Penso que é natural que a teoria de Einstein tenha suscitado reservas na época em que foi publicada. Afinal de contas, era uma física completamente nova que estava em jogo.
A teoria começou a chegar a Portugal pela mão de Ramos da Costa e de Melo Simas, o primeiro matemático e o segundo oficial de artilharia a trabalhar no Observatório de Lisboa (OAL).
Ramos da Costa publica, em 1921 e 1923, dois pequenos livros sobre a teoria da relatividade a reter:
1- A Teoria da Relatividade (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1921);
2- Espaço, Matéria, Tempo ou a Trilogia Einsteiniana (Lisboa: Imprensa Lucas e C.a, 1923).
Quanto a Melo Simas promove em Novembro de 1922, um ciclo de palestras na Universidade Livre de Lisboa sobre a nova teoria com grande sucesso.
Por outro lado, também em Lisboa, o catedrático Santos Lucas realiza no mesmo ano, um curso de Física-Matemática completamente dedicado à teoria da Relatividade. Portanto, pouco a pouco a teoria de Einstein é divulgada em Portugal, principalmente entre matemáticos e astrónomos.
No entanto, nem toda a gente adere à nova física einsteiniana.
Um dos resistentes é o Almirante Gago Coutinho, que tinha visto uma palestra de Einstein no Brasil em 1925. Já nessa altura tinha criticado a nova teoria num artigo que escreveu para “O Jornal”. Depois nos anos 30 volta ao ataque depois de um curso que o catedrático Ruy Luís Gomes dá em Lisboa sobre Relatividade Restrita a convite do Núcleo de Matemática Física e Química (NMFQ). Nos números 534, 535, 536 e 537, da revista Seara Nova, Gago Coutinho publica semanalmente, entre 6 e 27 de Novembro de 1937, vários artigos “dedicados aos alunos do Física liceal”, onde ataca a Relatividade. Diz o Almirante no primeiro desses artigos: “Julgava eu, pois, que não teria de voltar a atacá-la (a Relatividade); mas o facto de há meses se ter apresentado em Lisboa um professor universitário a fazer conferências sobre a Relatividade Restrita – como há anos fez o professor Langevin – provou-me que a chamada Mecânica Nova ainda conserva adeptos e que viria a propósito renovar as minhas dúvidas, ou, objecções, a respeito desta Revolução Científica”.
Em resposta o NMFQ publica uma nota na revista em que cita algumas passagens de um livro de Louis de Broglie, («La physique nouvelle et les quanta»), onde é defendida a Relatividade. Faz também vários elogios à forma como Ruy Luís Gomes tinha dado o curso e termina com uma chamada de atenção a Gago Coutinho: “Finalmente este Núcleo considera grave que o Sr. Almirante Gago Coutinho dedique os seus artigos aos alunos de Física liceal. Dirigindo-se a quem tem forçosamente uma cultura reduzida e faculdades críticas pouco desenvolvidas, o Sr. Almirante vai, possivelmente, com o prestígio do seu nome feito em campo e assunto diferentes, criar a falsa opinião de que a teoria da relatividade consiste num amontoado de absurdos, contribuindo assim para desenvolver em jovens estudantes uma mentalidade de desconfiança perante a ciência”.
O reparo tinha obviamente razão de ser, pois Gago Coutinho conhecia superficialmente a Teoria da Relatividade e apenas a Relatividade Restrita. Portanto, falava de um tema que não dominava bem baseado apenas em preconceitos.
Honra seja feita, que depois deste reparo, o próprio Gago Coutinho muda de tom e sugere mesmo à revista que publique vários artigos de Ruy Luís Gomes, para que teoria de Einstein seja mais conhecida.
Mas o episódio mostra bem que o Almirante tinha falado sem conhecer a fundo o assunto. Digamos que a resistência de Gago Coutinho não era baseada numa discordância fundamentada, mas sim numa resistência preconceituosa contra a emergência de uma nova física com Einstein.
Não terá sido o único a ter este tipo de resistência, mas é um tipo de atitude pouco científica num homem distinto como ele.
E é natural que olhando agora para trás, talvez seja descontextualizar a situação – aos olhos dos dias de hoje muitos erraram no passado, mas não são realmente erros tendo em conta o que se sabia na altura.
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