A equipa da missão Kepler disponibilizou recentemente um novo artigo que apresenta a análise dos primeiros 16 meses de dados recolhidos pelo telescópio pela nova versão do software de processamento de dados, designada de SOC 7.0 (SOC = Science Operations Center). O artigo, que tem como primeira autora a investigadora de origem brasileira Natalie Batalha, descreve a detecção de um número muito significativo de novos candidatos que se vêm juntar aos já listados nos dois catálogos de candidatos elaborados previamente pela equipa. O primeiro destes catálogos data de Junho de 2010 e identifica 312 candidatos, detectados em apenas 43 dias de observações. O segundo catálogo, apresentado em Fevereiro de 2011 lista 1235 candidatos, identificados através da análise de 13 meses de observações (trimestres Q1 a Q5, em inglês (Q) de “quarter”). Mais de 60 candidatos provenientes deste segundo catálogo foram já confirmados, incluindo por exemplo: Kepler-10b (primeira Super-Terra do Kepler), Kepler-16ABb (Tatooine), Kepler-20e e -20f (primeiros planetas mais pequenos que a Terra), e Kepler-22b (primeira Super-Terra ou sub-Neptuno na zona habitável).
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(Kepler-16ABb, o primeiro exoplaneta em órbita de um sistema binário, afectuosamente chamado de Tatooine. Crédito: Karl Tate, SPACE.com)
Durante um trimestre, o telescópio mantém-se fixo apontando para o seu campo de visão em Cisne. No final desse período, e para manter os painéis solares virados para o Sol, o telescópio tem de rodar 90 graus mantendo-se apontado para o mesmo campo em Cisne. Isto faz com que a mesma estrela seja observada em píxeis diferentes do CCD em trimestres diferentes. Ao fim de 4 trimestres, o telescópio volta à posição original (fez uma rotação de 360 graus). A nova versão do software de processamento de dados, disponível desde o Verão de 2011, é particularmente importante pois permite pela primeira vez à equipa “colar” observações de uma mesma estrela obtidas em trimestres distintos, corrigindo fielmente o ruído introduzido pelo hardware do telescópio, e corrigindo em particular o brilho da estrela em função da sensibilidade dos píxeis usados para a observar.
(As rotações trimestrais do telescópio Kepler tendo em vista manter os painéis solares voltados para o Sol. Crédito: DKG / Wikipedia)
(A curva de luz de Kepler-18, com três planetas detectados com trânsitos, em bruto (vermelho, em cima) e corrigida (azul, em baixo). Notem-se as descontinuidades dos valores em bruto no final de cada trimestre – a curva de luz parece recomeçar numa posição nova na vertical, o que corresponderia a uma variação grande de brilho da estrela. Na realidade isto deve-se a efeitos instrumentais, nomeadamente ao facto de a estrela ser observada por píxeis com sensibilidades diferentes em diferentes trimestres. O novo software permite eliminar estes efeitos de forma muito precisa. Crédito: missão Kepler)
Apesar de ter disponível apenas mais um trimestre (Q6) de dados, no momento em que o novo software se tornou disponível, a equipa decidiu re-processar os dados de todos os trimestres Q1 a Q6 beneficiando da precisão extra das curvas de luz que certamente iriam ser geradas. Em particular, a maior precisão permitiria detectar: planetas com períodos orbitais maiores (observamos mais tempo sem interrupções) e portanto trânsitos mais espaçados; planetas mais pequenos, colecionando múltiplos trânsitos de pequena amplitude e aumentando a precisão das observações (relação sinal-ruído). Para cada estrela, a pipeline de software recebe como input todas as observações realizadas ao longo dos trimestres Q1 a Q6. O resultado final consiste, para cada estrela, numa curva de luz muito precisa corrigida para os efeitos instrumentais referidos. Isto constitui uma tarefa computacional bastante intensiva. As curvas obtidas passam depois por um software que tenta detectar sinais de trânsitos de forma automática, elaborando uma lista de possíveis candidatos. As curvas de luz para esta lista preliminar são depois analizadas por um outro software que tenta avaliar a qualidade dos candidatos, i.e., se os sinais detectados só podem ser explicados por trânsitos planetários ou por efeitos alternativos. Só são incluídos no catálogo candidatos para os quais os testes realizados apontam com uma probabilidade muito elevada (>90%) para uma origem planetária.
Os resultados obtidos com esta nova análise foram impressionantes, resultando na identificação de 1091 novos candidatos planetários, um ganho de 88% relativamente ao número total de candidatos (1235) do catálogo de 2011. Os candidatos observados têm raios entre um terço o da Terra e três vezes o de Júpiter, correspondendo a profundidades de trânsito entre 20 partes por milhão e 20 partes por milhar no brilho da estrela hospedeira. Os períodos orbitais variam entre meio dia até quase um ano, correspondendo a temperaturas de equilíbrio (sem assumir o efeito de eventuais atmosferas) entre 3800 e 200 Kelvin. Os novos candidatos têm a seguinte distribuição por tamanhos (Rp – raio do planeta, Rt – raio da Terra): 196 (Rp < 1.25Rt, aprox. tamanho da Terra), 416 (1.25Rt < Rp < 2Rt, Super-Terras), 421 (2Rt < Rp < 6Rt, Neptunos), e 41 (6Rt < Rp < 15Rt, Júpiteres). Para além destes, existem ainda 17 candidatos incluídos no catálogo com raios superiores a 15Rt, dos quais uma pequena parte são 3 vezes maiores do que Júpiter e provavelmente não são planetas.
(Os candidatos do Kepler detectados no catálogo de 2010 (azul), no catálogo de 2011 (vermelho) e os novos candidatos (amarelo). As linhas horizontais marcam os raios da Terra, Neptuno e Júpiter para referência. De notar que a maioria dos novos candidatos são menores do que Neptuno e com períodos orbitais mais longos. Crédito: Batalha et al.)
Facto notável, dos novos candidatos, mais de 91% são mais pequenos que Neptuno! O número de candidatos com Rp > 2Rt cresceu apenas 52%. Isto é, o Kepler está cada vez mais eficiente a detectar planetas pequenos. Para além disto, o número de candidatos com período orbital maior do que 50 dias aumentou 123% relativamente ao catálogo de 2011 ao passo que os candidatos com períodos inferiores a 50 dias subiu apenas 85%. Com o passar do tempo o Kepler está a tornar-se mais eficiente a detectar planetas com períodos mais longos.
O número total de candidatos, os novos mais os do catálogo de 2011, passa agora a ser de 2321, associados a 1790 estrelas hospedeiras, o que implica que há muitos candidatos em sistemas múltiplos. De facto, das 1790 estrelas, 365 têm mais de um candidato planetário, correspondendo a 896 candidatos no total em sistemas múltiplos (com 2, 3, 4, 5 ou 6 planetas).
Podem ver o artigo aqui.
5 comentários
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E o link dado também por ti 🙂
http://kepler.nasa.gov/news/index.cfm?FuseAction=ShowNews&NewsID=190
Excelente notícia, excelente artigo! 😉
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Ufff….
:))) Obrigado Luís, que trabalheira que te dão os novos candidatos a Exoplanetas, não param de aumentar.
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😉
Já andava para “parir” este há uns dias. Tem sido uma semana de fugir…