Nuno Santos e as Super-Terras

Nuno Santos

Na sequência da descoberta de cinco novas Super-Terras, em Junho de 2008, o astroPT.org contactou o astrofísico português Nuno Santos, colaborador da equipa da Universidade de Genebra que fez o anúncio. Actualmente investigador no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, o Nuno Santos acedeu amavelmente a responder a algumas perguntas que ajudam a contextualizar a importância desta descoberta.

astroPT.org: O que são exactamente Super-Terras? Existe alguma definição aceite universalmente pela comunidade astrofísica? Onde está a divisória entre Super-Terras e Neptunos?

Nuno Santos: Não creio que haja uma definição exacta, mas no meu entender a diferença está na composição química: uma Super-Terra é um planeta de massa superior à da Terra mas constituído essencialmente por material refractário (silicatos, metais, …). Um Neptuno é um planeta essencialmente constituido por gelos (material volátil). Do ponto de vista observacional não é fácil distinguir.

astroPT.org: Qual a importância desta descoberta? O que é que ela nos diz relativamente à população de exoplanetas e, por consequência, relativamente ao Sistema Solar? Parece que somos um pouco atípicos, não?

Nuno Santos: Esta descoberta tem de ser posicionada no contexto da descoberta de vários outros planetas de massa muito pequena. Nesse contexto, é mais uma evidência de que este tipo de planetas é muito comum na nossa galáxia. Neste momento, e dadas as limitações técnicas, estamos claramente a descobrir a “ponta do iceberg”. Mas não ficaria nada admirado se daqui a uns anos chegassemos à conclusão que todas as estrelas semelhantes ao Sol têm planetas em órbita.
Por outro lado, é verdade que só estamos a descobrir planetas de tipo Neptuno/Super-Terra com períodos orbitais relativamente curtos. Tal é provavelmente um enviesamento observacional (pela maior facilidade em detectar um planeta de curto período). Se o nosso sistema é uma raridade, não sabemos ainda responder. Mas estou convencido que não.

astroPT.org: Fala-se de muitas mais Super-Terras a anunciar para breve. Até que ponto isto é um rumor?

Nuno Santos: Não é rumor. Há uma boa dezena de estrelas com suspeita de terem planetas Neptunianos/Super-Terras em órbita, e que estão a ser intensamente observadas para consolidar os parâmetros orbitais (observei algumas delas no passado mês de Fevereiro). São esperados mais anúncios nos próximos meses.

astroPT.org: De uma forma sucinta o que é o HARPS e como funciona? O que o torna um instrumento de vanguarda?

Nuno Santos: O HARPS é um “simples” espectrógrafo, mas que foi particularmente preparado para descobrir exoplanetas pelo método das velocidades radiais. O HARPS é capaz de medir variações de velocidade com uma precisão da ordem de um 1 m/s ao longo de anos. Neste momento é o único instrumento capaz de atingir tal precisão. Como consequência, é o instrumento responsável pela descoberta de quase todos os planetas de massa abaixo das 20 vezes a massa da Terra (16 dos 18 conhecidos, se não estou em erro).
Há várias razões para isso. A título de exemplo posso enumerar duas (mas não são as únicas essenciais): por um lado é um espectrógrafo de alta resolução, o que neste caso significa que é capaz de distinguir dois comprimentos de onda adjacentes separados de apenas, aproximadamente, 0.05 Angstrom. Por outro lado, é extremamente estável, estando dentro de um compartimento a pressão e temperatura constante (a temperatura é estável ao nível de 0.001 graus).

astroPT.org: Quais os os limites de detecção do HARPS? Que factores de ordem tecnológica e de ordem astrofísica condicionam a sua sensibilidade?

Nuno Santos: A massa de um planeta que é possível detectar depende não só do espectrógrafo mas também da estrela e do planeta. A técnica das velocidades radiais é mais sensível a planetas de grande massa, a planetas de curto período e a planetas que orbitam estrelas de menor massa. Com o HARPS creio que seríamos provavelmente capazes de detectar um planeta com 2 massas terrestres numa órbita de curto período.
Existem também algumas limitações astrofísicas ligadas às estrelas. Por exemplo, o ruído causado pelas oscilações estelares (de tipo solar, estudadas pela astrosismologia) limitam de certa forma a precisão que se consegue alcançar. A existência de regiões activas na fotosfera da estrela (semelhantes a manchas solares) também nos complica a vida. Temos formas de diagnosticar este tipo de problemas, mas não é fácil corrigir os efeitos. Daí que a maior parte dos programas de procura de planetas se concentrem em estrelas de tipo solar não activas (i.e., que não são jovens).

astroPT.org: É possível prever a evolução futura do HARPS em termos de capacidade de detecção?

Nuno Santos: Há muitos planos, inclusivé de um novo instrumento para o VLT capaz de atingir a precisão de 10 cm/s. O objectivo será detectar planetas com uma massa igual à da Terra. Em Portugal também estamos envolvidos neste projecto. Creio que em breve ouviremos falar mais sobre isso.

astroPT.org: Quanto tempo demora tipicamente todo o processo de descoberta de planetas como estas Super-Terras agora anunciadas? Porquê?

Nuno Santos: Depende muito. A primeira, em torno da estrela mu Arae, trabalho em que eu estive particularmente envolvido, foi descoberta após 8 dias de medições, mas depois tivemos de esperar mais uns meses para obter medidas suficientes para conseguirmos ter confiança no resultado. Outros casos demoram bem mais tempo: se tivermos um sistema de vários planetas (como um dos que foram agora anunciados) é preciso muito mais tempo e muito mais medidas. De um modo geral, encontrar um planeta não é nada fácil, e exige ter muito tempo para observar, medir, e confirmar a causa das variações observadas. Note-se por exemplo que o HARPS já está em funcionamento há quase cinco anos, e só agora é que estamos a trabalhar a todo o vapor. A maioria dos planetas descobertos pelo HARPS ainda está por anunciar.

astroPT.org: As medições realizadas pelo HARPS permitem obter valores mínimos para as massas destes planetas. A equipa de Genebra está também a realizar um rastreio fotométrico das estrelas em causa na tentativa de encontrar planetas em trânsito, permitindo dessa forma o cálculo preciso da massa e densidade?

Nuno Santos: Para Neptunos e Super-Terras não é possível, a partir da Terra, detectar um trânsito, excepto em casos em que a estrela tem um raio pequeno, como as estrelas M (anãs vermelhas). Daí que o único trânsito de um Neptuno detectado até agora tenha sido de um planeta em torno de uma estrela deste tipo.

astroPT.org: O seu projecto de investigação envolve a detecção de planetas em estrelas pobres em metais. De acordo com o conhecimento actual, que diferenças deverão existir entre os sistemas planetários em torno dessas estrelas e das estrelas ricas em metais? Quando pensa que poderá ter dados para confirmar ou desmentir essa suposição?

Nuno Santos: Na equipa que temos aqui em Portugal neste momento participamos em diferentes projectos de procura de planetas. Usamos sobretudo o método das velocidades radiais, mas também o método dos trânsitos. Trabalhamos igualmente na caracterização das estrelas que têm planetas, e no estudo das limitações astrofísicas para a precisão que podemos obter com velocidades radiais.
Um dos projectos em que estamos envolvidos tem de facto a ver com a detecção de planetas em torno de estrelas pobres em metais (metade da metalicidade solar ou menor). Hoje está já bem estabelecido que os planetas gigantes se formam preferencialmente em torno de estrelas mais ricas em metais. Tal é também explicado pelos modelos de formação de planetas gigantes. No entanto, há ainda muitas coisas para explicar. Por exemplo, observações recentes parecem sugerir que a mesma dependência não existe para planetas de tipo Neptuniano. Os números ainda são pouco significativos, e por isso é muito importante observar mais estrelas pobres em metais para perceber o que se está a passar. Obviamente que este é o género de projecto que pode não dar em nenhuma descoberta. Mas não descobrir nada ensina-nos tanto como descobrir algum planeta.

astroPT.org: Muito obrigado Nuno, as maiores felicidades para a sua investigação e ficamos à espera de mais novidades do HARPS!

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