A ideia que a maioria dos humanos tem da morte é que “algo acontece”, e o nosso espírito (consciência, alma) é levada para um outro sítio onde passaremos a eternidade de forma incorpórea (apesar de que “vemos” o corpo das pessoas).
Isto acontece porque Deus, todo-poderoso, criou o Universo para nós.
Pessoalmente, vejo esta ideia de Deus criar um universo para nós e a ideia que depois da morte continuaremos a “viver” de outra forma (e onde no Universo?), como ideias um pouco infantis (tipo o Pai Natal entregar presentes a todos os miúdos numa noite), com a única finalidade de dar um pouco de conforto psicológico/espiritual, e fruto de um geocentrismo psicológico existente ainda na raça humana (continuamos a pensar que somos especiais no Universo).
Não me assusta desaparecer para todo o sempre – afinal, eu não existia há 100 anos atrás, nem sequer nos séculos anteriores, e o Universo passou bem sem mim; acho que me assustaria mais viver na fantasia de algo que não é real.
Os Humanos tratam a morte como tratam tudo o que desconhecem: com medo. E o medo, como sempre, leva-os a inventarem estórias para se sentirem mais seguros e confortáveis. Pelo menos, esta é a minha ideia.
Vem isto a propósito do episódio que vi ontem (pela 478ª vez) de Star Trek.
E comecei a pensar noutros episódios que vi sobre o mesmo tema.
No universo Star Trek, Deus é Q, mas mesmo ele não se mete nos assuntos da morte, até porque ele próprio é imortal!
No episódio Emanations, a nave Voyager encontra um planeta com anéis (tipo Saturno). Esses anéis são constítuidos por pequenos asteróides, que dentro deles têm corpos mortos. A tripulação da Voyager fica a saber que são de uma civilização a milhões de anos-luz de distância.
Os Vhnori põem os seus mortos (ainda vivos) em caixões, e através de teleportação (vácuos subespaciais), os mortos (já mortos ou perto disso) são transportados para esses asteróides. Para os Vhnori, os seus mortos vão para uma vida depois da morte, não sabendo onde é nem como é, e imaginando que os corpos vão ressuscitar e viver no Paraíso juntamente com os seus pais, avós, amigos defuntos, etc.
Mas a tripulação da Voyager sabe melhor. Sabe que os corpos dos Vhnori vão-se limitar a decompor no interior de asteróides. Isto apesar de que na cena final do episódio, a capitã Janeway diz a Harry que foi detectada uma energia complexa e dinâmica à volta dos asteróides que pode ser uma indicação da energia espiritual dos defuntos extraterrestres – e assim parece (sem certezas!) que os extraterrestres Vhnori realmente juntavam o seu espírito ao dos seus antepassados.
No episódio Mortal Coil, Neelix é ressuscitado após estar morto durante 19 horas. Ele, apesar de extraterrestre, também acredita numa vida após a morte parecida com os humanos, e daí que fica extremamente confuso e perde toda a sua fé religiosa quando após ressuscitar percebe que durante o tempo que esteve morto não passou pelo Paraíso nem viu os seus entes queridos já falecidos.
Não gostei de ver que sem esse conforto espiritual, Neelix decide cometer suicídio. Parece-me uma ideia falsa (também vista na religião) de que acham que uma pessoa sem essa fé, fica confuso e no caos.
O episódio Barge of the Dead lida com a vida após a morte de um Klingon, neste caso da B’Elanna. Ela vai de alucinações em alucinações, pensando que está na “vida real”, enquanto de facto está num género de Barca do Inferno (Gre’Thor).
A ideia deste episódio indica que quando a pessoa morre entra numa espécie de coma (ou sono profundo) em que vai imaginando diferentes situações e vivências como se estivesse a passar por elas na “vida real”.
Penso que se esquecem que o cérebro, que permite esses sonhos, também degenera e se desintegra ao fim de algum tempo num corpo morto.
No episódio Coda, a Capitã Janeway morre e durante algum tempo o seu espírito fica a vaguear pela nave Enterprise enquanto vê os seus amigos fazerem-lhe o funeral. O espírito do seu falecido pai aparece-lhe e diz-lhe para ela não ter medo, para deixar os seus amigos e seguir a luz.
Afinal, ela só estava perto de morrer, mas o médico conseguiu reavivá-la. Ficam a saber que as alucinações que ela teve (espírito do pai, luz, amigos no funeral, etc) foram produzidas por uma entidade extraterrestre que se aproveita de mentes fracas.
Curiosa a ligação aos relatos de experiências próximas da morte, sobretudo a parte de se verem familiares e uma luz. Tudo não passa, afinal, de uma apropriação extraterrestre, e não há quaisquer paraíso ou inferno – segundo este episódio.
No episódio Tapestry, o capitão Picard entra num coma profundo, em que Q lhe diz que ele está morto. Mas Q, como um deus, dá-lhe oportunidade de ir atrás na vida e reviver e até mudar algumas coisas de que não gostava.
Certamente que muita gente gostaria de fazer isto, mas parece-me uma mensagem extremamente incorrecta a vários níveis. Desresponsabiliza a pessoa, porque ela pode sempre corrigir os erros no futuro.
Penso que uma mensagem mais saudável é a de prot no filme K-PAX: “So my advice to you is to get it right this time around. Because this time is all you have.”
No episódio Skin of Evil, Tasha Yar morre. A morte é vista como algo natural, como fazendo parte da vida.
No episódio Time’s Arrow, o andróide Data sabe que irá morrer no passado (estranho? Não para quem viaja no tempo). Enquanto a tripulação fica em estado de choque, Data é o mais racional de todos (ele não tem emoções) e racionalmente até vê nisso vantagens – antes pensava que era imortal, agora sabe que não é, e para ele é uma felicidade!
No filme Star Trek Nemesis, Data morre, sacrificando-se para salvar os seus amigos na nave Enterprise. Não houve hesitações nem medo. Houve simplesmente uma decisão racional, como qualquer outra durante o seu tempo de vida. A morte não é vista com medo, nem sequer é preciso inventar histórias para conforto próprio. Data não tem medo do desconhecido, e daí que não precisa ter fé religiosa em algo.
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Se houver seres extraterrestres inteligentes e conscientes, será que eles também têm estórias sobre o que lhes acontece após a morte?
Será que acreditam em sítios algures no Universo que são o Céu e o Inferno (ideia fomentada por Dante no século XIII)?
Será que nesses sítios só são incorporados eles ou todos os seres no Universo?
Se há um sítio pra todos os seres, não será seres a mais para um só sítio?
Ou será que eles vêem essas estórias como fazendo parte de civilizações primitivas (como nós vemos as estórias de deuses a fazer chuva e trovoada como sendo de civilizações primitivas)?
Uma das grandes vantagens de encontrar civilizações extraterrestres será nos compreendermos melhor a nós próprios.
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Este post foi escrito por um ser imortal.
Pelo menos, tenho-o sido até agora.
1 comentário
Professor Carlos
Se existirem extraterrestres inteligentes e eles forem realmente conscientes, eles não sofrerão do egocentrismo que contamina nossa espécie…Assim penso eu…abraços