Porque brilha a supernova na M51 ?

Num “post” anterior descrevi o processo que leva à explosão de uma estrela maciça e à formação de uma supernova como a que vemos actualmente na M51. Nessa altura parei a descrição quando a onda de choque proveniente do núcleo da estrela atingiu a superfície da estrela, tornando a supernova visível pela primeira vez. O que anteriormente era uma estrela é agora uma enorme bolha de plasma formado por núcleos atómicos, electrões livres e outras partículas em rápida expansão. A velocidade de expansão atinge tipicamente os 10 mil km/h.


(A curva de luz das supernovas de tipo “Ia” e de tipo “II”. Neste “post” falo apenas das supernovas de tipo “II” cujas curvas de luz variam bastante dada a grande diversidade de características das estrelas progenitoras. A curva de luz de uma supernova deste tipo pode ser dividida em três fases distintas: “A”, “B” e “C”. Crédito: Pearson Prentice Hall, Inc.)

A luminosidade da supernova em expansão é proporcional à temperatura, e à área, da superfície que emite radiação para o espaço — a fotosfera da supernova. Nos primeiros dias da expansão da supernova, a luminosidade no visível aumenta porque a temperatura desce devagar e simultaneamente a área da fotosfera da supernova aumenta enormemente. Este cenário continua durante vários dias até que a supernova atinge o máximo de luminosidade no visível. A partir deste ponto, a descida da temperatura da fotosfera deixa de ser compensada pelo aumento do seu tamanho e a luminosidade diminui rapidamente. Nesta fase, a supernova é uma enorme bolha de plasma em expansão. O gás encontra-se quase na totalidade ionizado pelo que é opaco à radiação. Dito de outra forma, a única radiação que vemos da supernova é proveniente da camada mais exterior da bolha formada principalmente por hidrogénio ionizado e electrões livres. As camadas interiores da supernova, contendo os elementos sintetizados pelas reacções de fusão nuclear, não são observáveis (fase “A”).

Entretanto, quando a temperatura atinge os 5000 Kelvin, os núcleos de hidrogénio recombinam-se com os electrões livres e o gás fica essencialmente transparente à radiação, permitindo que vejamos radiação proveniente de camadas mais e mais profundas à medida que a descida da temperatura se propaga ao interior da supernova. Este movimento da fotosfera para camadas progressivamente mais profundas da supernova sustém temporariamente a diminuição de luminosidade abrupta que se vinha verificando, porque permite que mais radiação saia da supernova para o exterior. Na curva de luz, este efeito aparece como um “planalto” durante o qual a luminosidade da supernova se mantém quase constante (fase “B”). A existência deste “planalto” indica que a estrela progenitora tinha uma quantidade apreciável de hidrogénio nas suas camadas exteriores. De facto, a duração desta fase permite, com informação complementar, inferir parte da estrutura interna da estrela progenitora.


(A diminuição da temperatura da supernova da periferia para o interior permite a recombinação do hidrogénio, tornando o meio transparente à radiação e permitindo que mais luz escape para o espaço. A fotosfera da supernova regride rapidamente até encontrar uma zona mais central contendo elementos sintetizados, representada pelo círculo laranja. Crédito: Swinburne University of Technology.)

Este “planalto” temporário termina quando o gás se torna transparente até às camadas mais interiores da supernova, permitindo que luz proveniente dos elementos pesados sintetizados escape para o espaço. A luminosidade da supernova começa de novo a diminuir e desta feita a supernova parece não ter mais nenhum truque que permita inverter esta situação. Mas eis que somos de novo surpreendidos. Entre os elementos sintetizados há uma enorme quantidade de núcleos atómicos radioactivos. Em particular, a fusão do silício numa supernova de tipo “II” durante a propagação da onda de choque produz uma grande quantidade de 56Ni (um isótopo instável do níquel). [Nota: isótopos são átomos de um mesmo elemento que diferem entre si pelo número de neutrões no núcleo.] Este isótopo tem uma vida média de 6.1 dias e decai no 56Co (um isótopo do cobalto). [Nota: não é possível prever o decaimento radioactivo de um núcleo atómico. No entanto, um conjunto de núcleos de um dado isótopo decaem de forma previsível. Dizer que o 56Ni tem vida média de 6.1 dias quer dizer que se tivessemos 1000 núcleos de 56Ni agora, ao fim de 6.1 dias teríamos apenas 500, ao fim de mais 6.1 dias teríamos apenas 250, etc.]


(Os decaimentos radioactivos que transformam o 56 Ni em 56Co e o 56Co em 56Fe. Note-se que cada decaimento dá origem a raios gama e, em alguns casos, positrões.)

O decaimento radioactivo dos núcleos de 56Ni e liberta radiação gama que ioniza e aquece o gás da supernova, contribuindo para a sua luminosidade. Uma vez que a vida média deste isótopo é de apenas 6.1 dias, a maioria dos núcleos de 56Ni decaem antes de terminar a fase do “planalto”, cerca de 100 dias após a explosão. Por outro lado, o 56Co resultante decai com vida média de 77.1 dias em 56Fe (um isótopo estável do ferro). Este decaimento pode acontecer por duas vias distintas, com diferentes probabilidades, e dando origem a produtos ligeiramente distintos. Os raios gama libertados nestes decaimentos são específicos e quando observados com observatórios como o telescópio Fermi, permitem identificar sem ambiguidade estes isótopos em remanescentes de supernova. Esta radiação foi efectivamente detectada para várias supernovas de tipo II nesta fase da sua evolução, corroborando este cenário. De facto, o declive na curva de luz da supernova nesta fase obedece exactamente a uma lei exponencial, diminuindo a luminosidade quase para metade em cada 77.1 dias (fase “C”).

Existem naturalmente outros isótopos radioactivos que contribuem para o brilho da supernova mas que em função da menor quantidade em que são produzidos ou pela sua vida média não assumem uma importância tão grande como este ciclo envolvendo o 56Ni, o 56Co e o 56Fe. O 44Ti (um isótopo do titânio), por exemplo, tem uma vida média de cerca de 60 anos (ainda não foi determinada com precisão) e contribui significativamente para o brilho da supernova várias centenas de anos após a explosão original. Para descobrir novos remanescentes de supernovas os astrónomos tentam detectar novas fontes de raios gama com o comprimento de onda específico associado ao decaimento do 44Ti. Em remanescentes mais antigos os raios gama provenientes do decaimento do 44Ti serão já difíceis de detectar pelo que outros isótopos, e.g. o 26Al (isótopo do Alumínio) com uma vida média de cerca de 700 mil anos, são utilizados.

Em resumo, inicialmente uma supernova brilha devido à radiação emitida pelo material a temperaturas muito elevadas e em expansão rápida pelo espaço. Perdido o ímpeto inicial da explosão, a supernova brilha porque é aquecida pela radiação gama libertada no decaimento de isótopos radioactivos produzidos nas reacções nucleares de fusão desencadeadas pela onda de choque que destruiu a estrela.

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