Planetas e Impostores


(Os trânsitos do planeta Kepler-5b. Mas como sabemos que se trata realmente de um planeta ? Crédito: missão Kepler)

Quando o telescópio Kepler observa diminuições periódicas no brilho de uma estrela com todas as características dos trânsitos de um planeta, a dita estrela é adicionada a uma lista de candidatos. Para cada candidato é necessário depois realizar observações mais detalhadas para verificar se os trânsitos se devem realmente a um planeta. Ao contrário do que possa parecer, esta verificação pode ser extremamente complicada. Na realidade, um efeito semelhante a um trânsito pode ser provocado por um sistema binário com eclipses fortuitamente alinhado com a estrela segundo a nossa linha de visão. Um tal sistema é formado por duas estrelas movendo-se em torno de um centro de massa comum e que, periodicamente, passam em frente uma da outra. O alinhamento pode ser tão perfeito que a luz que vemos da estrela é na realidade uma mistura da luz da estrela e da luz do sistema binário. Estes alinhamentos são designados de “blends” (“to blend”: misturar de forma homogénea, inseparável) no jargão técnico.


(Planeta ou “blend” ? Um sinal com as características de um trânsito pode ser devido realmente ao trânsito de um planeta em frente de uma estrela, ou aos eclipses de um sistema binário cuja luz aparece misturada com a da estrela por um alinhamento fortuito. Crédito: François Fressin, missão Kepler)

Como podemos então confirmar que o sinal observado se deve realmente aos trânsitos de um planeta ? A forma mais simples de o fazer é através da medição da velocidade radial da estrela ao longo do tempo. Se o planeta for suficientemente maciço e/ou não estiver demasiado afastado da estrela a sua influência gravitacional faz-se sentir provocando uma variação periódica na velocidade radial da estrela (a componente da velocidade da estrela medida na direcção da Terra). A amplitude desse efeito é proporcional à massa do planeta e a um factor que depende da inclinação da órbita relativamente à nossa linha de visão. O ponto no entanto é simples: a detecção de variações periódicas na velocidade radial com o mesmo período dos pretensos trânsitos implica imediatamente que se tratam de trânsitos realizados por um planeta. Por vezes, no entanto, não é possível medir a velocidade radial da estrela com precisão, por exemplo, se esta for muito jovem e/ou activa. Há que usar métodos alternativos.

Se a estrela apresentar mais do que um sinal de trânsito, é possível garantir que estes são produzidos por planetas se forem observadas alterações nos instantes médios dos trânsitos (Transit Timming Variations, TTV). Estas variações são o resultado da interação gravitacional entre os planetas do sistema e permitem a determinação das suas massas individuais. Estes efeitos são subtis e fortemente dependentes das massas dos planetas e das suas distâncias mútuas. Por este motivo, esta técnica só pode ser utilizada num conjunto limitado de sistemas. O que nos resta então se também isto não funcionar ?

O caso fica mais complicado, não sendo possível em geral estabelecer com 100% de confiança a origem planetária dos trânsitos. Existem no entanto métodos que permitem identificar falsos positivos (isto é, sinais de trânsitos que não são devidos a planetas). Por exemplo, se um sinal de trânsito é devido a um planeta então a profundidade dos trânsitos é independente do comprimento de onda em que os observamos. De facto, a menos de efeitos mais subtis como o escurecimento do limbo da estrela ou a existência de uma atmosfera no planeta, a profundidade do trânsito só depende da razão entre a área do disco do planeta e a área do disco da estrela. Por outro lado, se o sinal é devido a um “blend”, a profundidade dos trânsitos depende em geral dos tipos espectrais das estrelas que compõem o sistema binário com eclipses, e portanto do comprimento de onda em que os observamos. Assim, a equipa da missão Kepler utiliza o telescópio espacial Spitzer para observar os trânsitos de candidatos no infravermelho. Se a profundidade observada pelo Spitzer é igual à observada pelo Kepler (no visível), então isto constitui forte evidência, embora não totalmente conclusiva, de que os trânsitos são realmente devidos a um planeta.


(Se os supostos trânsitos são produzido por um planeta então a profundidade dos mesmos deve ser independente do comprimento de onda em que os observamos. Diz-se que o sinal deve ser acromático (literalmente “sem cor”). Crédito: François Fressin, missão Kepler)

Por outro lado, uma ferramenta recente de software, designada de BLENDER, permite aos cientistas estudar uma enorme variedade de configurações possíveis para sistemas binários e determinar quais delas são capazes de mimetizar na perfeição os trânsitos observados. Esta análise é uma tarefa computacionalmente muito intensiva para a qual a equipa da missão Kepler utiliza um dos mais rápidos supercomputadores do mundo, o “cluster” Pleiades do Ames Research Center da NASA.


(O “cluster” Pleiades utilizado para as tarefas computacionalmente mais intensivas pela equipa da missão Kepler. Crédito: François Fressin, missão Kepler)

A raridade relativa destas configurações permite calcular a probabilidade de um conjunto de trânsitos observados serem devidos a um destes alinhamentos fortuitos. A equipa do Kepler designa este processo de “Planet Validation” em vez de “Planet Verification”. No segundo caso, a realidade do planeta é estabelecida sem sombra de dúvidas com base na velocidade radial ou TTVs. No primeiro, a realidade do planeta não é estabelecida com 100% de certeza, apenas com uma probabilidade muito elevada.


(O software “BLENDER” tenta determinar as configurações de sistemas binários capazes de mimetizar na perfeição um sinal de trânsito. Isto permite calcular a probabilidade do sinal ser um falso positivo, isto é, do sinal não ser devido a um planeta. Crédito: François Fressin, missão Kepler)

Devido às limitações de precisão da técnica da velocidade radial e à raridade de sistemas para os quais é possível medir TTVs, muitos dos candidatos descobertos pelo Kepler, em particular os semelhantes à Terra, só poderão ser “validados”. Tal é perfeitamente natural e não belisca os objectivos da missão que são fundamentalmente estatísticos. Pretende-se descobrir qual a frequência dos diferentes tipos de planetas em torno de outras estrelas e, em particular, a frequência de planetas semelhantes à Terra na zona habitável das respectivas estrelas hospedeiras.

2 comentários

    • duarte josé seabra on 27/10/2011 at 20:14
    • Responder

    “Estrela Binária eclipsa-se com Júpiter Quente,desfalcando telescópio Kepler em pléiade

    de planetas extra-solares,análise cuidada de observações dos últimos anos revelam que

    se trata de uma Estrela recidivante em imposturas planetárias !

    “Advogado Spitzer defenderá essa Estrela no processo que lhe foi levantado pelo temível

    Procurador Planetário Luís Lopes,o famoso “Fake Planet Buster”.

    (in”New York Post ,suplemento”Worst Astronomy Today”).

    agora,a sério,fantástico post;cada post.do Astro.Pt é melhor de que o anterior!
    obrigado a Luís Lopes & Colegas por
    nos tornarem inteligíveis estes temas actuais do “cutting edge”do conhecimento.

    • Renato Romão on 27/10/2011 at 18:41
    • Responder

    Excelente post.
    Obrigado por partilhar este conhecimento.

    Abraço

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