Ei-las todas, enchendo o céu, de canto a canto.
Nunca assim se espalhou, resplandecendo tanto,
Tanta constelação pela planície azul!
Nunca Vênus assim fulgiu! Nunca tão perto,
Nunca com tanto amor sobre o sertão deserto
Pairou tremulamente o Cruzeiro do Sul!
(Olavo Bilac – O Caçador de Esmeraldas – 1888)
DAS PATAS DE BICHO À BÚSSOLA E SÍMBOLO DE FÉ
Na Astronomia não é tão incomum a reclassificação de corpos celestes. No campo da Astrofísica planetária ou Planetologia tivemos a questão sobre o astro Ceres (considerado um planeta quando descoberto, reclassificado a asteroide alguns anos depois e promovido a planeta-anão recentemente) e da histórica epopeia sobre Plutão – considerado o nono planeta do Sistema Solar por mais de 70 anos, “rebaixado” (reclassificado) a planeta-anão, reforçado como origem da subcategoria dos plutoides para não deixar tristes seus fanáticos simpatizantes (sim, eles existem! E mais fanáticos que eles só os torcedores do Benfica!) e recentemente analisado suas características como as de um cometa.
Episódios assim também aconteciam no campo da Uranografia (ramo da Astronomia que estuda as constelações) antes dos agrupamentos estelares serem oficializados pela União Astronômica Internacional no início do século passado. Antes disso, ao longo dos anos, algumas constelações caíam em desuso, enquanto outras, por causa de sua utilidade ou vínculo a alguma cultura predominante, caíam nas graças não só dos astrônomos mas também de todo um povo.
Um exemplo de desclassificação foi o da constelação ‘Coração do Rei Carlos’, criada no século XVII em honra a um rei inglês que foi martirizado. O único vestígio que encontramos hoje desta constelação morta, além dos livros e atlas, é o seu nome em latim (Cor Caroli), que serviu para dar nome à estrela mais brilhante da atual constelação dos Cães de Caça. O Coração de Carlos foi rebaixado a asterismo.
Agrupamentos estelares que não fazem parte da lista de constelações oficiais são chamados pelos astronômos de asterismos (do grego asterismos, ‘grupo de estrelas’). As Três Marias (Cinturão de Órion) e as Sete Estrelas (Plêiades) são exemplos de asterismos. Alguns asterismos persistem como alternativa mais fácil para localizar alguma região do céu. Outras são vestígios de constelações antigas que, mesmo não sendo unanimidade entre os astrônomos, tinham elevado grau de popularidade entre leigos e outros profissionais que utilizavam a esfera celeste como referência ao seu cotidiano.
O Cruzeiro do Sul é um clássico exemplo de asterismo que foi promovido à constelação. Seguindo o mesmo caso das Três Marias (o conturão, parte de uma região celeste maior, a constelação de Órion), suas estrelas faziam parte das patas do mitológico Centauro, constelação vizinha bem extensa, até o final do Século XV, quando os navegadores começaram a explorar o hemisfério sul da Terra utilizando-as para se orientar nos oceanos. Diante dessa utilidade o Centauro sofreu uma amputação para formar então o crucifixo celeste.
O asterismo Cruzeiro do Sul poderia ter sido chamado de qualquer outra coisa se não fosse por um detalhe: na época das navegações as grandes potências europeias que investiam na exploração de novas terras e novos mares eram… cristãs. E qual o símbolo do Cristianismo?
Para os que foram colonizados por uma nação europeia cristã, parece óbvio fazer o desenho de uma cruz unindo suas estrelas principais. Mas se, por exemplo, a Europa daquela época fosse muçulmana, será que os navegadores chamariam essas estrelas de Cruzeiro? Se o Cristianismo e suas nações não tivessem alcançado seu auge na Europa, como esse grupo de estrelas seria denominado?
Instrumento indispensável de orientação dos navegadores e símbolo de uma religião que estava em seu auge, o pequeno notável Cruzeiro do Sul estava predestinado a ser uma constelação, o que aconteceu alguns séculos mais tarde quando começou a ser desenhado nos atlas separadamente de sua constelação originária e finalmente oficializada, há quase cem anos.
No post passado havia deixado no ar um enigma que estava estampado na bandeira do Brasil, quando comparada com outras bandeiras. Pode-se notar que a estrela quase central do Cruzeiro do Sul está desenhada de maneira diferente na bandeira brasileira. Este erro não foi lapso do desenhista, ou do artista quando ela foi criada em 1889. Para resumir, a esfera celeste estampada na bandeira brasileira foi desenhada tendo como referencial um observador situado fora dela (o que é impossível). A posição das estrelas foi baseada no dia e hora da Proclamação da República.
Sem dúvida, o desenho da esfera celeste torna a bandeira brasileira atraente, mas se começarmos a analisá-la minuciosamente sob o ponto de vista astronômico, veremos um grande número de discrepâncias que dariam para fazer uma tese (aliás, muitos estudiosos já fizeram isto), transformando uma boa ideia num verdadeiro desserviço à Astronomia.
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LOLLLLLLLLLLLLLLLL (a referência ao Benfica) 😀
[…] algo de errado na bandeira do Brasil, notou? Será que foi erro do desenhista ou esse erro foi proposital? Quem quiser arriscar algo […]