Os planetas não se medem aos palmos

Concepção artística da superfície de Plutão | L. Calçada/M. Kornmesser

Concepção artística da superfície de Plutão | L. Calçada/M. Kornmesser

Tenho com Plutão uma relação sentimental – uma paixão plutónica, se quiserem. Quando era puto e fazia de conta que a minha cama era uma nave espacial para escapar às insónias, era sempre em direção a Plutão que me dirigia.

Plutão: o mais enigmático e misterioso, um planeta quase invisível aos telescópios e portanto o mais suscetível de ser explorado pela imaginação.

Infelizmente, o ex-planeta está muito distante e eu adormecia sempre antes de lá chegar – uma falha que os membros da equipa da sonda New Horizons que vai explorar Plutão em julho de 2015 lamentariam profundamente, caso a conhecessem.

A única história em quadradinhos da Disney que me lembro de ter lido foi aquela em que o Pateta faz uma viagem a Plutão com o seu cão Pluto. O cão recebeu o nome por sugestão da mulher de Walt Disney, influenciada pela descoberta do nono planeta pelo astrónomo Clyde Tombaugh a 18 de fevereiro de 1930. Não se pode destruir assim uma referência da nossa infância. Cambada de insensíveis.

Pateta e o cão descobriram que o ex-planeta era habitado por um povo de plutos de inteligência superior mas em tudo o resto semelhantes ao velho companheiro de quatro patas. Que pensariam eles da infame despromoção imposta pelos chicos-espertos da União Astronómica Internacional?

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Admito: fui daqueles que se chocou por Plutão ter sido reclassificado como um planeta-anão. Não me tirou o sono, mas perturbou-me. Essas coisas não se fazem aos planetas. 76 anos de árduo e fiel serviço à causa do sistema solar de nove planetas e, no fim, a única recompensa que recebe é uma despromoção? É uma crueldade de dimensões planetárias.

A designação é ofensiva até para os anões de carne e osso, porque essa reclassificação associa a sua condição física a uma perda de estatuto – os planetas, tal como os homens, não se medem aos palmos, senhores astrónomos!

Enfim, foi só asneirar.

NMSU/Darren Phillips

NMSU/Darren Phillips

Comprendo naturalmente o protesto das pessoas que acompanharam Al Tombaugh, filho do astrónomo que descobriu Plutão, numa pacífica e patusca manifestação ocorrida a 3 de setembro de 2006 na Universidade do Novo México (onde Clyde era professor). Caramba, retirar o estatuto de planeta a Plutão é como dizer que o rio Tejo é um mero afluente por existir o Amazonas.

Enfim, foi só asneirar.

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Estes astrónomos têm a mania

Os três critérios para se determinar o que deve ser ou não classificado como um planeta foram implacavelmente decididos e, ao que parece, Plutão não preenchia todos os requisitos.

Vá lá, ninguém colocou em causa que Plutão era um objeto esférico a orbitar o Sol, satisfazendo desde logo os dois primeiros critérios da lista, mas o que lixou o anão anteriormente conhecido por planeta foi a falta de glamour gravitacional.

É verdade: os elitistas da União Astronómica Internacional acham que um planeta só é planeta caso se estabeleça como uma presença gravitacional dominante no seu espaço de ação e tiver capacidade de limpar a vizinhança. A massa de Plutão é apenas 0.07 vezes maior do que a dos objetos que o orbitam – cinco satélites, até ver –, enquanto a Terra, por exemplo, tem 81 vezes mais massa que a Lua.

Gostava de saber o que têm os astrónomos contra planetas com bom feitio e defensores do espírito de boa vizinhança. Orbita e deixa orbitar, é o meu lema – e o de Plutão também. Nem todos têm de ser como Júpiter ou Saturno. Se imaginarmos o sistema solar como um sofá de nove lugares, Plutão é o desgraçado que teve de se levantar para dar lugar aos outros brutamontes que ocupam mais do que um. O lingrinhas do Mercúrio pelos vistos não conta, senta-se ao colo do Sol.

E não me venham com a conversa de «limpar a vizinhança». A Terra já acumulou tanto lixo espacial fabricado pelos seres humanos que um dia destes, à luz deste critério e sem capacidade para fazer a limpeza, também terá de ser desconsiderada como um planeta. E era bem feito.

Agora até já se embirra com Plutão por ter uma órbita demasiado excêntrica, ou seja, há determinados períodos em que a órbita excessivamente elíptica do ex-planeta o faz estar mais próximo do Sol do que o próprio Neptuno. E eu gostava de saber o que esta gente tem contra os espíritos livres, que se libertam do papel que lhes está predestinado e vagueiam pelo espaço, redescobrindo o seu destino e gozando as delícias da exploração. Os astrónomos têm inveja de Plutão, não encontro outra explicação.

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Felizmente que temos a New Horizons para compensar todos estes desgostos. Finalmente, uma sonda conseguirá fazer o que durante tantas noites a minha cama voadora não conseguiu: chegar a Plutão sem que o piloto adormeça e contar afinal como é aquilo naquelas paragens, se é gelado ou estupidamente gelado.

Espero que os plutos que o habitam formem uma comissão de boas-vindas e lhes transmitam umas quantas verdades sobre essa mania de desconsiderar inocentes objetos rochosos que souberam ultrapassar os complexos de asteroide e já não desejam destruir nada. Não basta a desconsideração que temos tido pelo nosso precioso objeto, o único onde inúmeras gerações humanas puderam assentar o rabo? Plutão a presidente honorário do sistema solar, já!

6 comentários

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  1. Se a Terra estivesse no lugar de Plutão ela conseguiria limpar sua órbita?

    Se uma lua (habitada) do tamanho da Terra em órbita de um planeta como Júpiter, qual seria sua classificação?

    Ajuda eu ae!!! Kkkkk 🙂

    Abraços!

    1. Nós seríamos apenas uma grande Lua de Jupter,

      E provavelmente não limparíamos a região, se estivéssemos na órbita de Jupter.

      Creio que estejamos em vias de largar de mão dessa mania de classificar, já não da mais, ou não dará num futuro próximo, devido a quantidade de informação..

      Por isso que bolei a Classificação Unificada dos Astros,que se adapta perfeitamente a uma conhecimento do universo bem mais vasto doq oq que tínhamos no sec XX por exemplo.

      Esta classificação engloba todos os astros, desde os menores meteoritos aos maiores aglomerados de galáxias.
      Por enquanto ela numa só palavra da informação sobre a Massa e Volume do astro.

      Pretendo em breve colocar uma silaba a mais para indicar a temperatura média.
      Para isto pretendo ter a informação de qual seria a temperatura de uma SuperNova, que consideraria como máximo desta escala.

  2. Eu já não creio que seja se levar em conta se Plutão é planeta ou não. Pra mim todos deveriam ser considerados Astros apenas, e ter suas características.

    Por isso que bolei a Classificação Unificada do Universo.
    Onde cada um tem uma palavra que indica suas características.

    Por exemplo a Terra é “MeHe”
    e Plutão é “KiGi”

    Nestas duas silabas indica a massa e o volume do astro.
    Falta criar uma terceira sílaba que é a temperatura.

    Tenho muita curiosidade sobre Plutão.
    O fato de ser um planeta duplo, pelo menos o que tem mais essa característica no nosso sistema solar.
    E em segundo lugar é o sistema Terra-Lua.

    Talvez Plutão tenha um oceano interior.
    Saber como funciona seu clima, que muda a cor do planeta.

  3. Eu estava a dormir, mas do ponto de vista de um Pluto, a Terra sempre teve a mania das grandezas 😉
    Lamento ter ofendido os cientistas (e os poetas).
    E obrigado por me ter acordado, José Simões. Já está corrigido.

    • José Simões on 16/03/2014 at 22:31
    • Responder

    Eu li “enquanto a da Terra, por exemplo, tem 1.7 milhões de vezes mais massa que a Lua”.

    Andam a dormir? Na verdade

    A Terra tem cerca de 100 vezes mais massa que a Lua,

  4. Eu sou um dos que não só concordo veemente com a re-classificação que Plutão sofreu, como a critico por ter pecado por tardia. Devia ter sido feita algumas décadas antes 😛

    Mas adorei este teu texto 😀 Ri-me em várias partes 🙂

  1. […] Úrano, Neptuno, os planetoides e asteroides que delimitam as fronteiras do Sistema Solar, incluindo Plutão; a Via Láctea, a galáxia vizinha Andrómeda, o Grupo Local de galáxias e por aí fora, em […]

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