CÉREBRO COM 2500 ANOS

 

Crónica publicada no “Diário de Coimbra”.

A palavra “fóssil” deriva do étimo latino fossilis que significa desenterrado ou extraído da terra. O que é que está enterrado? Restos ou vestígios de animais, plantas e outros seres vivos que remontam a épocas passadas e que aparecem conservados em depósitos sedimentares, rochas encontradas no contexto geológico que é a crosta terrestre e cuja formação foi contemporânea desses seres vivos. Esta premissa permite inferir da idade do fóssil.

Os fósseis constituem o objecto de estudo da ciência designada por paleontologia, disciplina científica a que se deve a maior parte do conhecimento factual sobre o passado e evolução da vida no planeta Terra. A sua actividade experimental não se limita a encontrar fósseis, o que pode ser feito por qualquer cidadão independente da sua formação. O paleontólogo contextualiza o fóssil no registo geológico da história do planeta, reconstitui e interpreta o ecossistema passado, permite o conhecimento dos processos através dos quais a vida interage com o envolvente e evolui.

A ideia generalizada da raridade dos fósseis é falsa e talvez alimentada pela mediatização pontual e enfatizada da descoberta de um fóssil específico, cuja descoberta contribui para a explicação de um elemento em falta. É um pouco como as colecções de cromos. É relativamente fácil encontrar e acumular cromos e rapidamente preencher a caderneta respectiva até à situação da falta de um par de cromos, ditos raros. O entusiasmo e a notícia empolgada é assim alimentada pela ansiedade de encontrar os poucos cromos em falta e raramente festa é feita quando a caderneta fica preenchida o suficiente para se ter uma ideia global da constelação.

O processo de geração de um fóssil (outro aspecto de interesse da paleontologia) é um fenómeno comum associado à morte e mineralização de um dado organismo. Na realidade, têm sido encontrados fósseis dos mais variados seres vivos, mesmo aqueles que viveram há milhares de milhões de anos.

Dependendo das condições de fossilização, todas as partes dos seres vivos podem deixar registo fóssil, mesmo os componentes orgânicos mais delicados como sejam os tecidos moles. A maior parte das vezes, são outras formas de vida (animais, bactérias, etc.) que degradam e reciclam os restos constituintes de um determinado ser vivo impedindo assim que essas partes fossilizem. A alteração da constituição hídrica dos tecidos orgânicos altera também o registo fóssil em relação à realidade do ser vivo assim deixa testemunho.

Neste contexto, é de registar a descoberta de um cérebro praticamente inteiro no interior de um crânio humano com cerca de 2500 anos de idade (673 – 482 a.C. o resultado da datação por radiocarbono). A conservação do tecido cerebral encontrado, não sendo única, espanta exactamente pela raridade deste tipo de achados. O tecido cerebral é rapidamente degradado a não ser que disso seja inibido por qualquer processo de mumificação ou por condições específicas do seu enterro.

O cérebro pertenceu a um homem, com idade entre 26 e 45 anos, que terá sido enforcado e de seguida ritualmente decapitado. O crânio descoberto em 2008, em Heslington, no estado de York no Reino Unido, foi estudado por uma equipa multi-disciplinar liderada pelo arqueólogo britânico Mark Johnson. Os cientistas investigaram não só as condições singulares que permitiram a conservação do fragmento cerebral preservado desde a Idade do Ferro, mas também análises histológicas e biomoleculares. Foi possível determinar a constituição em aminoácidos, lípidos e proteínas especificamente do tecido nervoso (uma proteína proteolítica da mielina e outra específica dos oligodendrócitos).

Os resultados agora colocados online num artigo a publicar no Journal of Archaeological Science, indicam que o crânio deve ter sido enterrado rapidamente numa cova com uma grande espessura de argila húmida, em condições de muito baixo nível de oxigénio, o que, conjuntamente com outras condições encontradas, pode ter contribuído para a preservação dos tecidos encefálicos.

 

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