A Ciência dos Cientistas e a Ciência dos Sociólogos

O Construtivismo sociológico é um pensamento que se baseia no facto de a ciência ser produto da sociedade. Esta determina as crenças dos cientistas, ou seja, “é o contexto cultural que determina a crença da população numa determinada teoria científica” (aqui).

Para um construtivista o cientista engana-se a si mesmo quando garante que conhece a realidade. De facto, não reconheço que cientistas digam que conhecem a realidade. Um cientista não conhece a realidade, vai conhecendo um excerto da realidade que lhe é mostrada, mas não sabe se é a realidade ou se é uma projecção alterada. Disso sabemos nós. Só se pode afirmar que se conhece a realidade quando se tem a certeza de todo o mecanismo real e de todo o mecanismo que projecta versões alteradas da realidade. Estamos longe disso, e ainda bem. Só assim há motivação para descobrir. Quando descobrirmos tudo, o mundo será uma seca, como diz Carl Sagan: “Um universo em que tudo se saberia seria estático e aborrecido”(daqui).

Bruno Latour é um professor da École nationale supérieure des mines de Paris e da Universidade da Califórnia em San Diego. É filósofo e antropólogo. Latour mostra nos seus livros que a modernidade nunca passou de um projecto que falhou. Afirma ainda que “muito da ciência é pura ficção, construção das mentes dos cientistas”.

Um outro autor é Hossein Nasr. Para este islâmico a ciência não passa de um produto de um ocidente que coloca, até sob “tortura”, a natureza ao serviço do Homem. Até pensou em criar uma ciência alternativa baseada no conceitos hindus. Talvez conseguisse transformar a energia dos ventos usando a força da fé. Como é que alguém pode afirmar que a ciência ocidental (que é a mesma em qualquer lado do mundo e universo, pois baseia-se em leis universais) depende da cultura e que pretende elaborar uma nova ciência? Como fabricar novas leis? Impossível! Pode, isso sim, ser utilizada para diferentes fins. Sendo um produto sociocultural pode ser utilizada para promoção de determinados interesses. Aí estamos a referir-nos não à ciência mas sim à política. A ciência tem de ser alheia à política. Já escrevi que a ciência é neutra, nós é que a usamos da forma que queremos. Leiam aqui.

Já vimos como algumas pessoas pensam como a ciência é. Em parte é certo, mas a ciência destaca-se das crenças pois é portadora de um método que auto-corrige as hipóteses e que é um crivo cada vez mais fino. Vamos verificar o crivo através de publicações científicas.

 A Construção Científica

A ciência constrói-se mas é complexa. É complicado uma pessoa leiga entender um laboratório. Não se consegue explicar a ciência como ela é a um leigo, porque não entende. É necessário recorrer a analogias e simplificações, o que dá a sensação de estar a esconder alguma coisa ou abre falsas questões pois são questões direccionadas para essas analogias simples e não à ciência em si.

O trabalho dos cientistas, a ciência, é mostrada ao mundo através de meios de compreensão mais fácil. Através de meios de divulgação, como é o caso dos blogs, séries televisivas e revistas. Então a ciência é o que está nas revistas?

É verdade que a carreira de um cientista depende também dos artigos que publica, principalmente aqueles que são publicados em revistas conceituadas.

Os artigos que são publicados nas melhores revistas terão de passar por dois testes:

1 – Avaliação, por alto, da qualidade e da importância através do editor

2 – Cópias enviadas a especialistas da mesma área para que avaliem o artigo. Este processo é chamado de “peer-reviewed” (revisão por pares). Estes cientistas são responsáveis por observar a relação entre a metodologia e as conclusões do artigo.

Exitem agora dois parâmetros que qualifica uma revista:

1 – índice de citações – base de dados de artigos que indica a quantidade de vezes que foi citado por outros autores. Revela a importância do trabalho.

2 – factor de impacto – frequência em que um artigo é citado num determinado período. Determinado pela fórmula:

FI = n.º citações num ano / n.º items publicados nos 2 anos anteriores

                Pode-se ver os FI de várias revistas científicas aqui

4 comentários

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  1. Dário:

    Achei, está aqui:

    http://mendota.english.wisc.edu/~clc/Latour.pdf

    Tens de ler.

  2. Dário:

    Esse post é muito interessante e parece-me bem. Toda a tendenciosidade junta que existe na ciência não se compara ao que há no canto mais pequeno e das construçoes pseudocientificas.

    O queria só referir que o próprio Bruno Latour retratou-se bastante em relação às acusações anti-cientificas que fez e assume a responsabilidade de ter aberto as portas a muita pseudociência. Há um artigo dele no scicop ou na JREF que se chama wars qualquer coisas em que ele diz isso.

    Pelo qeu me lembro o antigo editor da Social Text nem por isso. E ainda anda a tentar vingar-se do Alan Sokal. Mas li isso à muito tempo, posso estar enganado.

  3. Por acaso, esse exemplo do Heliocentrismo é interessante.

    Não foi adoptado há quase 2500 anos por motivos alheios à ciência, mas sim por questões filosóficas e religiosas.

    E foi adoptado há 400 anos, por questões de mentalidade, e porque o Geocentrismo foi provado como errado.

    Mas o Heliocentrismo só foi comprovado cientificamente no século 19 😉

    Ou seja, a sociedade sobrepôs-se à ciência neste caso 😉

    • tiago fragoso on 13/09/2011 at 12:27
    • Responder

    Esses caras que você citou são muito radicais em termos de sociologia da ciência. Realmente não dá para afirmar que o pensamento científico seja simplesmente um equivalente igual aos outros modos de pensar criados pela humanidade como o pensamento mágico e/ou religioso.

    A diferença da ciência é que ela tem um método público, além de resultados públicos. Sempre que algum cientista encontra um resultado específico, outro cientista pode ir lá tentar reproduzir os mesmos procedimentos e corroborar ou não a descoberta.

    Para mim, é essa publicidade da ciência, um dos mais fortes fatores que a diferenciam de outros modos de pensar, notadamente o mágico e/ou religioso, baseados somente numa visão pessoal ou fé.

    Mas mesmo não sendo simplesmente uma maneira de pensar equivalente, acho que a ciência sim tem relações íntimas com o contexto social, político e cultural. O cientista com o seu experimento pode ter neutralidade. Mas a medida que os resultados e métodos científicos tornam-se públicos, eles entram no jogo da política.

    Claro que pode ser dito que isso já não está mais sobre a alçada dos cientistas. Mas temos que levar em conta que todo empreendimento científico é “financiado” com recursos públicos e/ou privados que inclusive determinam o que é prioridade em certa época para ser pesquisado. Sendo assim, acho que atividade de pesquisa pode até ser neutra e seus resultados também, mas as condições sociais e políticas em que esta atividade se dá tem sim uma influência pelo menos “negativa” nos resultados científicos.

    Um exemplo histórico desse fato é por exemplo o sistema heliocêntrico que já havia sido postulado muitos séculos antes, mas que somente foi aceito no século XVI. Outros exemplos podem ser trazidos, mas já estou me estendendo muito.

    No mais, ótimo post, sempre fico pensando nisso, sobre o que a ciência tem de diferente dos outros modos de pensar criados na história da humanidade.

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