falar-vos da visão.

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Os nossos olhos são receptores de luz de uma dada gama de frequências (ver figura 3). A luz é constituída por partículas chamadas fotões, que transportam uma dada energia, directamente relacionada com a sua frequência. Às vezes as pessoas pensam incorrectamente que a palavra “frequência” pode ter vários significados, por exemplo: “a frequência do rádio” e “a frequência com que há acidentes na A1”. Na verdade o significado é o mesmo, sendo também transversal à luz. A frequência de um evento é definida como a razão entre o número de vezes que esse evento ocorre, sobre o tempo despendido para ocorrer esse número de vezes. Ora, no caso dos acidentes é trivial: a frequência será igual ao número de acidentes ocorridos a dividir pelo tempo em que se mediu esse número de acidentes. No caso do rádio e da luz (na verdade são a mesma coisa, pois são ambas radiações electromagnéticas, simplesmente com frequências bem distintas – figura 3), convém saber que podem ser representadas por ondas (não se trata apenas de uma convenção, pois efeitos puramente ondulatórios, como interferência, são passíveis de ser observados em rádio e luz – ver figura 4), sendo assim, a noção de frequência significa tão somente quantos ciclos a onda tem por segundo (ver figura 5).

 Figura 3: A luz que vemos é uma pequena parte do espectro electromagnético. Como podem ver, para um “lado” aumenta a frequência, para o outro o “comprimento de onda”. Isto não é mais que a consequência de a frequência a multiplicar por esse comprimento de onda ser igual à velocidade com que se propaga no espaço a radiação, a velocidade da luz (c) – uma constante  (dependente do meio).

Figura 4: Padrão de interferência obtido com um LASER (o que é emitido por um LASER é luz, simplesmente é luz com uma propriedade particular (coerência), o que permite a visualização mais nítida deste fenómeno, ainda que o mesmo seja possível para qualquer tipo de radiação). Podem obter facilmente este resultado se tiverem um pequeno LASER: arranquem um cabelo, metam-se de frente para uma parede, apontem o LASER à parede e por fim metam o cabelo à frente do LASER e vejam a diferença (poderão ter que “jogar” com a distância à parede e do cabelo ao LASER). Este comportamento só pode ser explicado com a noção de onda.

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Figura 5: Nesta figura vêem a representação de comprimento de onda e amplitude. De modo semelhante ao comprimento de onda, como a onda se propaga ao longo do tempo, define-se o período. Assim a frequência é o inverso do período. Para luz “normal” (não polarizada), a sua forma de onda não será tão simples como a da figura – terá o tipo de forma representado, mas através de múltiplos planos com ângulos diversos em relação ao representado.

Os fotões quando encontram matéria podem realizar três caminhos: ou atravessam o material (sofrendo, normalmente, um pequeno desvio na direcção – refracção), sendo por isso o material transparente – exemplo da água, em que o fenómeno da refracção é notório, por exemplo, quando entram numa piscina: se olharem para os vossos pés, estes parecem estar no sítio errado. Os fotões também podem ser absorvidos pelo material, aumentando a energia deste (aquecendo-o: uma camisola preta, por exemplo, como sabem, é mais quente que uma branca, porque absorve os fotões – note-se aqui o pormenor que às vezes passa despercebido: a camisola é preta, porque absorve fotões, e não o contrário, isto é, não se troque a causa com a consequência – a camisola parece-nos preta porque ao absorver luz, não há luz a chegar-nos aos olhos vindas do objecto, sendo a ausência de luz interpretada como “negro” para o nosso cérebro – a percepção de cor é algo puramente psíquico, ainda que esteja associada à absorção, ou não, de luz, sendo isso sim, algo característico do material observado). E por último, o que nos permite ver os objectos, a luz pode também ser reflectida, isto é, “embate” no objecto e volta para “trás” – será esta a luz que nós iremos ver (notar que no caso dos materiais transparentes, essa propriedade só se tornará evidente se a luz ao atravessar esse material encontrar de seguida um outro que reflicta, havendo assim luz que passe duas vezes pelo material transparente, se este se encontrar no nosso “raio” de visão; mas, naturalmente, há sempre luz a chegar-nos aos olhos vinda de todas as direcções…).

Figura 6: Refracção da luz na água.

A luz que é reflectida pelos objectos que nos rodeiam é então colectada nos nossos olhos. Como o nosso cérebro só processa sinais eléctricos, é necessário que os olhos façam a transmutação da luz em electricidade. Para isso existem dois tipos de células centrais no processo: os bastonetes e os cones (localizadas na retina, que faz a ligação entre o olho e o nervo que conduzirá a informação ao cérebro). Os bastonetes captam a intensidade da luz (distinção entre claro e escuro), e os cones interpretam a frequência da luz (distinção das cores). Notar que isto é assim para os humanos. Nem todos os animais possuem estes dois tipos de células (digo tipos, porque noutros animais tem outros nomes, devido a diferenças estruturais), sendo que podem ter outras células capazes de percepcionar em diferentes regiões de intensidade, ou de gamas de frequência (embora não muito distantes da nossa). Uma conclusão simples que podem tirar é que um animal que não tenha um ponto preto em cada olho (como nós temos), não pode ver “todas” as “nossas” cores, pois só a existência desse ponto é que nos indica que o olho está a absorver toda a gama de frequências da luz à qual nós chamamos de “visível”.

A título de curiosidade acrescento que no olho humano existe um ponto cego (um ponto onde não existem células das mencionadas acima), que corresponde ao local de onde “parte” o nervo óptico para o cérebro. Se não acreditam, sigam as instruções da figura 7.

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Figura 7: A presente imagem serve para provar que têm um ponto cego no vosso olho esquerdo. Fechem o olho direito, e coloquem-se a entre 20 a 40 cm da imagem e foquem o olho esquerdo na cruz do lado direito. Ao variarem a distância à imagem, irão encontrar a distância à qual o ponto negro do lado esquerdo irá desaparecer (ou, na imagem de baixo, a linha parecerá estar completa). Obviamente, se tiverem ambos os olhos abertos, não podem notar o ponto cego, pois a luz que vem de um ponto A e que encontra o ponto cego de um olho, não encontra em simultâneo o ponto cego do outro olho.

Figura 8: “É alguém na outra cidade a dizer que a luz está demasiado brilhante!” – “Os olhos humanos são tão sensíveis que, em circunstâncias ideais, podem ver luz proveniente de uma só vela a 16 milhas (cerca de 25km) de distância.” (As condições ideais, claro, passam por uma total ausência de outras fontes de luz, bem como, naturalmente, “obstáculos” no caminho.)

5 comentários

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  1. Então num vidro (uma vez que este é transparente) os fotões também são refratados? Então porque não se vê distorção nas imagens?

    Já agora, aproveito para dizer que este blog é fantástico e que tenho aprendido muito, mas cada vez surgem mais dúvidas!!!
    E deve ser por isso mesmo que a ciência é tão cativante… não há monotonia… há sempre muitas perguntas e para estas, algumas respostas e com as respostas ainda mais perguntas…

    abraço

    1. Aaahh fez-se luz!!!

      Será que no vidro, por ser mais fino, não há desvio na direção dos fotões, logo não há distorção, será isso?

      Desculpem a ignorância.

      1. Olá Nídia,

        Não é bem por isso. Acontece que nesse caso a luz “entra” e “sai” do vidro, e em cada caso existe uma refracção, em que o efeito de uma é o oposto do da outra, “anulando” a “distorção”.

        Talvez a seguinte imagem seja elucidativa:
        http://www.gcsescience.com/Light-Refraction-Glass.gif

        Abraço,
        Marinho

  2. Muito bom o texto, sempre discuto esse tipo de assunto aqui em casa com minha esposa sobre como somos apenas um processador de informações e como definimos o que é realidade.
    Tenho saudades das minhas aulas de física na graduação.

    1. Obrigado. 🙂

  1. […] – Medicina. Origem e Evolução dos Vírus. Gripe. Sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tacto, […]

  2. […] “locais” à frequência do sinal (ou seja, ao período entre “picos”, ver o post O Mundo que Sentimos I), enquanto que no segundo caso a amplitude do sinal não é […]

  3. […] sobre os sentidos que dispomos para adquirir informação do mundo exterior. Primeiro falei-vos da visão, em seguida da audição e, por fim, do olfacto, paladar e tacto. Todos estes sentidos […]

  4. […] Na primeira parte falei-vos da visão, enquanto que na segunda abordei a audição. Nesta terceira e última parte irei explanar o olfacto, o paladar e o tacto. […]

  5. […] Na primeira parte falei-vos da visão. Nesta segunda parte irei falar da audição. […]

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