CQ (Seek you) é um dos acrónimos mais ouvidos nas comunicações do Serviço de Amador e de Amador por Satélite e que sempre precede uma chamada lançada com o objectivo de estabelecer um contacto rádio.
Com a recente revolução operada nas possibilidades de comunicação, nomeadamente através da rede de todas as redes – a Internet -, pode parecer estranho, mesmo a qualquer internauta principiante, que se utilizem ainda meios tradicionais de comunicação – vulgo TSF (telegrafia/telefonia sem fios) – para encetar um diálogo ou conversação. Hoje, através de chats em tempo real e de ferramentas de conferência – som e imagem – é possível estar em contacto com qualquer parte do mundo, de forma acessível e relativamente económica, diluindo as fronteiras espaço-temporais e conferindo o epíteto de banal a algo que outrora era impensável nos moldes hoje praticados. Contudo, existem milhares de cidadãos em todo o mundo – em Portugal o número cifra-se na ordem do cinco mil – cujo principal passatempo é a comunicação através das ondas hertzianas: os radioamadores.
Neste meu primeiro post enquanto colaborador deste blogue, é meu objectivo introduzir-vos uma das modalidades mais apreciadas pelos radioamadores e que desperta sempre grande interesse na opinião pública: as comunicações espaciais. Neste domínio, entendam-se as comunicações espaciais como todas aquelas cujo destino – receptor ou retransmissor – se encontra para lá da atmosfera terrestre. Assim, cabem neste apartado os contactos efectuados através de satélites – que retransmitem o sinal de volta à Terra – e os contactos efectuados com missões tripuladas. Sim, leram correctamente. As missões tripuladas ao espaço – Space Shuttle, Estação Orbital MIR, Estação Espacial Internacional (ISS) – são alvo de programas específicos de comunicações que têm por objectivo possibilitar o contacto de alunos de várias escolas em todo o mundo com os astronautas em missão e o estabelecimento de experiências de comunicação com a comunidade radioamadora. O mais conhecido desses programas é o SAREX (Space Amateur Radio Experiment).
Na imagem, o astronauta Michel Tognini, especialista de missão, utiliza o equipamento de radiocomunicações a bordo da missão STS-93 (Space Shuttle) para contactar com os radioamadores em todo o mundo.
Fonte: NASA
Uma das primeiras perguntas que certamente está na mente de quem não está familiarizado com este tipo de comunicações é óbvia: que meios técnicos são necessários para este tipo de contactos? A resposta é, ainda que possa parecer paradoxal, completamente inesperada. Muito poucos recursos técnicos são necessários para conseguir contactar, através das frequências de amador, com qualquer das missões tripuladas já referidas.
Na foto, o autor tenta o contacto com a ISS, utilizando um portátil Kenwood TH-7E e uma antena Arrow.
O mesmo não significa dizer que é fácil o contacto com os astronautas. Várias razões concorrem para este facto. Por exemplo, as órbitas efectuadas pela maior parte das missões da Space Shuttle não são favoráveis para Portugal, uma vez que o footprint do veículo espacial abrange parcialmente o território continental, fazendo com que as passagens se realizem a uma altitude em relação ao observador muito baixa. Outras das razões para a dificuldade dos contactos é o número de radioamadores que tentam estabelecer o contacto, fazendo com que os astronautas tenham alguma dificuldade no discernimento dos sinais e, consequentemente, atrasando o desenrolar dos contactos (QSO é o acrónimo para contacto no código Q, sistema usado nas radiocomunicações). Esta realidade deve-se ao facto de as estações de rádio em Terra não se ouvirem mutuamente, uma vez que se encontram, em quase 100% dos casos, separadas por vários milhares de quilómetros (deve ter-se em consideração, nesta observação, a frequência em que estas transmissões têm lugar, o VHF, que, só em condições muito especiais, permite contactos a longa distância). Por último, e não menos importante, o facto de os astronautas terem uma agenda carregada, o que não lhes permite dedicar muito tempo aos contactos com os radioamadores, excepto nas situações em que se estabelecem os contactos com as escolas, esses já agendados e programados. Assim, os contactos com a comunidade radioamadora são aleatórios, logo imprevisíveis.
A Estação Espacial Internacional encontra-se numa órbita quase circular, a uma altitude mínima da Terra de cerca de 278 km e máxima de 460 km. Completa uma volta à Terra em aproximadamente 90 minutos, o que faz com que tenhamos que utilizar um software de seguimento de satélites, como por exemplo o Gpredict para Linux, para calcularmos, em determinada data, as horas das várias passagens. Com alguma persistência e sorte, é possível contactar a Estação Espacial e visualizá-la, em simultâneo, no céu. Para que tal seja possível, pode consultar-se a tabela de objectos visíveis no céu, no site Heavens-Above, e consultar os dados sobre a ISS (International Space Station)
Software: Gpredict
Um dos últimos contactos que realizei foi no passado dia 12 de Julho, pelas 2200 UTC. O astronauta contactado foi o Coronel Douglas H. Wheelock, engenheiro de voo da Expedição 24 e comandante da Expedição 25.
Podem ouvir a gravação clicando AQUI.
Um outro exemplo, desta vez em vídeo. O contacto foi realizado pelo radioamador Francisco Costa, CT1EAT, da cidade de Beja. Pormenores do contacto AQUI.
Como ouviram, a recepção é óptima, embora os contactos, normalmente, sejam rápidos. Há que dar oportunidade a todos.
Espero, com este primeiro e breve post, ter-vos despertado a curiosidade para as comunicações nas bandas amadoras. Mais se seguirá, STAY TUNED!
7 comentários
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(comentário editado, devido a pura publicidade que nada tinha a ver com o post ou blog)
O post ficou ótimo, parabéns!
Grande abraço
Author
qsl.netCaro Salomão,
Tens razão. É uma sensação bem especial saber que a nossa voz é ouvida no espaço. É sempre uma ocasião especial e nunca nos cansamos de o fazer. Provavelmente, e seguramente, todas as actividades têm os seus momentos especiais, Na Astronomia, por exemplo, a descoberta de uma planeta exosolar é um dos momentos altos para qualquer astrónomo amador integrado em equipas multidisciplinares. Para nós, sê-lo-ia, por exemplo, a captação das emissões da sonda Voyager, como fez o nosso colega Luís Cupido, CT1DMK.
Alguns dados técnicos desta proeza:
Ganho de antena de TX: 48.0 dB
Potência de TX: 34.7 dBm (3W)
Path loss link: -314.3 dB
Ganho de antena de RX: 48.8 dB
Mais em http://www.qsl.net/ct1dmk/
Abraço!
Olá!
Contactar com a ISS é, talvez um dos melhores prazeres que um Rádio Amador pode retirar do passatempo que abraçou!
A mais aventurosa e distante “casa” permanente da humanidade fora da Terra, merece o nosso carinho e atenção permanentes.
Aos que conseguem tal contacto, os parabéns! Aso que ainda não o conseguiram, continuem! O esforço, compensa!
73 de CT2IRJ
Author
Pois, essa foi a parte pior. Tivemos que gramar a vitória de “nuestros hermanos” e ainda por cima ouvir os parabéns vindos do espaço 🙂
A antena é toda desmontável! Quase que se mete no bolso.
Não sabia que andavas com uma antena no ar 🙂
Parece a antena da minha TV antiga, de há 20 anos atrás 🙂
Se eu soubesse isto na altura, tinha tirado a antena à TV, e posto lá fora, pra ouvir os ETs 🙂
ehehehehe 🙂
Very Cool!!! “I copy Paulo” “Portugal” 🙂
ele lá de cima deve pensar que andamos a fazer festa por os Espanhóis ganharem 😛 ehehehe
Author
Sim, é verdade, já várias escolas em Portugal participaram do programa:
Escola Camilo Castelo Branco – Carnaxide
Escola EB1 Jorge Mineiro – Queluz
Escola Manuel Vaz – Barcarena
Escola Secundária de Estarreja
Escola EB2/3 S, Romão de Coronado – Trofa
Olá 🙂
CQ é o que a Ellie Arroway se farta de dizer em miúda:
http://www.astropt.org/2009/07/25/contacto/
Não sabia que era dentro desse programa, mas já alguns alunos portugueses falaram com astronautas:
http://www.astropt.org/2009/10/01/alunos-portugueses-falam-com-astronauta/
😀