David Latham, do Harvard Smithsonian Center for Astrophysics e membro da equipa da missão Kepler, apresentou ontem, no 218º encontro da American Astronomical Society, uma primeira análise dos sistemas múltiplos descobertos nos primeiros 120 dias de observações. Durante este período foram detectados 1235 potenciais planetas. Destes, 827 estão em sistemas em que foi detectado um só planeta. Os restantes 408 estão em sistemas (170 no total) em que foram detectados 2 ou mais planetas. Em ambos os casos, isto não quer dizer que não haja mais planetas. Significa apenas que estes são os únicos planetas dos respectivos sistemas que realizam trânsitos detectáveis a partir da Terra.
De facto, para os trânsitos de um planeta serem detectados é necessário que o plano da sua órbita esteja alinhado de forma muito precisa com a nossa linha de visão a partir da Terra. O desvio permitido depende do tamanho da estrela e principalmente da distância do planeta à estrela hospedeira, mas é em geral muito pequeno.
(A relação entre a inclinação da órbita de um planeta e a probabilidade de detecção do seu trânsito. Crédito: missão Kepler)
Vejam o exemplo do nosso Sistema Solar observado à distância. Se a nossa linha de visão estivesse alinhada com o plano da Eclíptica, observaríamos os trânsitos da Terra e de todos os planetas do Sistema Solar excepto os de Vénus e de Mercúrio que têm inclinações de 3.4 e 7.0 graus, respectivamente, relativamente à órbita terrestre.
(Inclinação dos planetas do Sistema Solar relativamente à Eclíptica. Crédito: missão Kepler)
Latham salienta que, à priori, a equipa da missão esperava detectar muito menos situações em que vários planetas efectuariam trânsitos em torno de uma dada estrela hospedeira. Para que tal possa acontecer, as órbitas dos planetas nestes sistemas têm de estar quase perfeitamente alinhadas, com uma inclinação mútua mínima. De facto, as observações demonstram que na vasta maioria dos casos as órbitas têm inclinações inferiores a 1 grau. São sistemas extremamente planos !
Mas como é possível ter sistemas com esta configuração orbital tão precisa ? Tal configuração é natural num sistema formado a partir de um disco proto-planetário, mas com o tempo a interacção gravitacional entre os planetas pode alterar significativamente as órbitas originais. Latham explica que a resposta pode estar no tipo de planetas que compõem estes sistemas. De facto, nestes sistemas planos os planetas são todos mais pequenos, e provavelmente menos maciços, que Neptuno. Na imagem seguinte reparem que a vasta maioria dos planetas em sistemas múltiplos, os pontos a azul, está abaixo da linha correspondente ao tamanho de Neptuno.
(Os 1235 candidatos do Kepler: 827 isolados (a vermelho) e 408 em sistemas múltiplos (a azul). Crédito: missão Kepler)
Não existem gigantes de gás semelhantes a Júpiter ou Saturno. Estes gigantes, com o seu campo gravítico intenso, são responsáveis por desestabilizar os restantes planetas do sistema, alterando significativamente a inclinação das suas órbitas. Esta predominância de planetas relativamente pouco maciços pode explicar também a existência e longevidade de sistemas extremamente compactos como o Kepler-11 (figura seguinte), em que 5 planetas orbitam a estrela hospedeira a uma distância inferior à de Mercúrio ao Sol !
(O sistema planetário muito compacto de Kepler-11. Imagem pelo autor)
Podem ver a notícia original em inglês aqui.
1 comentário
Artigo no Público 🙂
http://www.publico.pt/Ci%C3%AAncias/um-terco-dos-planetas-detectados-pelo-telescopio-kepler-tem-companhia_1495736