É frequente dizer-se que os planetas do Sistema Solar orbitam em torno do Sol. Isto não é verdade, é apenas uma aproximação do que acontece na realidade. Para sermos exactos, os planetas *e* o Sol orbitam todos em torno de um centro de massa comum também designado de baricentro do Sistema Solar. Para melhor visualizar o que acontece e perceber as consequências deste facto, começamos com um exemplo simples. Imaginem um sistema formado apenas pelo Sol e por Júpiter. Os dois orbitam um centro de massa comum, o baricentro. Este ponto imaginário (não há lá nada de especial) está muito mais próximo do Sol do que de Júpiter porque o Sol tem uma massa muito maior. A imagem seguinte descreve a situação de uma forma exagerada para facilitar a visualização. O Sol é o corpo de massa m1, Júpiter o de massa m2 e X marca a localização do baricentro do sistema.
Tanto Júpiter como o Sol têm uma órbita cujo foco é o baricentro do sistema. Se observássemos o movimento do Sol relativamente ao baricentro ao longo do tempo obteríamos a imagem que se segue, uma órbita de pequena dimensão. A órbita do Sol tem a mesma excentricidade que a de Júpiter pelo que é quase circular. Apesar da órbita do Sol em torno do baricentro ser muito mais pequena do que a de Júpiter, os períodos orbitais são exactamente os mesmos, cerca de 12 anos. Outro ponto interessante consiste no facto de, num dado momento, o Sol e Júpiter estarem sempre em lados opostos do baricentro, quase como equilibrando uma balança imaginária. Vejam estas animações para terem uma ideia do que acontece aos dois corpos num tal sistema, com diferentes distribuições de massa e excentricidades.
O mesmo princípio é válido quando incluímos não apenas Júpiter mas também os restantes planetas do Sistema Solar. Assim o Sol e os planetas orbitam em torno de um centro de massa comum. A contribuição de cada planeta para o movimento do Sol em torno do baricentro depende da sua massa e distância. Para além de Júpiter, as maiores contribuições para o movimento orbital do Sol provêm de Saturno, Urano e Neptuno. O movimento resultante torna-se bastante mais complexo e deixa de ser uma curva fechada, como se pode ver na figura seguinte. Notem que o movimento do Sol é muito pequeno, no máximo cerca de 0.01 u.a. correspondendo a cerca de 1.5 milhões de quilómetros, quando comparado com o seu raio de 1.4 milhões de quilómetros ! Os dois vídeos seguintes ilustram de forma muito interessante o que acabei de descrever.
Dadas as características de um qualquer sistema planetário e da sua estrela hospedeira, é possível calcular de forma simples o movimento da última em torno do baricentro do sistema. Tal foi feito por exemplo por Perryman et al., como parte de um estudo mais geral, para os sistemas representados na figura seguinte detectados previamente pela técnica da velocidade radial. Perryman e colegas assumiram para o cálculo referido que as massas dos planetas correspondiam aos valores mínimos obtidos através da dita técnica.
As imagens seguintes mostram o movimento das estrelas hospedeiras em torno do baricentro para alguns dos sistemas representados na figura anterior. Na primeira imagem, o exemplo em cima à esquerda corresponde ao Sistema Solar e inclui apenas as contribuições de Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno (“4 planets”) e corresponde à trajectória observada ao longo de 60 anos (“60 yr”). Notem ainda que a escala não é a mesma em todas as imagens: a amplitude e forma do movimento depende da massa dos planetas e da arquitectura de cada sistema.
Imaginem agora que temos à nossa disposição um telescópio de grande resolução no espaço (na superfície terrestre a atmosfera impossibilita observações com este nível de resolução em comprimentos de onda do visível) e que com ele observamos o Sol à distância, medindo cuidadosamente a sua posição. Ao fim de alguns anos, veríamos o Sol descrever uma trajectória complexa em torno de um baricentro imaginário, apesar de não conseguirmos observar directamente nenhum dos planetas do Sistema Solar. O ponto que é realmente interessante é que é possível inverter o cálculo feito por Perryman e co-autores, i.e. dada a trajectória em torno do baricentro observada para uma estrela é possível calcular quantos planetas são necessários para produzir este efeito e reconstruir completamente as suas órbitas ! As observações são incrivelmente difíceis de fazer devido à precisão necessária para medir o movimento em causa. Por exemplo, se o Sol estivesse a uma distância de 32.6 anos-luz (10 parsecs), o efeito de Júpiter no Sol teria uma amplitude máxima de apenas 1 mili-segundo de arco (0.001″) ! Este princípio observacional é precisamente a base da técnica da astrometria aplicada à descoberta de exoplanetas.
Como todos os métodos a astrometria tem vantagens e desvantagens. Podemos enumerar como principais vantagens o facto de: (a) permitir caracterizar completamente as órbitas dos planetas, incluindo a inclinação mútua das mesmas e as massas reais dos planetas; (b) permitir a determinação da distância à estrela (pelo paralaxe) e do seu movimento próprio (movimento aparente da estrela no plano perpendicular à nossa linha de visão); (c) detectar mais facilmente planetas mais afastados da estrela hospedeira, ao contrário da técnica da velocidade radial, e; (d) não ser (quase) limitada pelo ruído intrínseco das estrelas (“jitter”), ao contrário das técnicas da velocidade radial e dos trânsitos. As principais desvantagens, por outro lado, são as seguintes: (a) requer medições astrométricas de precisão extrema só possíveis de realizar a partir do espaço, usando interferometria, o que aumenta a complexidade técnica e custo das missões, e; (b) só pode ser utilizada para estrelas relativamente próximas uma vez que o movimento aparente de uma estrela em torno do baricentro do seu sistema planetário descreve um ângulo no céu que é inversamente proporcional à sua distância.
A astrometria foi o primeiro método utilizado pelos astrónomos na tentativa de detectar planetas em torno de outras estrelas. Em 1943 o astrónomo Kaj Strand do Observatório Sproul (Estados Unidos) anunciou a descoberta de um planeta em órbita de uma das componentes da estrela 61 do Cisne, um sistema a apenas 11 anos-luz. Em 1960 foi a vez de Sarah Lippincott, do mesmo observatório, a reclamar a descoberta de um planeta em torno da estrela Lalande 21185, uma anã vermelha a apenas 8 anos-luz. Finalmente, em 1963, o director do observatório, Peter Van de Kamp, anunciou a descoberta de um planeta em torno da estrela de Barnard, outra anã vermelha desta feita a 6 anos-luz. As medições eram feitas directamente sobre placas fotográficas obtidas com o refractor de 61 cm do observatório e eram tecnicamente muito difíceis. Apesar de inicialmente aceites pela comunidade, nenhuma destas descobertas foi posteriormente confirmada usando tecnologia mais avançada e precisa. Actualmente é consensual que os sinais dos supostos planetas detectados pela equipa do Observatório de Sproul resultaram de erros sistemáticos introduzidos inadvertidamente nas medições. Esta situação teve um impacto muito negativo na credibilidade da astrometria como meio para detectar exoplanetas.
A localização ideal para um observatório astrométrico para a detecção de exoplanetas é no espaço, mas até à data ainda não existe uma missão dedicada para o efeito. O telescópio espacial Hubble, mais concretamente um dos seus Fine Guidance Sensors (FGS) que pode ser utilizado para realizar medições astrométricas com uma precisão excepcional, tem vindo a ser utilizado para estudar alguns sistemas planetários mais próximos. O objectivo é determinar a massa real dos planetas individuais (a velocidade radial só permite a determinação da massa mínima dos planetas) e a inclinação das suas órbitas (um dado muito importante para aferir a estabilidade dos sistemas planetários em causa). Estas observações produziram a primeira determinação directa das massas e inclinações das órbitas dos planetas -c e -d da estrela Upsilon Andromeda e do planeta mais exterior de 55 Cancri. Também foi possível determinar que um exoplaneta descoberto pela velocidade radial em torno de HD33636 é afinal uma anã vermelha com um décimo da massa do Sol, numa órbita quase perpendicular à nossa linha de visão.
Mais recentemente foram propostas várias missões baseadas nesta técnica para a detecção de exoplanetas. A missão SIM Lite Astrometric Observatory (SIM Lite), inicialmente designada de Space Interferometry Mission (SIM), da NASA, propunha-se examinar um conjunto de 60 estrelas na vizinhança do Sol determinando se estão acompanhadas por planetas e caracterizando os respectivos sistemas planetários. Infelizmente, numa avaliação realizada em 2010, a missão não foi recomendada para desenvolvimento e a NASA não tem missões semelhantes planeadas para esta década.
A agência espacial europeia (ESA), por seu lado, está a desenvolver a missão GAIA, que deverá ser lançada em 2013 e permanecer activa por pelo menos 5 anos. Trata-se de uma missão muito ambiciosa uma vez que permitirá medir com extrema precisão a posição, a distância, o movimento próprio, o espectro e o brilho de mil milhões de estrelas. Com efeito trata-se de uma espécie de censo estelar que irá abranger quase 1% das estrelas da nossa Galáxia ! Não se trata de uma missão desenhada especificamente para a detecção de exoplanetas, no entanto as medições astrométricas de grande precisão permitirão a detecção e caracterização de sistemas planetários em redor de estrelas próximas.
Recentemente surgiu uma nova proposta de uma missão astrométrica, em avaliação pela ESA, denominada de Nearby Earth Astrometric Telescope (NEAT). Se for selecionada para desenvolvimento, a missão utilizará duas naves, uma contendo um telescópio e outra um detector movendo-se em formação e separadas por 40 metros, para inspeccionar cerca de 200 anãs de tipos espectrais F, G e K até a uma distância de aproximadamente 50 anos-luz (15 parsecs). A precisão obtida com esta configuração é absolutamente incrível, cerca de 0.05 micro-segundos de arco (0.00000005″), superando mesmo a precisão da missão GAIA. Podem ler um artigo descrevendo a proposta da missão aqui. A figura seguinte mostra a configuração do sistema óptico, distribuído pelas duas naves.
O futuro parece assim prometedor para esta técnica que depois de todos os falsos arranques deverá assumir um papel fundamental no primeiro censo completo de sistemas planetários em torno de estrelas na vizinhança do Sol.
1 comentário
Gostei muito deste post! 🙂
Além do conteúdo (texto), o aspecto gráfico está muito “agradável” e lembrei-me muito da beleza da composição gráfica (paginação) dum livro que é um dos meus favoritos:
Man Probes the Universe – Aldus Books – 1964 – Modern Knowledge nº1
Em particular fui rever a página 31 e lembrei-me de ainda em criança ter intermináveis discussões com uma outra criança que me dizia que o que se via na fotografia nessa página não podiam “nunca” ser planetas, porque os planetas tinham a forma de bolinhas como os berlindes, e nunca poderiam ter aquele aspecto, e que as legendas deviam estar erradas…
Nem eu nem ela sequer sonhávamos nessa época com a explicação da existência de riscos nessas fotografias que são devidos a estes fenómenos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Valor_de_exposi%C3%A7%C3%A3o / http://pt.wikipedia.org/wiki/Velocidade_do_obturador
Link para o livro: http://www.amazon.co.uk/Man-Probes-Universe-Modern-Knowledge/dp/0490000401
Sobre o autor: http://en.wikipedia.org/wiki/Colin_Ronan
Curiosamente, o livro não me parece muito desactualizado… e tirando (para já) a pág 14 é dificil ver onde é que seria necessário corrigir / actualizar / completar a informação.
Claro que há mais algumas (poucas?) páginas:
Por exemplo, a legenda da ilustração na página 138 é muito surpreendente (ainda terem publicado isso em 1964), e que diferença entre o telescópio na página 143 e o telescópio espacial Hubble!
E mesmo assim, todos os componentes básicos dum telescópio espacial já estão lá e até estão bastante “correctos”.
Esse desenho de ficção científica lembra-me bastante a banda desenhada da época, sobretudo alguns dos desenhos do Zero-X http://en.wikipedia.org/wiki/Zero-X que se podem ver nesta publicação http://en.wikipedia.org/wiki/TV_Century_21
Por último, a tabela “the satellites of the planets” na página 148 ainda pode ser útil, (suponho) embora como que sabemos actualmente esteja relativamente incompleta….
🙂