Cosmos – primeiro episódio

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1 – De Pé na Via Láctea (Standing Up in the Milky Way)

A Nave da Imaginação, de Carl Sagan, volta a percorrer o Universo 34 anos depois, desta vez com Neil deGrasse Tyson no comando.

Ao leme da Nave da Imaginação, Tyson vai explorar o passado, presente e futuro do Universo.

A Nave começa no sistema solar, na Terra (passado e futuro), passa pela Lua, Sol, Mercúrio, escaldante Vénus, Marte, asteroides, gigantesco furacão de Júpiter, Saturno, Urano, Neptuno, Plutão, cometas e acaba na Voyager 1, o objeto mais distante feito pelo Homem.
A Nave continua a viajar para fora do sistema solar, mostrando a Via Láctea, Andrómeda, Grupo Local de galáxias, e por aí adiante até ao Super-Aglomerado da Virgem.
O objetivo é mostrar que a Terra é incrivelmente pequena, invisível, no Universo Conhecido/Observável.

Tyson diz que a Humanidade nem sempre soube o quão insignificante era no Universo.
E aproveita isto para ensinar um pouco de história, nomeadamente sobre Giordano Bruno, quando este frade dominicano italiano desafiou o modelo geocêntrico defendido pela Igreja Católica e foi condenado à fogueira pela Inquisição.
Através da famosa pintura que aparece no livro de Camille Flammarion, nós vamos desvendando os mistérios do Universo.

De seguida, Tyson traz à vida o famoso Calendário Cósmico de Carl Sagan.
13.800 milhões de anos concentrados em 12 meses. Cada mês representa mais de mil milhões (bilhão, no Brasil) de anos. Cada dia representa quase 40 milhões de anos. Sendo o Big Bang às 0h00m de dia 1 de Janeiro e o tempo Agora ser a 24h00m de 31 de Dezembro, toda a história humana documentada (escrita) passou-se nos últimos 14 segundos…

O episódio termina com Tyson a contar um episódio de quando ele, Tyson, tinha 17 anos, e Sagan o inspirou a ser um cientista.
E Tyson celebra Sagan recordando as maiores realizações científicas de Carl Sagan (o seu contributo como cientista).

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O episódio tem assim 4 grandes partes, sobre as quais vou dissertar um pouco mais agora.

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A primeira grande parte é o Tour pelo Universo, o passeio espacial, de modo a nos mostrar as escalas espaciais no Universo.
Pessoalmente, penso que a viagem cósmica teria mais impacto com um Powers of Ten.

Além de ficarmos a perceber a nossa morada cósmica, o nosso endereço cósmico, as nossas coordenadas no Universo, o objetivo desta parte é mostrar que a Terra é completamente insignificante no Universo. Não temos qualquer posição especial no Universo. Não há assim qualquer razão para termos extraterrestres sempre a nos visitarem ou deuses muito interessados em nós. Infelizmente, esses mitos continuam, porque as pessoas continuam mentalmente no passado, sem noção da grandeza do Universo.

Pessoalmente, adorei as escalas e a beleza do Universo.
Gostei também de se falar nas Voyager e da inclusão de música do disco das Voyager.
Adorei ter visto o Porto na série.

Detestei a representação da Cintura de Asteroides, da Cintura de Kuiper e da Nuvem de Oort. Apareceram todas demasiado densas, com demasiados objetos muito próximos uns dos outros. Na realidade não são assim. Apesar de Tyson ter dito que a distancia entre objetos na teórica Nuvem de Oort é maior que a distância entre a Terra e Saturno, penso que a maior parte das pessoas nem “ouviu” isso, porque o que fica na memória é a representação… errada.
Detestei o segmento sobre os planetas-órfãos. Diz Tyson que planetas invisíveis à luz visível aparecem de repente quando se vê em infravermelho. O que ele diz está certo. No entanto, a forma como foi apresentado este facto promoveu as parvoíces pseudo daqueles que acreditam sem evidências no chamado Nibiru. Tyson dá a entender, inadvertidamente, que os planetas podem “aparecer de repente” sem os notarmos anteriormente. Isto é mentira, claro, até pelo que Tyson diz (vemos em diferentes comprimentos de onda), mas foi pessimamente comunicado e promove as conspirações idiotas.
Detestei a especulação sobre o Multiverso. A parte de que o nosso Universo Observável é somente uma bolha, num infinito número de bolhas é pura especulação baseada numa interpretação antropocêntrica do Universo.

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A segunda grande parte é sobre história, nomeadamente Giordano Bruno.

Bruno desafiou a crença religiosa de que o Universo é geocêntrico e defendeu a visão infinita do Universo.

É verdade que Tyson quis: realçar a integridade de alguém, Bruno, na defesa das suas ideias, contrárias à ortodoxia da altura; defender a liberdade de pensamento de qualquer tipo, incluindo religiosa; e explicar que as ideias de Bruno foram pura sorte, sem qualquer evidência e baseadas somente nas ideias religiosas dele. Devido a uma posição de fé, Bruno defendia que um Deus infinito teria que ter feito um Universo infinito, para não ficar espacialmente fechado e limitado. Tyson foi claro: isto não é ciência.
No entanto, esta mensagem não passou. Grande parte do que se lê pela internet, incluindo em blogs científicos, é que o episódio deixou a ideia que Bruno foi um mártir da ciência. Bruno não foi um mártir, um herói da ciência. Tyson, inadvertidamente, propagou esse mito. Tyson fomentou ideias erradas sobre Bruno. Foi uma péssima lição de história.

Facto: Giordano Bruno não foi condenado à fogueira pela Inquisição pelas suas ideias científicas, nomeadamente pela sua crença num Universo infinito, pela sua crença em vários mundos, pela sua crença de que o Sol estava no centro do sistema solar, pela sua crença de que a Terra era somente um planeta como os outros a orbitar o Sol, ou pela sua crença que outras estrelas seriam como o Sol com mundos a orbitá-las. Claro que estas ideias não ajudaram o seu caso. Mas não foram elas as responsáveis pela sua condenação. Nem podiam. Porque estas ideias dele tinham por base as suas crenças religiosas. Ele não estava a falar de ciência.

Facto: as 8 acusações contra Bruno foram: crença na pluralidade de mundos; negar a divindade de Jesus; negar a virgindade de Maria; negar a Santíssima Trindade; negar a transubstanciação; praticar magia; acreditar na transmigração da alma; acreditar que animais e objetos possuem alma. Bruno seguia ensinamentos do Hermetismo, uma seita Egípcia. Como se pode ver, Bruno pode ter sido um mártir da liberdade religiosa, mas não da ciência. Bruno foi condenado pelas suas ideias religiosas (como muitos outros foram na altura) e não pelas suas ideias científicas.

Detestei o facto de Bruno ter sido mostrado como um “solitário” nas suas ideias científicas. Essa foi outra conceção errada que não gostei. Foi uma péssima representação do processo da ciência. A ciência é um esforço de grupo, uma colaboração entre várias pessoas que faz com que o conhecimento científico vá acumulando. Nenhum homem é uma “ilha”.
Também errada foi a frase: “Havia apenas um único homem em todo o planeta que imaginava um cosmos infinitamente maior.”
Fico sem saber porque não escolheram um verdadeiro vulto da ciência, como Galileu.
Também não entendi porque decidiram animar esta secção. Ficou demasiado… infantil. E a qualidade da animação está a “anos-luz” do resto dos efeitos especiais no episódio. No entanto, tendo em conta que a animação, por exemplo, de South Park tem ainda menor qualidade, e mesmo assim são bastante populares devido ao seu conteúdo (pessoalmente, eu adoro a série), então não me parece importante esta crítica à animação.

Gostei da forma como os Inquisidores da Igreja foram representados, com uma mentalidade pequena, tacanha, dogmática e geocêntrica.
Adorei quando Bruno os desafia, dizendo que o deus deles é demasiado pequeno. O deus deles é pequeno, porque para eles o Universo é pequenino e centrado na Terra. O Deus de Bruno é muito superior, já que habita um Universo infinito onde a Terra é insignificante.
Adorei a inclusão da pintura divulgada por Flammarion, pelo significado que ela tem.

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A terceira grande parte diz respeito ao Calendário Cósmico.
Esta é uma parte obviamente espetacular.
É uma forma visualmente fabulosa de representar a escala da história do Universo, e mostrar o quão insignificantes os humanos são.

Adorei quer a parte visual quer a parte textual do nascimento das estrelas. Fabuloso.
Adorei o realce dado ao primeiro anfíbio, o Tiktaalik, que sai do mar para se aventurar na terra… como se estivesse a “visitar outro planeta”.
Gostei de Tyson já ter falado em 13,8 mil milhões de anos de idade do Universo (e não 13,7). Mas curioso, em inglês, ele diz “13,8 thousand million years old” e não “13,8 billion years old”.

Não gostei da representação explosiva do Big Bang. Passa a conceção errada que foi uma explosão no espaço.
Percebo que fica muito bem visualmente colocar os óculos escuros… mas na altura do Big Bang, não havia luz (ao contrário do que é dado a entender).
Além disso, Tyson diz textualmente que o Big Bang foi uma “explosão de fogo cósmico”. Isto é totalmente errado.

E, claro, quem já conhece o Calendário Cósmico que nos foi transmitido por Sagan, este é o mesmo calendário e por isso perde relevância.

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A quarta parte é a homenagem de Tyson a Sagan.
É um testemunho inspirador e emocionante.

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No seu conjunto, o episódio é muito bom. Tem, por exemplo, efeitos especiais soberbos.

Se não tivesse incluído a longa e má secção referente a Bruno, poderia ter sido um episódio excelente.

Por outro lado, parece-me que as 4 partes não têm encadeamento entre si. Se tivesse sido feito um episódio inteiro para a viagem espacial, outro episódio inteiro para o calendário cósmico (ou quiçá unir estas 2 partes num episódio sobre escalas espaciais e temporais), e outro episódio inteiro sobre Sagan, as suas contribuições e os testemunhos pessoais, teria sido muito melhor. Da forma como foi feito pareceu-me inconsistente.

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Para lerem análises a todos os episódios, por episódio, cliquem aqui.

Para lerem análises a todos os episódios, num só artigo, cliquem aqui.

5 comentários

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  1. Gostei muito esperos que isso me ajude no meu resumo se nao ajudar odiei

    • Graciete Virgínia Rietsch Monteiro Fernanbdes on 19/08/2014 at 20:41
    • Responder

    Eu vi todos os episódios da série Cosmos e gostei. Mas esta análise do Prof. Carlos Oliveira veio mostrar-me, mais ainda, o pouco que eu sei para ter notado algumas apreciações negativas feitas pelo Professor. Então sobre Giordano Bruno eu tinha uma opinião bastante diferente, embora julgue que o professor de Astronomia na UPP, José Raeiro, cujas aulas eu frequentei, tivesse também feito uma ligeira observação. nesse sentido. Este artigo, por outro lado, destaca o brilhantismo da série que muito me impressionou. Por isso vou continuar a ler as críticas e procurar visionar de novo os diferentes episódios.
    Um abraço, Professor.

  2. Bem, algumas observações (ou “minha chatice em três itens”): 🙂

    1) As renderizações do Cinturão de Asteróides não foram nada realistas. na verdade, se você estiver perto de um asteróide no Cinturão, muito provavelmente vai precisar de um telescópio e um catálogo para conseguir ver outro. A densidade não é sequer próxima daquela apresentada na renderização artística do episódio.

    2) Existem hoje informações muito mais completas sobre cada um dos planetas do Sistma Solar que não foram postas ali e não ocupariam mais que alguns segundos, umas duas ou três frases, que poderiam ter sido retiradas do tempo que se gastou falando mal da religião. 😀

    3) A parte do Giordano Bruno não foi completamente fiel, como vocês mesmos já disseram. Ele se meteu até com a virgindade de Maria e esses “pitacos” místicos foram responsáveis por muito da condenação dele. Não era um cientista, mas um místico com uma visão. Nisso, Tyson reproduziu seu mestre com perfeição: a birra contra as tradições religiosas! 😀

    Chatice à parte, o primeiro episódio foi uma ode à série original e não poderia ter sido diferente. Referências à série, duas falas de Sagan, uma rápida biografia do autor, com direito a uma tarde de neve… tudo isso eu achei excelente! A série atual, não tentando se sobrepor à original, acaba sendo intelectualmente honesta e tendo um brilho próprio, que não teria se tentasse apagar a imagem da anterior e criar algo novo, que não seria novo de fato.

    O ponto negativo é que alguma compressão teve de existir e a apresentação do calendário cósmico perdeu em grandiosidade em relação ao que poderia ter sido apresentado em terms de conhecimento acumulado desde a série original. Soou para mim (que sou também “filho do Sagan” e também quase chorei em algumas partes) como um “xerox” da apresentação original e isso não é a idéia de Cosmos. Tyson não está lá para fazer papel de Sagan, mas para mostrar as fronteiras do conhecimento, como Sagan fez. Nisso pecaram de verdade e não é chatice.

    Ainda não assisti o segundo episódio, mas espero que, a partir dele, a série decole em termos de atualização de conhecimento e grandiosidade das apresentações, que é o que define a marca “Cosmos”.

    Quase só falei mal e, assim, parece que não gostei do que vi. Isso não poderia ser mais falso! A nova Cosmos, como a antiga, tem a propriedade de levr o emocional junto com o racional em uma viagem por aquilo que nós sabemos e mesmo sobre aqulo que nós somos. A música, as metáforas poéticas, as imagens (realistas ou não), as visões “do alto” e (quase que especialmente) o uso que se faz da “nave da imaginação” causam um efeito, principalmente nos mais jovens, que é difícil de descrever em palavras. Se eu adoro tudo o que tem relação com a ciência hoje, em parte devo isso ao efeito “snowy afternoon” que Sagan causava em todos e que Tyson consegue reproduzir muito bem.

    Precisamos de Cosmos para intensificar o gosto pela ciência em uma geração que não viu o homem pisar na Lua e não tem grandes esperanças de ver o homem pisar em Marte, com a falta de uma guerra fria que direcione a uma corrida espacial os gordos recursos necessários a ela.

    Gostei e gostei muito!

    Espero apenas que os demais episódios não sigam a idéia de reproduzir a série original em seu conteúdo (o que duvido muito que vá acontecer, pois Tyson não participaria de algo assim, pelo que sei dele…).

    Outro ponto: Michio Kaku deve estar se mordendo de inveja… ele ADORARIA estar lá, eu tenho certeza! 😀

    • Nuno José Almeida on 19/08/2014 at 10:59
    • Responder

    Muito boa análise e como simples interessado ao contrário de especialista, tenho quase as mesmas críticas, achei a parte de Bruno demasiado longa e pouco relevante.

    Quanto à cintura fiquei com a ideia certa na cabeça da grande distância entre objectos. Não reparei na escala mil milhões e vais-me obrigar ir procurar isso, é que ainda por cima estou a ver a série em inglês e sem legendas e não ter reparado nisso achei estranho. Com legendas em português provavelmente teria reparado porque processamos as duas línguas ao mesmo tempo.

    No geral e tendo em conta que só vi ainda 3, achei este episódio um bocado enfadonho e fiquei desiludido! Melhorou nos seguintes sendo que vou ter de guardar os teus comentários para depois senão perde a piada.

  3. https://www.facebook.com/astropt/photos/a.518070441537586.127548.518068711537759/849283861749574/

    O 1º episódio de Cosmos – De Pé na Via Láctea (Standing Up in the Milky Way) – foi muito bom.

    Ele divide-se em 4 partes.

    A primeira parte, o Tour pelo Universo, foi excelente visualmente. No entanto, transmitiu algumas conceções erradas, sobre Cintura de Asteroides, Cintura de Kuiper, Nuvem de Oort, planetas-órfãos, e Multiverso.

    A segunda parte, sobre Giordano Bruno foi atacada por praticamente toda a gente que entende de história da ciência. Foi uma péssima secção.

    A terceira parte, com o Calendário Cósmico de Sagan, é brilhante.

    A quarta parte, com o testemunho de Tyson sobre Sagan, é emocionante e inspiradora.

    Provavelmente, o maior problema do episódio (além da secção sobre Bruno), é a falta de encadeamento entre os temas (um problema que se viu noutros episódios).

  1. […] – De Pé na Via Láctea (Standing Up in the Milky […]

  2. […] Adorei a forma como Tyson deu a volta a certas críticas à ciência. Os cientistas não se sentem diminuídos por não saberem o que é a matéria negra e a energia negra. Pelo contrário. Isso são oportunidades de criar conhecimento, de sermos curiosos, de querermos saber mais. A ciência não se assusta com o desconhecido; a ciência não se sente intimidada pelo desconhecido; a ciência não tem “medo do escuro”. Quem tem medo do “escuro”, de tudo o que é desconhecido são outros: a religião e os pseudos que inventam pseudo-explicações porque têm medo de dizer “não sei” – Tyson diz-lhes mesmo que acreditar nas respostas erradas e fingirem saber tudo, fecha-lhes a porta para a descoberta do que realmente existe. Já a ciência adora o desconhecido, porque é nessa área que o conhecimento está disponível para ser construído. A ciência é precisamente isso: ver para lá da redoma em que nos encontramos, espreitar por entre a cortina (tal como na famosa pintura que aparece no livro de Camille Flammarion, nós vamos desvendando os mistérios do Universo – como foi explicado no 1º episódio). […]

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