Guerra dos Mundos é um dos melhores contos de ficção científica.
H.G. Wells publicou esta história com a primeira grande guerra interplanetária em 1898.
Por esta altura, os cientistas pensavam que Marte poderia ter vida.
Schiaparelli e Lowell promoveram a ideia de que as linhas que se observavam na superfície marciana eram canais que traziam água dos polos para as latitudes equatoriais. Lowell imaginou que esses canais eram aquedutos, feitos extraordinários de engenharia produzidos certamente por uma civilização avançada.
Afinal, na Terra, vivíamos na era dos canais – por exemplo, o Canal do Suez e o Canal do Panamá. Se nós éramos tão avançados e criávamos canais, então “obviamente” os marcianos também o faziam e com muito melhores resultados.
Este geocentrismo psicológico, este antropocentrismo, continua nos nossos dias…
Wells aproveitou-se desta histeria marciana para escrever uma história que ficaria para sempre nos anais da ficção científica.
Se os Marcianos construíam incríveis canais, é porque eram bastante avançados. Daí até conseguirem viajar para a Terra, era um “saltinho”.
Wells imaginou que os avançados marcianos iriam invadir a Terra.
Os marcianos usavam a sua superior tecnologia para conquistar as civilizações inferiores. Com tripods (máquinas de tripés metálicos), raios da morte que vaporizam quem está próximo e máquinas de fumo negro que mata quem respira (guerra biológica), os Humanos não têm forma de fazer frente a este invasor.
Os Humanos são somente alimento dos marcianos. Na verdade, os marcianos absorvem o sangue humano. Enquanto isso, os Marcianos roubam a nossa água, que tanto precisam no seu planeta.
Mas aquilo que os Humanos não conseguiram combater, o mais ínfimo dos seres terrestres – uma bactéria – conseguiu derrotar. Devido a milhares de milhões de anos de evolução, o Homem convivia bem com essa bactéria. No entanto, os Marcianos não estavam imunes às bactérias terrestres e acabaram por sucumbir.
A guerra contra os marcianos não foi ganha numa batalha militar dos humanos, mas sim pela contaminação de um ser minúsculo – uma bactéria.
O conto explora os nossos medos, neste caso o medo de invasão por seres tecnologicamente superiores. É uma luta entre civilizações, onde a tecnologia é utilizada para promover o imperialismo. Os marcianos são vistos como máquinas, sem sentimentos.
O conto, como todos os contos de ficção científica, é uma metáfora, uma crítica à Humanidade.
Neste caso, a crítica era ao imperialismo da “Europa civilizada”, mais precisamente à Grã-Bretanha, que utilizava a sua superioridade tecnológica (máquinas) para subjugar as suas colónias num imperialismo impiedoso. Se fosse hoje, a crítica seria certamente ao poderio militar dos EUA. Wells critica igualmente a forma como a Humanidade trata os outros seres terrestres, exterminando as espécies. As histórias nunca são sobre extraterrestres, mas sim, sempre, sobre nós.
Nas palavras de Wells: “And before we judge them (the aliens) too harshly, we must remember what ruthless and utter destruction our own species has wrought, not only upon animals, such as the vanished bison and the dodo, but upon its own inferior races. The Tasmanians, in spite of their human likeness, were entirely swept out of existence in a war of extermination waged by European immigrants, in the space of fifty years. Are we such apostles of mercy as to complain if the Martians warred in the same spirit?”
No final, o vencedor é surpreendente: uma bactéria, que não tem uma supremacia militar, tecnológica ou sequer de tamanho e inteligência. O ser supostamente mais “insignificante” na Terra é que ganha a guerra.
Wells ensina Evolução: nós estamos adaptados às bactérias, os Marcianos não estão.
Este espetacular ensinamento sobre a Evolução infelizmente não teve seguimento na ficção científica, sobretudo na televisiva. Em Star Trek, por exemplo, todas as semanas vemos humanos a viajar para diferentes planetas, não tendo quaisquer problemas com o ecossistema nativo dos planetas que visitam. Na realidade, seria Wells a ter razão.
Wells também nos dá outra lição: deixem-se de antropocentrismo, de geocentrismo psicológico, de racismo exobiológico. O Homem não é a criatura mais avançada no Universo.
A 30 de Outubro de 1938 (noite de Halloween), Orson Welles aproveitou a fabulosa novela de Wells para fazer uma emissão radiofónica.
A emissão de rádio teve um enorme sucesso, provocando o pânico a mais de um milhão de pessoas. Muitos americanos interpretaram a invasão marciana como se se tratasse de um invasão Nazi. As semelhanças eram notórias.
A dramatização na rádio resultou em pleno, e Orson Welles tornou-se um nome que não mais foi esquecido.
O medo é bastante apelativo e as pessoas aderem a ele.
Naquela altura, as pessoas acreditavam no que lhes era dito na rádio. O programa de Wells tornou-se “viral”.
Hoje, o mediatismo de certas mentiras divulgadas na internet têm o mesmo efeito.
Passou-se quase um século, mas nada aprendemos…
Em 1953, a história foi passada para o cinema.
“O filme trouxe muito pânico a grandes cidades como Berlim, Nova York, São Paulo, Paris e Londres, prevendo-se o apocalipse com invasões de alienígenas.”
O filme foi um sucesso absoluto, e este filme será, quiçá, a melhor adaptação do livro.
Existiram diversas adaptações desta história de Wells sobre uma invasão marciana.
Apesar de porventura ser o filme mais conhecido, e ter sido um enorme sucesso de bilheteira, não gostei nada do filme de 2005, realizado por Steven Spielberg, tendo como ator principal Tom Cruise.
O filme dá relevo à ação e à personagem de Tom Cruise, e perde-se tudo o resto.
O filme pode-se resumir como sendo de um pai irresponsável que se torna responsável pelos seus dois filhos adolescentes.
Toda a discussão filosófica do livro de Wells, toda a crítica social fomentada pelo conto de Wells, perde-se no caos e na ação sem nexo promovida pelo filme.
Não faz qualquer sentido que seres tecnologicamente superiores enterrem máquinas durante milhares ou milhões de anos no solo terrestre para depois as ligarem quando existem humanos na Terra.
Seres que já eram tecnologicamente superiores, que até já conseguiam viajar entre planetas muito tempo antes de sequer existirem humanos, “preferiram” ligar essas máquinas só quando puderam fazer lutas quase corpo-a-corpo com seres nesse planeta. É uma imbecilidade de premissa no filme.
Além disso, assume-se que os Humanos evoluíram tanto durante milhões de anos, mas os marcianos não. É outra imbecilidade na premissa do filme.
Do filme, salva-se a sonda em forma de cobra, que me fez lembrar o filme O Abismo.
E, claro, salvam-se as máquinas com tentáculos, como se fossem polvos avançados e tecnológicos, imaginados por Wells.
Gostei também da atuação da Dakota Fanning, na altura uma menina de 10 anos.
Mas, para mim, o ponto alto do filme é a narração de Morgan Freeman.
Atentem nas suas palavras introdutórias:
“Ninguém acreditaria nos primeiros anos do século XXI, que o nosso mundo estivesse a ser observado por inteligências bem superiores à nossa, e que enquanto a humanidade andava preocupada com os seus vários problemas, eles observassem e estudassem… tal como o Homem analisa ao microscópio criaturas que crescem e se multiplicam numa gota de água.
Com infinita complacência, a humanidade continuou a prosperar no planeta, confiantes no império humano neste mundo.
Contudo, no espaço longínquo, intelectos complexos, impassíveis e impiedosos… observavam o nosso planeta com olhos invejosos. Assim, devagar e com determinação construíram os seus planos contra nós.”
1 comentário
2 pings
De ontem para hoje tive um pesadelo… talvez induzido (em parte) pelo visionamento das imagens recentes dos naufrágios no mediterrâneo e o destino dos refugiados…
A crueldade “desumana” que leva inúmeras pessoas a tentarem fugir de zonas de guerra para “outras paragens” leva-me a pensar na desumanização crescente da nossa “civilização”… que frequentemente age com uma “frieza distante” que lembra a dos marcianos nestes filmes, livros e obras musicais…
No meu sonho, eu vejo um ferry-boat muito parecido com o que aparece e filme de 2005 e vejo um navio de guerra que tenta salvar os refugiados e que acaba no fundo do mar exactamente como o couraçado Thunder Child duma obra musical.
Ver: http://en.wikipedia.org/wiki/HMS_Thunder_Child
HMS Thunder Child is commonly omitted from adaptations or replaced with technology more appropriate to the updated setting.
In Orson Welles’s famous 1938 radio adaptation of The War of the Worlds, a Boeing B-17 Flying Fortress heavy bomber replaces the Thunder Child; it collides with a fighting-machine after being critically damaged by its Heat-Ray.
In the George Pal 1953 film the last-ditch defense against the Martians is an atomic bomb, which proves useless because of each fighting-machine’s protective force fields.
In Steven Spielberg’s 2005 film adaptation, War of the Worlds, contemporary American military forces use tanks and helicopters against the alien Tripods, again without success. Earlier in the film, civilian transport ships trying to escape from the Tripods are trapped and easily sunk, with no intervention by a military warship.
Jeff Wayne’s Musical Version of The War of the Worlds:
http://en.wikipedia.org/wiki/Jeff_Wayne%27s_Musical_Version_of_The_War_of_the_Worlds
THUNDER CHILD Lyric
The War of the Worlds Soundtrack – Musical, 1990
A letra desta canção impressiona-me sempre que a ouço…
PEOPLE:
There were ships of shapes and sizes
Scattered out along the bay
And I thought I heard her calling
As the steamer pulled away
The Invaders must have seen them
As across the coast they filed
Standing firm between them
There lay Thunder Child
Moving swiftly through the waters
Cannons blazing as she came
Brought a mighty metal War-Lord
Crashing down in sheets of flame
Sensing victory was nearing
Thinking fortune must have smiled
People started cheering
‘Come on Thunder Child’
‘Come on Thunder Child’
JOURNALIST:
The Martians released their Black Smoke, but the ship sped on, cutting
down one of the tripod figures.
Instantly, the others raised their Heat Rays and melted
the Thunder Child’s valiant heart.
PEOPLE:
Lashing ropes and smashing timbers
Flashing Heat Rays pierced the deck
Dashing hopes for our deliverance
As we watched the sinking wreck
With the smoke of battle clearing
Over graves in waves defiled
Slowly disappearing
Farewell Thunder Child!
Slowly disappearing
Farewell Thunder Child!
Farewell Thunder Child!
Farewell Thunder Child!
JOURNALIST:
When the smoke cleared, the little steamer had reached the
misty horizon, and Carrie was safe.
But the Thunder Child had vanished forever, taking with her man’s last hope of victory.
The leaden sky was lit by green flashes, cylinder following cylinder, and no one and nothing was left now to fight them.
The Earth belonged to the Martians.
MARTIANS: Ulla!
[…] Gostei das máquinas extraterrestres parecidas com polvos. Apesar de serem muito parecidas com as do filme Guerra dos Mundos. […]
[…] históricos sobre a 1ª Guerra Mundial com a história de ficção científica de H. G. Wells, Guerra dos Mundos. Pelo caminho, aproveitaram-se: da falsa premissa, da palavra alien (que quer dizer estranho, […]