Mensagem de fim de ano: A vida muda

Fonte: Bule Voador

Autores: André Rabelo e Alex Rodrigues

“Há tantos mundos diferentes, tantos sóis diferentes, e nós temos apenas um, mas vivemos em mundos distintos. Agora o sol foi para o inferno e a lua está alta. Deixe-me dizer adeus, todo homem tem de morrer, mas está escrito nas estrelas e em todas as linhas de sua mão, somos tolos de guerrear com nossos companheiros de batalha”

– Dire Straits, 1985

Brothers in Arms foi um dos álbuns mais aclamados do Dire Straits. A música que intitula o álbum é também considerada por muitos uma das mais belas da banda. Para mim, a música ilustra com muita beleza e simplicidade a relação existente entre todos os seres humanos – somos companheiros de batalha. Mesmo com todas as nossas diferenças de gênero, cor, cultura, crença e idade, somos quase todos capazes de nos conectar com o sofrimento e com a alegria dos outros de maneira automática. Compartilhamos os mesmos desafios de sobrevivência que nossos companheiros de outras culturas – precisamos comer, beber, dormir e sorrir. Também compartilhamos estes mesmos desafios com os nossos antepassados. Portanto, não compartilhamos apenas um mesmo planeta e um corpo semelhante, mas um conjunto de desafios ambientais muito semelhantes que nos forçaram a encontrar soluções semelhantes. Se somos companheiros em uma mesma batalha, também compartilhamos de  armas semelhantes para enfrentar os mesmos inimigos.

Muitas pessoas relatam entrar em um estado de “retrospectiva automática” constante quando o final de um ano se aproxima. Lembramos das coisas boas, das coisas ruins, mas, principalmente, percebemos o quanto as coisas mudaram, às vezes mais rapidamente do que esperávamos. Neste redemoinho que é a vida humana em qualquer lugar que ela se desenrole, somos constantemente bombardeados com mudanças sem avisos prévios – políticas, sociais, científicas, afetivas e psicológicas. Nossas vidas pessoais e as vidas das outras pessoas parecem impotentes diante da força imponente da mudança, e isso pode nos amedrontar. Mas foi esta mesma força, a da mudança, que permitiu o surgimento da nossa espécie e a nossa possibilidade de experienciar, hoje, este natal e o fim de ano que se aproxima. Até onde sabemos, o universo parece ter como característica básica a sua dinâmica mudança constante. A natureza que conhecemos reflete esta certeza constante de que tudo situado neste universo haverá de mudar. Porque nós, manifestações desta mudança constante, não haveríamos de mudar?

O nosso medo excessivo da mudança inesperada pode nos tornar intolerantes e incompreensivos. Mas não deveríamos esperar o privilégio da  certeza e da estabilidade constante porque nada que conhecemos no universo possui tal privilégio. Sendo parte deste universo, nada mais previsível do que estar inserido neste fluxo constante.  Mais importante ainda, sem a mudança, correríamos o risco de nunca saber se estávamos errados. Por mais doloroso que possa ser o reconhecimento do erro para criaturas que tanto anseiam pelo entendimento das coisas, nós, enquanto humanos, não temos muitas alternativas. A diversidade de manifestações da natureza humana, seja através da orientação sexual, da crença em uma determinada religião ou das práticas em uma determinada cultura, também nos impele a estar sempre flexíveis e abertos a mudanças. É neste contexto que o humanismo secular se torna uma ideia tão poderosa, pois nos impele a superar nossos vieses cognitivos e enxergar humanidade naqueles que nos sentimos forçados a desumanizar, nos estimula a crescer diante do etnocentrismo característico de nossas mentes.

Aproveitando esta época em que a fraternidade e a reflexão ocupam muitos dos nossos pensamentos, esperamos que cada um de vocês sejam capazes de derrotar os seus próprios demônios internos, que lutem arduamente e alcancem suas metas desejadas, que consigam enxergar em qualquer ser humano, independente de suas características individuais e de suas ações, a humanidade que ele compartilha com você. Isso não significa, é claro, que devemos ser coniventes com as ações prejudiciais dos outros, mas que devemos buscar a resolução destes problemas de maneira racional e construtiva, sempre prezando pelo bem estar das pessoas, mesmo aquelas que causaram danos a outros, pois nunca sabemos quando nós é que precisaremos de contar com o humanismo dos outros por ter prejudicado alguém, mesmo que não-intencionalmente.

Esperamos que se sintam inspirados pelos seus sonhos todos os dias do próximo ano e que os cultive com carinho, sem permitir que acontecimentos banais os abalem. Se existe algo que dignifica o ser humano é enxergar sentido em sua vida, é ter sonhos para perseguir e pessoas para amar e conviver. Portanto, aproveite cada um dos seus dias. Eis um conselho que pode ser dado em qualquer dia do ano, mas que pode ter um significado especial nesta época em que algumas pessoas costumam fazer um retrospecto do que passou e novos planos para o que virá. Por mais que nossa expectativa de vida aumente ao longo do tempo, dificilmente deixaremos de ter a sensação de que a vida é muito curta. O tempo passa muito rápido, provavelmente não teremos tempo ou oportunidade de ver, ler, ouvir, assistir ou fazer tudo o que queremos. Por isso, nunca é demais repetir: Aproveite cada um dos seus dias. Mais do que isso, desejamos que este mundo que dividimos, habitado por tantos seres humanos, se torne  mais “humano” em 2012. “Somos tolos de guerrear com nossos companheiros de batalha” é o que Mark Knopfler afirma ao final de Brothers in Arms. Que esta tolice, então, seja a nossa batalha.

1 comentário

  1. Olha, André: meus sinceros parabéns pelo texto!

    O videoclip me fez “voltar” no tempo. Relembrar com nostalgia toda uma época de ouro na cultura, na sociedade, na arte e, principalmente, na música 😉

    Sou do tempo da fita cassete (K7), dos discos de vinil e das cartas. Do tempo em que faltava tecnologia, mas sobrava talento. Em que as pessoas prezavam mais pelo laço familiar, onde a moral e os bons costumes prevaleciam. Onde havia mais respeito entre as pessoas – até mesmo entre inimigos. Em que a televisão não deseducava tanto – envolvendo todas as faixas etárias. Em que se tinha mais respeito para com os pais e pessoas mais velhas.

    Lembro-me que o Natal era uma das épocas mais ansiosamente aguardadas entre nós. Se via muito carinho, respeito e bonança. Entretanto, tenho a ligeira impressão que, a cada ano, o espírito natalino está diminuindo. Estamos evoluindo na ciência e tecnologia e involuindo enquanto sociedade. Temo que se chegue o dia em que perderemos todas as emoções humanas, tornando-nos totalmente indiferentes uns com os outros. Em que até mesmo o Natal, a única época do ano completamente familiar, perderá seu brilho.

    E, ao que parece, tal dia não tardará…

    Pensemos nisso.

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