(Crédito: National Science Foundation, Dunn Solar Telescope, NSO.)
Os trânsitos de um planeta em frente da sua estrela hospedeira têm uma enorme importância científica pela quantidade notável de informação que permitem obter sobre o sistema. Ainda recentemente, Heather Knutson, uma especialista na área, reforçou esta ideia numa entrevista ao AstroPT. A propósito, ontem foram disponibilizados dois artigos, por equipas independentes, onde são estudados os trânsitos do exoplaneta HAT-P-11b com base em observações realizadas pelo telescópio Kepler, nos primeiros 4 meses da missão. Trata-se de um “Neptuno Quente” descoberto em Janeiro de 2009 pelo projecto HATNet. Tem um período orbital de 4.9 dias, um raio de 4.7Rt e massa de 26Mt (Rt=raio da Terra, Mt=massa da Terra). Como termo de comparação, Neptuno tem um raio de 3.8Rt e uma massa de 17Mt. Situada a aproximadamente 120 anos-luz, a estrela hospedeira é uma anã laranja, de tipo espectral K4V e muito activa.
Os artigos agora publicados descrevem um efeito muito interessante detectado nos trânsitos e um método engenhoso que aproveita esse efeito para obter informação importante sobre a órbita do planeta e sobre o ciclo magnético da estrela. A imagem seguinte mostra a curva de luz da HAT-P-11 ao longo do período de 4 meses.
(Crédito: Sanchis-Ojeda et al.)
Para além dos 26 trânsitos detectados (filas de pontos na vertical, os trânsitos 10 e 13 não foram observados) é notória a variabilidade da estrela. As variações de brilho são devidas ao movimento de rotação da estrela conjugado com a existência de grandes manchas estelares (equivalentes às manchas solares) na fotosfera da estrela. Reparem agora na figura seguinte que mostra cada um dos trânsitos em pormenor. Os pontos representam medições do brilho realizadas pelo Kepler. A linha cinza suave corresponde à melhor aproximação da variação do brilho da estrela durante o trânsito. Em condições normais os pontos deveriam seguir de muito perto esta linha pois a precisão das observações é excelente.
(Crédito: Sanchis-Ojeda et al.)
A parte mais interessante nos vários trânsitos consiste nos pontos representados a vermelho, formando pequenas protuberâncias na curva de luz. A interpretação directa do gráfico diz-nos que, nestes pontos, a luminosidade do sistema aumenta mesmo em pleno trânsito, algo que é contra-intuitivo. No entanto é exactamente isso que está a acontecer. A actividade da HAT-P-11 faz com que tenha grande número de manchas estelares na sua fotosfera que contribuem negativamente para o brilho da estrela. Por outro lado, durante o trânsito, o planeta atravessa a estrela contribuindo igualmente de forma negativa para o brilho. Ocasionalmente, o planeta, visto da Terra, poderá passar directamente em frente de uma das manchas estelares. Nesta situação, o brilho aparente do sistema aumenta pois as duas contribuições negativas para o brilho da estrela, do planeta e da mancha estelar, passam a ser, por instantes, apenas uma.
As duas equipas observaram que a ocultação de manchas durante os trânsitos ocorre preferencialmente em duas fases do mesmo, quando o planeta está a atravessar uma latitude específica da estrela. Os autores pensam que esta será a latitude onde se concentra, nesta fase do ciclo de actividade magnética da HAT-P-11, a maior parte das manchas estelares. De facto, o estudo dos trânsitos permite determinar com rigor a corda associada ao percurso do planeta pelo disco da estrela visto a partir da Terra. Em cada fase do trânsito podemos saber exactamente em que ponto da estrela se encontra pelo que, se detectamos uma protuberância na curva de luz do trânsito, saberemos exactamente em que posição do disco se encontra a mancha estelar respectiva. Trata-se de um método engenhoso que combina a observação dos trânsitos com argumentos geométricos para obter informação sobre a actividade magnética da estrela hospedeira. O estudo permitiu ainda deduzir que a órbita do planeta se encontra num plano quase perpendicular ao plano que contém o equador da estrela. Este resultado está de acordo com medições independentes obtidas pela medição do efeito de Rossiter-McLaughlin para o sistema.
Um outro exemplo do efeito das manchas estelares nas curvas de luz dos trânsitos pode ser visto nas observações da CoRoT-2, uma estrela muito activa de tipo espectral G7V orbitada pelo CoRoT-2b, um Júpiter Quente com 3.3Mj (Mj=massa de Júpiter). Vejam a imagem seguinte com a curva de luz da estrela onde são evidentes as variações de grande amplitude, devidas à rotação e às manchas estelares, e os trânsitos do planeta.
A figura seguinte mostra 77 trânsitos do CoRoT-2b onde são visíveis os efeitos da ocultação de manchas estelares durante os trânsitos. Um estudo detalhado destes trânsitos revelou que as manchas estelares na CoRoT-2b tem dimensões superiores às do Sol e são mais frias, evidenciando uma actividade magnética intensa.
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