O meu ultimo “post” foi sobre a “mente aberta” e como eu vejo a utilização desse termo, por isso agora faz sentido “postar” um sobre a mente fechada. Aqui vem ele:
Toda a gente tem direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios factos, leis e teorias. Ou funcionam ou não funcionam. Ou funcionam mal. Mas seja como for, opinar não é a ultima palavra no mundo do conhecimento. É a primeira. É a que se tem quando não se sabe melhor que isso. Pode fazer falta, mas quando há melhor é preciso ter a mente aberta. Durante milénios não houve melhor. Durante 200.000 anos o homem não teve mais que senso comum e a sua opinião para o guiar. A escrita tem menos de 7000 anos e o conhecimento transmitido oralmente é uma lotaria.
Mas agora tem mais. Tem a filosofia desde a Grécia Antiga e a ciência desde Galileu.
Por isso, penso que o problema está em parte em achar que ninguém deve saber melhor que isso, que a opinião própria, sobretudo quando se trata da nossa opinião. Uma crença que em si deve ter dado segurança e determinação a milhares de homens durante milhares de anos.
É uma coisa relativamente nova poder dispor de tanto conhecimento que é melhor que o opinativo. Há quem considere que a inteligencia é precisamente a capacidade de adaptação a situações novas do ponto de vista evolutivo. Passar a pesquisar o que dizem os especialistas, o que está provado com rigor, como se pode saber o que se sabe, pode muito bem ser em si um sinal (mas não o unico!) de inteligência nessa perspectiva. Se não, pelo menos de “mente aberta”.
A “mente fechada” caracteriza-se não só por não estar aberta a avaliar imparcialmente as evidências como a não estar sequer aberta à sua pesquisa. Prefere fazer julgamentos rápidos menos informados a lentos e mais informados (dantes não era uma opção) e não obstante isso insiste que o seu, por ser seu, é o melhor.
A mente fechada recusa-se a ir mais longe que a opinião. Por preguiça, ignorância, teimosia ou impotência, escolhe defender uma opinião qualquer, que pareça simpática, e não está aberta a estudos sistemáticos, argumentos difíceis de perceber (sobretudo se envolverem matemática), ou que pura e simplesmente requeiram muita aprendizagem nova.
Frequentemente recorre a raciocínios falaciosos sem dar conta disso e considera um exotismo grotesco que se apontem falácias, não gosta que se critiquem as suas ideias – considera-as uma coisa pessoal – e até acha que a ciência ou a filosofia são uma questão de opinião. Aceita testemunho individual como evidencia forte, confunde carisma com autoridade, e vê facilmente relações de causalidade em coisas que tenham uma sequência temporal.
No entanto se lhes perguntarem, às mentes fechadas, se a realidade é uma questão de opinião, a maioria dirá que não. Mas isto não os fará enveredar por uma sede de investigação, procura de conhecimento ou coisa do género. Como se o conhecimento fosse a coisa mais bem distribuida deste mundo, e algo que nunca falta, estão sempre satisfeitas com o que têm e com a qualidade dos seus argumentos. Argumentos esses que lhes parecem bons desde que sejam a defender a ideia que já tinham antes. Coisa que devia era ser ao contrário – ter uma ideia porque é suportada por bons argumentos.
Mesmo quando proferem o seu mais potente argumento: “Porque eu acredito” ou “porque eu sei”, não se dão conta da inversão lógica. E este é o sinal patognomónico da “mente fechada”. É o considerar a sua opinião um argumento em si. Que acreditar é o ponto de partida para formar conhecimento – numa confusão desastrosa entre mapa e território. Está errado. Depois é enveredar numa odisseia de confirmation bias” e temos a mente fechada feita de ideias… Fechadas? Sim, é o termo correcto. Fechadas a serem testadas.
As coisas não são como são só porque nós gostávamos que fosse assim, fosse bom que fosse assim, acreditamos que é assim ou até que devia ser assim.
Dá trabalho, e às vezes não está ao nosso alcance perceber tudo. Mas sinceramente. Vale a pena.
Agora uma nota importante: A “mente fechada” de Linaeus, como digo a brincar, caracterizada por todos estes pontos o tempo todo, é uma abstracção. Não corresponde a ninguém. É um exagero para tentar caricaturizar um estereótipo de comportamento e um estado mental, não tanto de carácter – felizmente a mente fechada é algo que não ocorre o tempo todo mesmo nas mentes mais susceptíveis. Pelo menos que eu tenha presenciado.
2 comentários
Parabéns, João Coutinho, um texto inspirado e com visão correta.
Mais um belo texto, João! 😉