Crónica publicada no “Diário de Coimbra” a propósito do Dia Internacional da Mulher.
Que bela flor, ainda mais apetecível de dar e receber neste dia internacional da mulher. Inspire o seu perfume e mergulhe, brevemente, na história da vida que ela encerra.
Há pelo menos cerca de 130 milhões de anos (cretácio inferior) uma planta da espécie Archaefructus liaoningensis (ver aqui, aqui e aqui), cujo fóssil foi encontrado, em 1998, na província Chinesa de Liaoning, apresenta uma estrutura floral precursora das plantas modernas com flor: a internalização e protecção dos óvulos, ou células germinativas femininas, no interior da estrutura vegetal designada por carpelo. O ovário vegetal que se transformará no fruto.
Os paleobotânicos consideram a género Archaefructus presente nesse fóssil (actualmente conhecem-se três espécies extintas) a “mãe de todas as plantas com flor modernas” ou angiospérmicas, que hoje engloba cerca de 230 mil espécies por toda a biosfera. Aliás esta designação deriva das palavras gregas “angios” para “urna”, e “sperma” para “semente”. Por outras palavras é a antecâmara da semente encerrada num fruto.
Na evolução das angiospérmicas, a grande “inovação” da vida não foi tanto a modificação estrutural e funcional de folhas que se “converteram” em sépalas no cálice e em pétalas coloridas na corola, mas mais a modificação de uma incipiente folha numa túnica protectora do óvulo, que virá a dar origem ao ovário. Esta túnica foliar tornou o óvulo secreto e pudico, qual folha da videira a cobrir o ventre à Eva bíblica.
No Jardim Botânico da Universidade de Coimbra é possível observar, por esta altura do ano, exemplares de plantas gimnospérmicas (“gimnos” que significa “nu” em grego) que apresentam a descoberto os maiores óvulos do Reino Vegetal. São excelentes exemplares de Cyca revoluta, fósseis jurássicos vivos, que exemplificam o estado da arte da apresentação das células reprodutivas femininas antes da evolução para a flor.
Tanto quanto é possível saber hoje através dos registos fósseis, o primeiro ovário e as primeiras plantas com flor desenvolveram-se no paraíso do Cretáceo inferior (entre 145,5 a 99 milhões de anos atrás) no território que hoje é o continente asiático. A primeira flor desabrochou numa Terra repleta de dinossauros.
As flores hoje belas, perfumadas e delicadas, símbolos de emoções várias e muitas paixões, terão primeiramente funcionado como muralha protectora do precioso óvulo, contra a acção de besouros jurássicos, outros insectos e animais.
Acrescente-se de passagem que, após uma eventual fecundação, os óvulos darão origem a sementes e os ovários converter-se-ão em frutos mais ou menos suculentos, ou melhor, nutritivos para um potencial embrião.
Esta tendência protectora da célula germinativa feminina é uma constante da evolução da vida, iniciada primeiramente pelas plantas angiospérmicas e rimada sucessivamente pelos animais.
António Piedade
1 comentário
Excelente post. Muito interessante.
Os fósseis de Liaoning são inacreditáveis pela qualidade da preservação !
Luís