Eu até gosto de fantasmas.
No que respeita à vida depois da morte, contudo, subsistem determinadas dificuldades técnicas difíceis de ultrapassar para mim. Um biólogo saberia explicá-las melhor do que eu, mas vou tentar dar o meu melhor – é uma visão do fenómeno muito pessoal.
Agradeço desde já a vossa paciência.
Eu tenho boas recordações dos espíritos. Passei muitas horas da minha infância a ler e ouvir histórias de casas assombradas. Espevitavam-me a imaginação. Ainda hoje não resisto a um bom filme de fantasmas. Há uns meses vi um com a Nicole Kidman – The Others – e gostei bastante, o argumento estava bem esgalhado.
Sempre achei intrigante que os espíritos dos defuntos mantenham tanto interesse pelo mundo físico que acabaram de abandonar. Alguns deixam-se ficar por cá porque continuam «ligados» à casa onde viveram as suas vidas. Depreendo que estes devem ser fantasmas de gente rica, pois infelizmente continua a existir muita malta neste mundo que não hesitaria em abandonar as suas casinhas por outras mais dignas da sua condição humana, e sem olhar para trás.
É um exercício provavelmente inconsequente, mas ponham-se no lugar do morto – não me refiro ao lugar do passageiro da frente, embora pela forma como se conduz em Portugal o lugar da frente tenha grande potencial para quem deseja iniciar uma aventura no Além.
Bem, vamos então supor que nos deu o badagaio, esticámos o pernil, o espírito desencarnou e estamos prontos a apresentar o nosso currículo moral ao Criador para que este carimbe a nossa entrada no Paraíso.
Ficamos então com a certeza absoluta de que existe um outro mundo para além deste – o mundo espiritual. Que fazem vocês, meus caros ex-cépticos falecidos, partem à descoberta desse novo mundo prometido por Deus ou deixam-se ficar presos ao velho e decrépito mundo físico que de resto já conhecem?
Dizem os «entendidos» (há entendidos para tudo) que os espíritos se mantém ligados ao mundo terreno porque sentem saudade dos entes queridos que aqui deixaram, preocupam-se com eles, desejam protegê-los.
Compreendo a dolorosa humanidade destes sentimentos, mas o meu problema com a crença em espíritos tem a ver com a forma como o mundo espiritual interage com o mundo físico. Corrijam-me se estiver enganado, mas parece-me que o mundo do Além não deve estar sujeito às leis deste mundo, ou seja, não deve estar condicionado ao Espaço e ao Tempo.
Se o Além é uma espécie de «singularidade» em que não existe Tempo nem Espaço, tenho alguma dificuldade em entender que possa existir um sentimento como a saudade. Sentimos saudade porque no mundo em que vivemos acontece estarmos fisicamente separados das pessoas que amamos pelo Espaço e pelo Tempo. Se me dizem que um espírito tem saudades e é por isso que comunica e se recusa a abandonar a Terra, eu respondo que então não deve ser um espírito; é uma projecção do nosso cérebro, tão sujeito às leis da física como o resto do corpo.
A morte também nos separa dos vivos, é verdade, mas a separação é um problema terreno: um espírito do outro mundo não deveria ter esses problemas porque os espíritos de todos os seres que existiram e virão a existir, livres das amarras do mundo físico, não estão sujeitos ao Tempo e ao Espaço e, como tal, estiveram e estarão sempre presentes.
Se os espíritos respondem aos chamamentos dos médiuns, então devem reter a sua identidade terrena. Vistas as coisas, talvez o mundo espiritual não seja assim tão perfeito. Conheço algumas barbies aqui na Terra cujas almas ficariam horrorizadas só de pensar no destino do seu rico corpinho; conheço outras barbies que encarariam a morte não como uma passagem para outro mundo ou «o contrário de estar vivo», mas como uma forma mais extrema de anorexia.
Eu tenho boas recordações dos espíritos e não pretendo ridicularizar quem acredita nessas coisas, mas continuo a preferir o Woody Allen quando diz qualquer coisa como filosofias e outras coisas elevadas pertencem ao espírito, mas o corpinho é que se diverte.
Lembro-me de uma ocasião em que os fantasmas tiveram uma enorme importância para a minha felicidade física. Estávamos todos reunidos às escuras a contar assustadoras histórias de espíritos quando notei que a rapariga em que eu estava interessado se sentara ao meu lado. À medida que as histórias aumentavam de intensidade, ela ia procurando consolo agarrando-se ao meu braço enquanto soltava uns suspiros de horror.
Vocês sabem como é, as mulheres têm essa extraordinária capacidade de nos comunicar várias coisas ao mesmo tempo para nos dar hipótese de entendermos pelo menos uma das múltiplas mensagens – neste caso, acho que estava a dizer-me o quanto adorava estar assustada ao pé de mim.
Nessa noite nunca mais nos largámos. Os próprios fantasmas ficaram a segurar a vela, o que é óptimo visto sermos adolescentes e eles invisíveis.
E pronto, o resto da história já não vos diz respeito, mas posso revelar que nessa noite dos fantasmas aprendi que a expressão «até vi estrelas!» não significa forçosamente que se está a recordar um momento de dor.
A vida é demasiado bela para a desperdiçarmos com fantasmas, pseudo-filosofias e tretatologias. E temos a sorte de viver numa parte do mundo onde a liberdade de nos rirmos delas não é devassa ou blasfema, mas um direito inquestionável.
Ora aí está um fantasma em que eu acredito e me mete medo: o fantasma do fanatismo. O fantasma do fundamentalismo.
14 comentários
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Por acaso é engraçado q quase toda a gente q conheço diz q já viu coisas qd era criança… o denominador comum é “quando era criança”. 😉 Acho q tá tudo explicado… 😀
(se eu tb vi? vi, a figura da morte. Nunca mais voltei áquele quarto, tal foi o cagaço 😀 mas eu dou sempre formas desse género às sombras dos objectos, aos padrões das coisas, ao que vejo desfocado…. 😀 ainda ontem vi um gremlin 😀 e qd era miúda via o ET em todo o lado :D)
Oi, Carlos! (não respondi o cumprimento antes, foi mal…)
Seu blog continua sendo obrigatório sempre que me conecto.
Infelizmente, tive alguns contratempos, por isso estava ausente, mas agora que os contornei, ficarei atento para manter o meu posto de 9º comentarista do AstroPT.
🙂
Fantasmas gostam de obedecer a algumas leis e outras não.
Não interagem com a matéria quando querem. Porém, se mantém acima do solo, sem afundar nele.
E mesmo interagindo pouco, conseguem acompanhar a Terra na sua veloz viagem pelo espaço.
Fantasmas não interagem com a matéria, mas são visíveis aos olhos. Ou seja, emitem fótons.
Falam – emitem ondas sonoras. Tocam – interagem com a matéria…?
Não que eu duvide inteiramente deles. Já vi coisas quando criança. Mas agora, já adulto, acho que eles é que duvidam de mim. 🙂
Oi Cristiano,
O que você falou no final fez-me lembrar outra coisa: teleportação.
Na teleportação também não há diferença entre vida e morte.
Pode-se teleportar todas as partículas, todas direitinhas nos mesmos sítios, que não há nada que distinga entre se o grupo total está vivo ou morto.
😉
Quanto à ideia de fantasmas é mais um exemplo de geocentrismo psicológico, que me farto de criticar nos humanos.
Supostamente a matéria dos fantasmas não interfere com matéria normal (daí poderem atravessar o chão, as paredes, etc).
Mas num Universo gigantesco, eles preferem passar a vida à espera que alguém fale com eles (ou dê por eles) à superfície dum invisível grão de poeira chamado Terra.
Enfim…
😛
Bem, os fantasmas supostamente mantém-se junto àquilo q conhecem eqto não resolvem os seus problemas inacabados ou a Melinda não os ajuda a passar para o outro lado… 😛 😀 (bazinga; não acredito em almas penadas).
Há muito me interesso pelo enigma da existência pós-morte.
Essa idéia tem sérios problemas. Eis os que garimpei em anos de meditação (inútil?):
Se um ET morre, ele encontra São Pedro (ou Jesus) esperando-o às portas do céu?
Um vírus, que não se sabe ainda ser uma entidade viva ou não-viva, morre?
Plantas morrem? E se morrem, vão para algum céu das plantas (tipo uma Amazônia celestial)?
Do mesmo jeito, bactérias morrem? E se um homem morre, não seria mais justo que cada célula do corpo dele sofresse um julgamento diferente, já que células são entidades vivas?
Quer dizer, se alguém morre, não é possível que algumas milhões de células dessa pessoa prefiram reencarnar em outros corpos (assumindo que exista algo como reencarnação)?
Se existe reencarnação, quanto tempo demora entre a morte e a próxima reencarnação? Esse tempo difere de indivíduo para indivíduo? E por que haveria alguma diferença?
Onde estavam todos esses espíritos reencarnantes, 13,7 bilhões de anos atrás? Esperando em alguma fila?
E se contarmos com a possibilidade do universo ser eterno, apenas alterando-se em ciclos de criação e recriação, faria algum sentindo ficar evoluindo e evoluindo o espírito eternamente?
O que se faz depois que o espírito alcança o nirvana (nota: não estou falando daquela banda famosa, mas da esfera máxima da evolução espiritual)?
Pra quem possa responder “o espírito evoluído retorna para ajudar os que ficaram para trás (já ouvi essa resposta antes)”, eu pergunto: qual o objetivo de voltar eternamente para ajudar aqueles que, eternamente, sofrerão? Viver eternamente nessa rotina chata?
………………………………………………
Mas, pra não dizer que não acredito em vida após a morte, vai aqui a minha sugestão sobre esse problema:
Se existe algum processo de relocamento da consciência, esse processo precisa ser tão simples que possa ser aplicado a todas as formas de vida, terrestres e extraterrestres, incluindo aquelas consideradas “no meio do caminho entre a vida e a não-vida”, como os vírus. E a todas as formas de vida que nem imaginamos que existam, como as baseadas em ondas de energia ou vida quântica (ou sub-quântica) e de outros universos e dimensões.
Esse processo, portanto, teria que ter 0% de complexidade, 0% de demora, 0% de gasto energético e vários outros 0% de tudo que é coisa, pois se houvesse alguma variante, não se aplicaria a todas as formas de vida, conhecidas ou desconhecidas.
Esse processo seria um processo 0%. Ou seja, processo algum. Não haveria processo.
Não, não estou dizendo que não deve existir continuidade, mas que essa continuidade, se existe, não pode passar por nenhum processo, pois deve abarcar até o que não consideramos vivo, como pedras e átomos (que, em níveis quânticos, não são muito diferentes de vírus e baleias).
Simplesmente, não haveria nenhum processo, nem fantasmas, pois não haveria, a nível de subpartículas, diferença entre a vida e a morte, pra existir um fantasma no meio do caminho (0% de demora do processo).
Em nível quântico, não há vida, e portanto, não há morte, nem processo de relocação de nada. O espírito, se existe, é algo que interage fracamente com o universo, mas que não sofre nenhuma interferência quando o seu “referencial de observação” é desestruturado (muda o arranjo molecular, ou seja, “morre”).
É a minha opinião.
ceticismoaberto.com…
O Hipólito (pseudónimo Allan Kardec) foi um simples promotor internacional de espiritismo (com histórias de outros), sem qualquer prova, tal como o Chico Xavier foi no Brasil, por exemplo.
http://www.ceticismoaberto.com/paranormal/3417/chico-xavier-e-a-fraude-de-otlia-diogo-a-irm-josefa
O que o Bruno falou é verdade (apesar de escrever o nome errado), o “Livro dos Espiritos” do Allan Kardec é bem interessante e baseado além de crenças, em ciencia. Até pela época que foi escrito, que na literatura foi o cientificismo. Isso é que mais diferencia o Espiritismo das demais religiões, esta mistura de ciencia e crença. Eu mesmo, sou espirita e tbm sou muito cetico, muitas pessoas dizem que viu alguma coisa e tal, mas eu sempre penso e qualquer outra coisa plausivele cientificamente explicavel do que uma aparição. Mas há certas coisas que não tem como negar (o que não vem ao caso). Bom fica a dica.
concordo com o Marco Santos 🙂
Author
Quando se refere especificamente ao Benfica, Glorioso deve escrever-se com maiúsculas! 😛
Só com um L ?? 😛
Esse é jogador do glorioso Benfica! 😛
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Kardec_de_Souza_Pereira_Junior
😀
Se você gosta de física e de espírito, ler o livro do espíritos de alan kardec. Talvez você goste.
Adorei o filme da Nicole Kidman. Bem, quer dizer, adorei a parte final
😉
Tenho uma história parecida às tuas “histórias de fantasmas” com um copo e um tabuleiro de Ouija… 😀
Concordo inteiramente com isto:
“(…) o mundo do Além não deve estar sujeito às leis deste mundo, ou seja, não deve estar condicionado ao Espaço e ao Tempo.
(…) então não deve ser um espírito; é uma projecção do nosso cérebro (….)”
De resto, sobre “falamos com mortos” ou “fantasmas”, já deixei este comentário:
http://www.astropt.org/2010/07/09/depois-da-vida/comment-page-1/#comment-13943
“Prefiro saber (ter conhecimento, que é contrário de “acreditar”) que já fui parte de várias estrelas, que os átomos que me constituem já fizeram parte de estrelas e planetas, e que, quando morrer, esse meu ser irá novamente fazer parte de estrelas, planetas, nebulosas, e do Universo no seu todo.
Acreditar que vou-me limitar a vaguear pela Terra, sem sentido, à espera de quem me faça perguntas? Não, obrigado! Essa é uma crença mentirosa e limitadora.
Sei que voltarei “aos céus” e farei parte da constituição básica, fulcral, do Universo.
Os conhecimentos da astronomia permitem-nos perceber uma “espiritualidade” abrangente, que nenhuma religião, nem nenhuma crença pseudo, alguma vez lhe chegou aos calcanhares!”
😉
eu não me importo de fazer parte de nebulosas e afins se puder continuar a ser EU! sou muito egocentrica 😀 (isto para dizer q não suporto a ideia de EU desaparecer).