Caleb Scharf escreveu uma interessante crítica na Scientific American descrevendo as dores dos cientistas planetários (How to find a habitable exoplanet: Don’t look for one – Como encontrar um exoplaneta habitável: não procure especificamente por ele) e faz algumas recomendações interessantes sobre como a pesquisa exoplanetária deve ser conduzida:
Como encontrar um mundo habitável: não procure especificamente por ele!
A maioria dos cientistas planetários diz que os objetos que eles estudam são muito mais complexos e difíceis de categorizar que quaisquer outros objetos lá fora no Universo. Esta assertiva contundente é, de fato, surpreendente e interessante, e tem se tornado um ponto comum entre os especialistas em ciência exoplanetária. Devemos nos lembrar que a maior parte da exploração telescópica ao longo dos últimos 400 anos tem sido basicamente sobre taxonomia estelar, dispondo os objetos estelares dentro de suas classes correspondentes.
Apesar da gloriosa riqueza das 200 bilhões de estrelas em nossa galáxia, a física que está por trás de suas propriedades fundamentais é notavelmente uniforme e na maior parte das vezes pode ser descrita em um conjunto relativamente simples de parâmetros, tais como, a massa, idade e a taxa de metalicidade. As estrelas, individualmente, podem até estar passando por maus momentos, cobertas de manchas negras, com seus campos magnéticos retorcidos e despejando plasma e radiação no espaço nas explosões estelares. No entanto, cada lugar onde encaixar os objetos estelares dentro do zoológico cósmico está muito bem definido.
Mas, isto não é verdade para os objetos planetários (inclusive as luas), especialmente de menor porte (como a Terra), os quais podem ser adequados a sustentar a vida como a conhecemos. Neste caso, a massa, idade e composição química são apenas um parco começo de uma longa lista de características relevantes. Vejamos a seguir algumas questões interessantes, de uma quase infindável lista, que os cientistas exoplanetários gostariam de saber quando analisam um objeto planetário:
- Qual a distância da órbita do exoplaneta a sua estrela hospedeira?
- Que tipo de estrela o exoplaneta órbita?
- Qual a excentricidade da sua órbita? É a sua órbita elíptica?
- O exoplaneta tem uma atmosfera consistente? Se positivo, qual a sua composição química?
- O exoplaneta sofre deslocamentos freqüentes no seu eixo de rotação?
- Existem outros exoplanetas no sistema que exercem atração significativa ao ponto de forçar mudanças sensíveis na sua órbita?
- Existem marés gravitacionais, flexionando e moldando o exoplaneta?
- Há vulcanismo ativo?
- Há movimento tectônico de placas?
- Como se acomodou o interior do exoplaneta?
- Existe um campo magnético global consistente, englobando todo o mundo?
- Como a do exoplaneta superfície se assentou?
- Há água abundante na superfície? Oceanos? Lagos? Mares? Precipitação?
- O exoplaneta contemplou química orgânica abundante durante seus primórdios?
- O exoplaneta possui lua(s)? Quais são as características da(s) lua(s)?
- Qual a freqüência em que o exoplaneta é bombardeado por asteróides e cometas?
Trata-se de pura dor-de-cabeça induzida. Nós podemos até pensar que a Natureza é muito mais criativa que nós ao criar esta diversidade que observamos nos exoplanetas. E isto levanta um problema prático real. Em qualquer momento do presente e do futuro, seja real ou imaginário, as observações via instrumentos astronômicos são limitadas pelas restrições de tempo. Os observatórios espaciais têm tempo de vida finito por causa da limitação de seus combustíveis e líquidos de arrefecimento, isto sem mencionar as limitadas verbas dos programas que os operam. Então a questão se apresenta: aqui nós estamos, uma civilização atingindo o ponto no qual nós buscamos seriamente por exoplanetas que poderiam hospedar a vida e talvez conseguir obter remotamente alguma evidência da presença de vida, mas, como saber escolher quais os membros do zoológico exoplanetário aos quais devemos dedicar nosso precioso tempo?
Uma considerável quantidade de esforço tem sido despendida na tentativa de responder esta questão com precisão. Na prática, devemos tentar balancear a necessidade de procura por objetos que conseguimos reconhecer, como os mundos análogos da Terra, com o que a Natureza realmente nos oferece em nossa vizinhança galáctica. Por exemplo: 75% de todas as estrelas têm massa inferior a 50% da massa solar. Assim, a grande maioria de nossos primos vizinhos são estas tênues, avermelhadas e longevas estrelas anãs-vermelhas. Os mundos da dimensão da Terra orbitando nestes sistemas estelares terão que residir bem próximos de suas estrelas hospedeiras para manter temperaturas amenas na superfície e isto trás novos problemas para estes mundos. A força das marés estelares (devido a proximidade) provocariam o travamento na rotação destes exoplanetas de forma que teriam em um hemisfério um dia eterno e no outro uma noite sem fim. Além disso, as anãs-vermelhas são conhecidas por sua instabilidade (diferentemente do Sol) e suas explosões (solar flares) podem ser bem severas nestas pequenas distâncias entre o exoplaneta e a sua estrela mãe. As tempestades estelares podem erodir a atmosfera exoplanetária e irradiar suas superfícies. Em suma, nestas condições, o clima em exoplanetas nestes sistemas não é nada agradável e estas incertezas afetam as probabilidades de detecção de sinais vitais nestes sistemas.
A diversidade planetária pode nos dar indícios
Diante de cenários como este, nós temos um longo e árduo caminho científico a percorrer. Entretanto, a verdade é que estamos fortemente direcionados pelo desejo se saber se existe alguma vida além do confinamento de nosso planeta Terra. Há algo que possamos ceder ou mudar para conseguir obter (mais rápido) uma resposta geral a esta importante questão? Eu (Caleb Scharf) penso que sim, há um modo a ser seguido no futuro e que provavelmente é a diversidade planetária que nos oferece uma pista.
Talvez, apenas talvez, devamos resistir e abandonar as nossas tentativas urgentes de explorar apenas um seleto grupo de mundos e partir, em contrapartida, para obter uma massiva visão geral. Suponhamos que há biosferas espalhadas através de diversos sistemas, possivelmente influenciadas pelo mesmo tipo de mecanismo microbial que domina o planeta Terra. As condições podem variar tremendamente nesses mundos, mas as biosferas poderiam conseguir persistir. Os ambientes em tais exoplanetas podem ser sustentados por sutis equilíbrios distintos que seus equivalentes estéreis, olhando-os via composição atmosférica, refletividade e temperatura. Individualmente, nenhum mundo pode simplesmente nos indicar evidências suficientes para afirmarmos “lá há vida!”, mas, se colocarmos juntos os dados de grupos de exoplanetas candidatos, talvez consigamos detectar uma assinatura legítima.
Estatísticas permitem enxergar mais longe
As estatísticas são uma ferramenta maravilhosa que nos trazem sutilezas. Os dados estatísticos nos permitem enxergar em áreas obscuras e encontrar conformidades que de outro modo jamais acharíamos. Suponhamos que nós consigamos acumular dados não apenas de alguns exoplanetas, mas de centenas de milhares. Uma observação remota de um singelo exoplaneta não consegue garantir que o mesmo está pululando de vida, mas o peso cumulativo de partes distintas no zôo exoplanetário pode pelo menos nos sugerir que há vida em um determinado conjunto de mundos. Ao abandonarmos o premente desejo de achar uma única evidência de vida em algum exoplaneta específico e passarmos a olharmos o todo, nós iremos conseguir responder a questão global que nos intriga: Há vida lá fora?
Fontes
Scientific American (blog): How to find a habitable exoplanet: Don’t look for one por Caleb Scharf (*)
Life, Unbounded (blog): Guest post at Scientific American
(*) Caleb Scharf é o diretor do Columbia University’s multidisciplinary Astrobiology Center. Ele tem trabalhado nos campos de cosmologia observacional, astronomia de raios-X e mais recentemente em ciência exoplanetária. Caleb é tambem o autor do livro “Extrasolar Planets and Astrobiology” (University Science Books) e escreve no blog “Life, Unbounded“.
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