Acho que já faz parte do senso comum que os talk shows, não só em Portugal mas em todo o mundo, são um dos principais veículos de promoção de pseudociência e irracionalidade à disposição daqueles a que designamos carinhosamente por pseudos. Melhor do que os talk shows, só mesmo a internet. Contudo, consigo ainda ser surpreendido pela irresponsabilidade demonstrada na forma como alguns dos assuntos são tratados. Um destes casos é o de Cristina, uma mulher que está convencida de que tem a casa assombrada, e cuja história foi transmitida no programa “Querida Júlia” da SIC na quarta-feira passada. Segue-se o vídeo do programa.
Resumindo, temos uma mulher que:
- É profundamente supersticiosa, com uma tendência inata para encontrar padrões onde nenhum padrão existe, desde sonhos premonitórios até ao chilrear de pássaros;
- Recebeu uma série de narrativas sugestionáveis, desde os rituais de sacrífico animal supostamente efectuados na casa, passando pela doença misteriosa que afectou os antigos inquilinos, até às inúmeras imagens religiosas espalhadas pela casa e uma oração para “afastar espíritos”;
- Passa o dia em casa, propiciando-se assim a oportunidade para matutar continuamente no assunto, procurando sinais que confirmem a sua crença até nas coisas mais banais;
- Não dorme bem devido a pesadelos e porque se sente na obrigação de proteger os filhos. Sendo que a privação do sono é conhecida por provocar vários distúrbios ao nível cognitivo;
- Encontra-se visivelmente assustada e perturbada pelas coisas que tem vivenciado, sendo elas verdadeiras ou não.
Perante tudo isto o que é que o programa decide fazer? Chamar “especialistas” como a Team Anormal e uma espírita que em directo diagnosticaram mediunidade à Cristina, presenteando-nos assim, com o primeiro caso no mundo de mediunidade “cientificamente” demonstrada. Fascinante.
Isto faz-me lembrar um capítulo do livro “Um Mundo Infestado de Demónios”, onde Carl Sagan critica a prática de alguns terapeutas que têm por hábito estimular e aceitar como verdade as histórias de pacientes que acreditam ter sido raptados por extraterrestres. Isto pode até contribuir para o seu bem-estar imediato, mas promove também o seu afastamento da realidade, o que a longo prazo terá certamente consequências nefastas.
Ao apresentar apenas um lado da questão, o favorável à explicação sobrenatural, está-se a validar uma história que pode muito bem não passar de uma fantasia, iludindo os telespectadores mais impressionáveis, assim como, a contribuir para a degradação do estado psicológico da própria Cristina. Não deixa de ser irónico que as televisões apresentem este tipo de assuntos sob a bandeira da pluralidade de opiniões, mas não convidem especialistas que possam oferecer uma explicação mais simples e natural. Isto é feito com o claro intuito de não molestar as crenças de ninguém e perder audiências no processo, porque convenhamos, o sobrenatural será sempre mais sedutor enquanto a maior parte da população permanecer alheia à magia da realidade, que todos os dias e aos poucos é desvendada pela ciência.
A Team Anormal não faz ciência, faz pseudociência. Os caça-fantasmas ainda nem sequer provaram que fenómenos como os “cold spots” e “EVPs” são anómalos, quanto mais que só podem ser provocados por fantasmas. Estão por isso a pelo menos dois passos de fazer algo que se pareça remotamente com ciência. E espiritismo também não é ciência como uma convidada repetiu por diversas vezes, é um sistema de crenças, um dogma, que não tem nada a ver com o método científico. As pessoas têm direito à sua opinião, mas não à sua própria verdade.
O facto de alguns médiuns ou espíritas não cobrarem dinheiro demonstra que não são aldrabões, tudo bem. Mas não demonstra que consigam falar realmente com os mortos. Acreditar que o fazem não o torna verdade. Não existem só aldrabões e verdadeiros médiuns como foi dito no programa, isto é uma falsa dicotomia, nós somos extremamente fáceis de enganar, os ilusionistas e mentalistas ganham a vida assim. E a pessoa mais fácil de enganar de todas somos nós próprios. Há anos que James Randi testa pessoas que acreditam genuinamente ser médiuns, mas quando é feito um teste controlado e rigoroso vem-se a revelar que eles apenas se enganavam a si mesmos. O prémio de 1 milhão de dólares para quem conseguir provar qualquer afirmação do sobrenatural ou paranormal permanece por reclamar. É apenas questão dos “especialistas” que a “Querida Júlia” decidiu convidar inscreverem-se aqui e reclamarem o prémio.
Mais informação sobre a pseudociência dos caça-fantasmas aqui.
1 comentário
“A Team Anormal não faz ciência, faz pseudociência.” mas é fraquinha…
Adorei descobrir que existe um negócio para a Team Anormal..
Que triste mundo este onde estamos..