A Fórmula de Deus, de José Rodrigues dos Santos:
Em Abril de 2007, o Mário Ramos falou deste livro, considerando que levanta questões interessantes sobre a origem e destino da vida e do Universo.
Na mesma thread, eu dei a opinião que o livro não traz nada de novo em termos de astronomia ou de ciência. É somente um romance que se “aproveita” de alguns conceitos científicos. Na altura disse que o tinha visto por alto, e que me pareceu uma história do género das do Dan Brown, mas um pouco mais enfadonha. Também considerei um erro dar o Princípio Antrópico como uma ideia consensual ou sequer científica, mas que foi apelativo considerar o Big Crunch em relação ao Big Freeze.
No mesmo mês, o Carlos Fiolhais escreveu no seu blog uma crítica a este livro. Leiam aqui.
Resumindo, diz, e muito bem, que o livro fala de Deus, do início do universo, do fim do mundo, de Einstein, da CIA, da relatividade, da quântica, das teorias do tudo, e de astrofísica em geral.
Diz também que “os factos científicos do livro estão essencialmente correctos, conforme o autor avisa logo numa nota introdutória”. Não concordo. O autor do livro diz realmente que os dados científicos são verdadeiros e que as teorias científicas são defendidas por cientistas, mas não concordo com esse facto. Eu também posso escrever um livro com teorias científicas disparatadas e arranjar um ou outro cientista que defenda isso, mas isso não quer dizer os factos científicos sejam correctos, como direi mais abaixo.
O Carlos Fiolhais foi o revisor científico deste romance, o que se por um lado é excelente – o José Rodrigues dos Santos fez o correcto em aproveitar os conhecimentos do Carlos Fiolhais de modo a melhorar a qualidade científica da sua história -, por outro lado faz com que em termos de crítica há a limitação natural de, mesmo inconscientemente, se tender para dizer bem de algo que também teve o nosso contributo.
Em Dezembro de 2007, já o Elísio Sousa se tinha pronunciado sobre este livro, considerando-o uma desgraça.
Já o site da Crítica Literária tem várias críticas de diferentes leitores sobre este mesmo livro. Leiam aqui.
Descrição da editora Gradiva:
“Um inesperado encontro lança Tomás na rota da crise nuclear com o Irão e da mais importante descoberta de Albert Einstein, um achado que penetra no maior mistério da História: a prova científica da existência de Deus. Uma história de amor, uma intriga de traição, perseguição implacável, busca espiritual. Uma empolgante viagem às origens do tempo, à essência do universo e ao sentido da vida.”
Quando diz que a obra é baseada nas “últimas e mais avançadas descobertas científicas” é que mete bastante água!
No máximo, é baseada em algumas interpretações de certas especulações científicas.
Leiam também a descrição que a Wikipedia faz do livro.
Agora que já li o livro, cá fica a minha opinião:
Não é um livro de divulgação científica, mas sim um romance, em género de policial, estilo Dan Brown, em que o autor toma, naturalmente, algumas liberdades e que não correspondem ao que de facto é verdade.
Terá coincidências felizes com o livro “The Last Question” do Isaac Asimov.
Gosto bastante do livro, lê-se bastante bem.
Na história, é bastante interessante o paralelismo entre a ciência e a religião, entre os recentes avanços científicos e as crenças das civilizações orientais.
Gosto também da forma simples como ele explica alguns conceitos científicos complexos.
Adoro a forma como ele discute Deus. Quando ele escreve sobre a temática Deus, sobretudo do Deus da Bíblia, penso que tem as ideias certas; pelo menos, tem as mais parecidas com a minha opinião.
Gostei que ele tivesse optado pelo Big Crunch, por fomentar as ideias cíclicas do Universo, e por ter ligado essas ideias às noções orientais sobre a vida e o universo.
Gostei da forma holística como ele abarcou vários conceitos científicos, por exemplo quando ele relaciona religião, misticismos, relatividade, quântica, e teorias do tudo.
Considero bastante apelativa a ideia (não original) que Deus é uma civilização extraterrestre que orienta o Universo, incluindo o seu Big Bang, de modo à química desse novo universo tender para criar mais facilmente vida (inteligente).
Não gostei que ele tivesse repetido várias vezes a mesma coisa. Por vezes a explicação de um conceito era dado por pessoas diferentes, sem qualquer necessidade, já que a explicação era a mesma.
Não gostei de algumas interpretações de conceitos científicos, que denotam concepções erradas sobre os mesmos, ou então alguma confusão. Por exemplo, quando ele fala da sincronização entre a rotação da Lua e a sua órbita (vemos sempre a mesma face da Lua), dá a entender que é uma coincidência incrível ela estar sempre assim. Mas não é verdade. Essa “coincidência” não existia no passado. Além de que outras luas grandes têm exatamente a mesma característica, o que retira especialidade à nossa Lua. O que se passa é um processo gravitacional (de marés) bastante comum e sem nada de místico ou especial.
Parece-me haver alguns erros científicos, mas sobretudo existem várias interpretações erradas de dados científicos.
Ele considera a inteligência como algo crucial no Universo, o que é bom para a história, mas todos os dados da Evolução da Vida apontam precisamente para o contrário. Daí que não posso endorsar o romance neste ponto. Penso que o conto deveria ter optado pela hipótese contrária (pela Hipótese da Mediocridade), para se tornar melhor em termos científicos.
Não gosto do ênfase posto nas constantes cosmológicas, o que leva a pensar que somos especiais, o que não faz qualquer sentido. Da mesma forma, aparece o Princípio Antrópico. Só tendo um ego bastante grande e/ou não percebendo a nosso lugar no Universo, se pode pensar que o Universo está feito para nós. As moscas poderiam pensar o mesmo!! E se a gravidade tivesse um valor diferente, que até levasse a vida totalmente diferente (muito diferente mesmo!), então essa vida iria pensar o mesmo (que só com aquele valor de gravidade se poderia ter vida). O grande problema é os defensores destas ideias (tal como o autor do livro) não compreenderem que uma coisa é falar de vida e outra é falar de vida tal como a conhecemos. Eles falam de vida tal como a conhecemos como se fosse tudo o que pudesse existir. É como se Newton dissesse que a Teoria da Gravidade dele nunca poderia ser modificada – e como este não faltam milhentos exemplos ao longo da história da ciência. Ou seja, o Princípio Antrópico (e derivados) é um disparate sem sentido – e, no entanto, neste conto, este princípio é interpretado como se se tratasse de uma certeza científica.
De qualquer modo, no fim de tudo isto, após ler o livro, até gostei de ler o livro, e daí que o recomendo, não só pela história mas também pela parte científica, sobretudo em termos de ideias cosmológicas.
3 comentários
Interessante é pensar que Steven Hawkings, diz que o Big Bang não podeser questionado quanto à sua génese !!! … custa-me a crer num dogma cientifico !!!
MF
( http://www.astron.pt )
Author
Hawking não diz isso…
Sobre a problemática de Hawking e das suas frases bombásticas para efeitos de marketing, já expliquei neste post:
http://www.astropt.org/2010/09/13/hawking-e-deus/
abraços
Xiiiiii 2007!!!! 😀 onde isso já vai 😀
Na altura fui das que ficaram entusiasmadas com este livro. Precisamente pelo conforto que trazia e por parecer tão lógico, apesar de assente na premissa de que o universo teve de ter um arquitecto inteligente e q foi concebido para criar vida e inteligência. Concordemos, é uma visão filosófica muito confortante 😀
Mas agora estava mais a pensar em como uma pessoa muda tanto no espaço de 4 anos… 😀 e como é q de agnóstica se passa a ateia 😀
Ainda ontem estava a pensar nisso, no facto de me ter tornado tão céptica no último ano. Pensei precisamente no Fórmula de Deus e em como na altura me entusiasmou e como hoje o encaro de forma totalmente diferente 😀 E hoje (4 anos depois, quero eu dizer :D) vcs espetam com algo dentro desta linha 😀 Bruxos!
Continuo, contudo, a manter parte da opinião formulada na altura: não sendo um escritor propriamente dito, o JRSantos é um excelente comunicador e temos de lhe gabar a capacidade de pegar em assuntos fora do seu âmbito de especialização e divulgá-los da forma q lhe pareceu correcta. Continuo a achar que foi uma forma de veicular e divulgar determinados conceitos científicos e que levou muita gente a pesquisar e aprofundar mais o tema. Tem o seu mérito por isso. Por outro lado, apresentou uma forma de se poder conciliar o lado espiritual-religioso com a ciência e pode talvez ter dado a fórmula para que a Religião e a Ciência encontrem um entendimento maior no futuro, sem se excluirem mutuamente.
Quer sejamos ou não ateus, há milhões que são crentes. Para conseguir que assimilem conceitos cientificos básicos e caminhem na direcção da literacia cientifica, precisa-se que se lhes mostre que a ciencia e a religião nao se excluem mutuamente. A grande barreira ao entendimento é mesmo esse: o facto de a ciencia nos fazer questionar as proprias crenças e espiritualidade e operar uma revolução logico-espiritual dentro de nós. E como é mais confortável não deixar q essa revolução ocorra, muitos levantam barreiras e paredes e insistem teimosamente nos seus argumentos pró-crença. De modo que, esta pode ter sido uma forma de aproximar a ciência do público crente e de divulgar ciência.