IMAGEM: Desenho do artista brasileiro Henrique Alvim Corrêa para uma edição belga de A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, que mostra uma máquina de guerra marciana lutando contra o destróier Thunder-Child. Crédito: Henrique Alvim Correa (1876–1910)
Introdução: Paul Gilster (Centauri Dreams)
A maneira pela qual nós reagiríamos se recebêssemos um sinal proveniente de uma civilização extraterrestre é uma questão cada vez mais controversa e um tema cheio de importância, quando consideramos a pesquisa do SETI e propostas para novas direções.
O recente encontro da Royal Society em Chicheley (UK) colocou em cheque esta questão, com painéis de discussão sobre se devemos ou não ser enviar nossas próprias transmissões para as estrelas e diversas apresentações que exploraram a importância da vida extraterrestre e o impacto sobre o futuro da humanidade.
Parece que temos uma boa ocasião, então, para que Larry Klaes lance um olhar para esta questão atual, a seguir na primeira parte do artigo em duas partes que analisa principalmente as nossas atitudes, mas nem tanto sobre os sinais das estrelas bem como seus remetentes.
Artigo: Larry Klaes© 2010
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Alguns meses atrás, o famoso físico e cosmologista britânico Stephen Hawking compartilhou suas visões sobre as inteligências extraterrestres (IETs), com os seres inteligentes do planeta Terra. Isso foi feito propositalmente como uma maneira de se obter publicidade para a nova série científica na TV “O Universo de Stephen Hawking” (Stephen Hawking’s Universe). Há diversos fragmentos desta série que podem ser vistos no site do Discovery Channel. O episódio 1 que fala sobre este tema pode ser visto integralmente aqui em “Poderiam realmente os alienígenas invadir a Terra? Como?”.
O Cenário de Hawking apresenta problemas
Hawking pensa que se a vida biológica evoluiu em outros lugares no Cosmos assim como se desenvolveu aqui na Terra, então há uma boa chance de que a vida alienígena terá uma natureza territorial e predatória semelhante como encontramos na maioria das criaturas do nosso planeta. Esses comportamentos poderiam, instintivamente, permanecer mesmo para espécies que atingiram sensibilidade e tecnologias em níveis muito mais elevados, tendo ultrapassado a humanidade e a nossa civilização.
Assim, segundo as idéias de Hawking, as IETs (inteligências extraterrestres) avançadas vagariam pela galáxia em massivas espaçonaves que serviriam tanto para o transporte como também como lares para estes seres. Tão pode nos lembrar os invasores alienígenas mostrados no filme de ficção científica O Dia da Independência de 1996. Tendo esgotado os recursos de seu mundo (e, presumivelmente, também os recursos do resto do seu próprio sistema solar), as IETs de Hawking sairiam a procurar mundos adequados para “conquistar e colonizar”, usando-os também (e subjugando e / ou removendo qualquer vida nativa competitiva durante o processo) para depois passar a um novo conjunto de alvos viáveis.
Há vários problemas que verificamos no cenário de Hawking, os quais até mesmo um modesto estudioso da ficção científica tem conhecimento. Problemas estes que remontam a mais de um século, como, por exemplo, no caso dos marcianos invasores de HG Wells explorado épico clássico A Guerra dos Mundos, que estabelece a premissa de que inteligências alienígenas poderiam nos tratar do mesmo modo que culturas humanas têm tratado outras aqui na Terra por milênios, até os dias atuais. A quantidade de material produzido em romances, livros, filmes, séries de televisão e artigos sobre este assunto desde o dia em que Wells escreveu sua obra certamente encheria uma biblioteca de grande porte. Então, por que estas visões de Stephen Hawking sobre essa questão têm recebido tanta atenção pela mídia e pelo público?
A razão mais óbvia é que Hawking é um cientista famoso e brilhante, um dos poucos que a população em geral reconhece com facilidade, assim como Albert Einstein, mesmo que nem sempre conheçam ou entendam seu trabalho e idéias. Esses fatores se combinam para fazer com que o público e a mídia passem a achar que profissionais como Hawking são, inquestionavelmente, peritos em praticamente todos os assuntos da existência humana, incluindo até mesmo no entendimento da natureza e do comportamento da hipotética IET.
Enquanto alguns possam defender a grande inteligência e elevados níveis de conhecimento de Hawking quando abordamos os campos da sua escolhida carreira, a verdade é que sobre o tema relacionado à vida extraterrestre, Hawking efetivamente não possui uma percepção mais profunda sobre esse assunto do que qualquer outro ser humano na Terra, tanto no passado quanto no presente. Hawking ainda está sujeito à cultura, era, e as espécies quando se abordam temas associados às IETs. Mesmo Einstein, ao qual Hawking tem sido muitas vezes comparado, seguiu a tendência da época em que viveu quanto ele tratou do tema sobre alienígenas. Nos anos 30, Einstein acreditava que existiam seres inteligentes vivendo no planeta Marte e até mesmo escreveu em 1937 sobre um método óptico de comunicação com os marcianos por ele imaginados. Einstein desprezou o fato de que mesmo naquela época a maioria dos astrônomos profissionais já tinha sérias dúvidas se o Planeta Vermelho teve ou poderia ter tido uma infraestrutura que suportasse complexas formas de vida inteligente.
Entretanto, isto não deve ser considerado um freio para a criatividade desses grandes pensadores. Em vez disso, tal nos mostra que quando se trata de prever as formas e as motivações da IET (inteligência extraterrestre), depois de dois mil anos de reflexão sobre o assunto e apenas algumas décadas de procura por eles (exemplo: Programa SETI), o que nos resta realmente são as evidências sólidas dos habitantes de um único mundo chamado Terra e algumas pistas tentadoras lentamente aparecendo em todo o resto do Universo.
Superar a natureza instintiva da humanidade?
Então, por que Hawking e tantos outros assumem um universo cheio de formas de vida predatórias, sejam meramente amebas ou seres de inteligência superior e tecnologia? Percorrendo o tema no qual até mesmo os grandes cientistas estão sujeitos aos limites do conhecimento de seu tempo, cultura e profissão. A vida neste planeta tem sido vista e retratada como uma que está em uma constante luta pela sobrevivência contra o ambiente e outras criaturas, inclusive e especialmente até contra a própria espécie. Há, naturalmente, uma grande dose de verdade nisso, uma vez que praticamente todos os organismos terrestres passam a maior parte da sua vida lutando por comida, protegendo áreas para viver e buscando companheiros para procriar, quer através da força física bruta ou via manipulações mais furtivas.
No entanto, nas últimas décadas, tem sido reconhecido que as formas de vida em todas as áreas, especialmente aquelas que coexistem em sociedades, são muito mais altruístas e cooperativas do que nos parece à primeira vista. Até mesmo a humanidade, apesar das suas habilidades para fazer a guerra em escala destrutiva global e despojar ecossistemas inteiros, é muito mais cooperativa e consciente de si mesma e do nosso ambiente do que nós tendemos a nos creditar. Finalmente começamos a reconhecer e agir considerando o fato de que a Terra não é um ‘playground’ ilimitado que irá tolerar nossas necessidades ancestrais instintivas e comportamentos inadequados indefinidamente. Isto trouxe a tona os nossos esforços para preservar e proteger os recursos restantes e biota da Terra, de forma imperfeita, é claro. Pelo menos agora uma resposta global está em curso e o esforço da humanidade até então já conseguiu evitar uma guerra nuclear ou formas semelhantes de drásticas catástrofes artificiais, algo que nossos líderes políticos e militares uma vez consideravam factíveis de serem vencidas, não muito tempo atrás.
IMAGEM: Alienígenas predatórios perseguem humanos. Ilustração do artista brasileiro Henrique Alvim Corrêa, capa da edição belga publicada em 1906 do livro de HG Wells “Guerra dos Mundos.
Sendo este o caso, poderia a humanidade futura alargar os seus atuais impulsos instintivos de forma descontrolada para o resto da galáxia, assim que começarmos a expandir a nossa espécie para além das fronteiras da nossa Terra natal? Será que nossos descendentes se tornarão o que Hawking teme a respeito da ETI?
Trabalhando juntos para sobreviver no espaço!
Embora ninguém possa garantir com absoluta certeza, via nosso limitado conhecimento e experiências nestas áreas, eu vou afirmar o que penso. Sobreviver no espaço ou em outros mundos do nosso Sistema Solar é atualmente impossível sem o suporte de roupas especiais, sem o isolamento no interior de caixas fortes de proteção ou ainda sem que nossa biologia tenha sido fortemente modificada (na última hipótese, tal poderia levar milênios para se atingir). Tal ambiente inóspito irá forçar que nossos espaço-descendentes, os futuros residentes fora da Terra, venham a trabalhar em conjunto para uma harmoniosa e mútua evolução. A própria natureza extrema dos ambientes além da Terra não vai tolerar quaisquer excessos ou loucuras que a nossa espécie tem sido amplamente capaz de auto-infringir durante a maior parte de sua existência.
Naturalmente achamos que é possível que a ciência do futuro possa eventualmente criar uma nova forma de humanidade, geneticamente adaptada para ocupar praticamente qualquer canto do Sistema Solar e outros mundos aí afora. Outra possibilidade seria a de abandonar completamente a estrutura biológica de nossos corpos e migrar a mente humana para uma forma mecânica e / ou criar um novo tipo de mentalidade denominado de Intelecto Artificial (em inglês, Artificial Intellect ou “Artilect”).
Com certeza, esses cenários não são algo que irá acontecer na próxima semana com absoluta certeza, além de terem inúmeros obstáculos a superar para serem considerados factíveis. No entanto, estes cenários de fato ressaltam o ponto em que os melhores tipos de seres para sobreviver e prosperar em uma escala cósmica não são necessariamente o tipo de humanidade que existe na Terra agora, ou qualquer outra forma de vida adequada tão somente para um único mundo. Adicione a isso o fato de que uma sociedade espacial evoluída teria a capacidade de encontrar e explorar com muito mais facilidade as grandes quantidades de recursos disponíveis entre os planetóides e cometas que existem em todas e quaisquer estrelas. Talvez, uma espécie de alienígenas xenófobos que passa seu tempo saqueando planetas habitados não faça realmente o menor sentido, se não apenas para servir como fascinante entretenimento ficcional para o deleite recreativo de nossa espécie.
Uma míope visão centrada na Terra?
Talvez o que Stephen Hawking e outros não consigam entender completamente é que qualquer inteligência alienígena que tenha surgido em nossa galáxia virá de um mundo que não é uma ‘cópia carbono’ da Terra. Tais IETs poderiam, em muitos casos, evoluir, por exemplo, de algum tipo de lua joviana, ou até mesmo de um mundo gasoso como Júpiter em si, ou talvez em algum outro tipo de ambiente que a ciência atual não considera ser um lugar para a vida como a conhecemos. Não há certeza de que mesmo o comportamento dos organismos em todos os lugares do Cosmos sejam literalmente universais, incluindo o tipo que primeiro devora seu mundo de origem e tem a capacidade e vontade de arrumar as malas e fazer a mesma coisa outra vez através da galáxia. Para ser ainda mais específico, as ações e metas que podem funcionar muito bem para uma criatura confinada a seu mundo de origem podem não ser viáveis em outros mundos, além do seu domínio de origem.
O fato de que mesmo alguém tão instruído e inteligente como Stephen Hawking veja outras sociedades na galáxia Via Láctea com medo. O fato de partirmos da premissa de que todas as inteligências evoluiriam de forma semelhante e continuariam a se comportar de maneira instintiva, mesmo conseguindo o feito tecnológico de realizar viagens interestelares mostra como grande parte da humanidade ainda pensa e vive como se a totalidade da existência gira e foca apenas em torno do nosso planeta singular.
Aceitando o fato de que a vasta maioria de nós permanecerá ligada a Terra por pelo menos algumas gerações a mais, a nossa espécie, no entanto, tem se tornado intelectualmente consciente durante séculos que vivemos em um planeta rochoso que circunda uma das centenas de bilhões de sóis em uma grande galáxia ilha, a Via Láctea. Por outro lado, como os elementos químicos que compõem nosso mundo também são encontrados em todo o Universo, é possível que exista justamente apenas os organismos biológicos que universalmente se comportam exatamente como Hawking prevê.
Esta é uma questão que permanece, no entanto, se as diversas civilizações galácticas em geral evoluem para seres de inteligência superior que ainda mantêm certos instintos ou se elas, eventualmente, se livram deles? Ou há algo completamente diferente que pode acontecer e ser único para cada espécie? Esse será o foco da segunda (e última) parte desta série de artigos, que publicaremos na próxima semana, junto com um olhar como os eventos poderiam transcorrer e por que uma ETI viria a nos atacar em nosso mundo.
Copyright © 2010 por Larry Klaes
Sobre a fonte e direitos autorais
Este artigo é uma tradução livre com adaptações editoriais do artigo abaixo, autorizada expressamente pelo autor (Larry Klaes):
Centauri Dreams: Why Do We Fear Aliens?
._._.
1 comentário
“O fato de partirmos da premissa de que todas as inteligências evoluiriam de forma semelhante e continuariam a se comportar de maneira instintiva, mesmo conseguindo o feito tecnológico de realizar viagens interestelares, mostra como grande parte da humanidade ainda pensa e vive como se a totalidade da existência gira e foca apenas em torno do nosso planeta singular.”
Estou totalmente de acordo.
Existe Geocentrismo Psicológico!!!
Os Extraterrestres… somos nós!
😉
http://www.astropt.org/2009/06/30/curso-de-astrobiologia/
😀