Um Milhão de Segundos para a Galáxia do Torvelinho

O Observatório Espacial Chandra, que nos permite observar o Universo em raios-X, combinou imagens num total de quase 1 milhão de segundos (~ 278 horas) de tempo de exposição para produzir a imagem que se segue da Galáxia do Torvelinho, um dos objectos mais famosos do catálogo de Charles Messier. Na realidade, M51, como é designado no dito catálogo, é composto por 2 galáxias: a espiral NGC 5194 e a sua companheira amorfa NGC5195. As duas galáxias estão a interagir gravitacionalmente e este é provavelmente o motivo pelo qual a NGC 5194 tem uns braços espirais tão bem desenhados e com intensa formação de novas estrelas. O par de galáxias situa-se a cerca de 30 milhões de anos-luz na direcção da constelação dos Cães de Caça.

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(Crédito: X-ray: NASA/CXC/Wesleyan Univ./R.Kilgard, et al)

A imagem mostra que os raios-X são provenientes de dois tipos de fontes distintas. O brilho difuso em raios-X é proveniente de gás aquecido a temperaturas de milhões de Kelvin por ondas de choque de supernovas que ocorreram no passado. As ondas de choque continuam a propagar-se pelo meio interestelar durante milhares de anos e transferem parte da sua energia para o gás e poeira aí existentes. As fontes pontuais, mais luminosas, são maioritariamente sistemas binários de raios-X (X-Ray Binary – XRB). Os XRBs são formados por um objecto compacto, uma estrela de neutrões ou um buraco negro, e uma estrela normal que pode ser pouco maciça (e nesse caso temos um LMXB – Low Mass X-ray Binary) ou muito maciça (caso em que temos um HMXB – High Mass X-ray Binary). Em ambos os casos, plasma da estrela companheira cai no intenso campo gravitacional da estrela de neutrões ou buraco negro e forma um disco de acreção. O plasma é aquecido a temperaturas de milhões de Kelvin no disco da acreção devido à aceleração e fricção a que é submetido, brilhando por isso intensamente em raios-X. Os LMXBs e HMLXs diferem na forma como se dá a transferência de plasma da estrela companheira para o objecto compacto, resultando daí diferenças importantes em termos observacionais. Na imagem do Chandra é possível identificar cerca de 500 fontes pontuais das quais aproximadamente 400 pertencem às galáxias que formam M51. As restantes são objectos mais próximos ou mais distantes que se encontram na nossa linha de visão. Observações anteriores com o Chandra tinham identificado apenas 100 fontes pontuais de raios-X associadas a M51.

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Uma vez que as imagens agora combinadas foram obtidas ao longo de vários anos, os astrónomos puderam estudar a variabilidade temporal da luminosidade das fontes pontuais. As observações sugerem que pelo menos 10 XRBs na M51 são suficientemente luminosos para conter um buraco negro. Destas, 8 devem ser HMXBs, em que as estrelas companheiras são estrelas muito maciças e luminosas. O facto destas fontes terem mantido uma luminosidade muito estável ao longo do período de 10 anos em que foram obtidas as imagens mostra que as respectivas estrelas companheiras têm ventos estelares intensos e estáveis que mantêm os buracos negros continuamente “alimentados”.

A figura seguinte mostra uma sobreposição da imagem do Chandra (púrpura) com uma imagem no visível (RGB) obtida pelo Telescópio Espacial Hubble. A coincidência da maior parte das fontes pontuais de raios-X com os braços espirais de NGC 5194 é notória e natural: os XRBs formam-se em sistemas binários em que uma das estrelas explode como uma supernova. As supernovas são a fase final da vida de estrelas maciças que nascem e vivem toda a sua curta existência nos braços espirais da galáxia. É assim natural que os XRBs ocorram com mais frequência nos braços espirais de galáxias, em especial em regiões em que a formação de estrelas é vigorosa.

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(Crédito: X-ray: NASA/CXC/Wesleyan Univ./R.Kilgard, et al; Optical: NASA/STScI)

As imagens deste artigo foram apresentadas no 224º Encontro da Sociedade Astronómica Americana, a ter lugar estas semana em Boston. Podem ver mais informação aqui.

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