No dia 26 de Outubro de 2011 tive a oportunidade de fazer uma visita ao Nuno Santos no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. Nessa ocasião o Nuno concedeu uma entrevista ao AstroPT que se encontra reproduzida em seguida. Desde já as minhas desculpas pela demora em tornar este material público no blog, e em particular ao Nuno Santos. A responsabilidade por este facto é totalmente minha, que subestimei o tempo necessário para transcrever e editar a entrevista audio gravada no dia referido. Vários outros factores contribuíram para a demora como a falta de tempo, o cansaço, o esquecimento ou simplesmente, por vezes, a preguiça. Felizmente, a maioria, senão a totalidade, do material da entrevista mantém a sua actualidade e penso será do interesse dos nossos leitores. Em certos momentos no texto fiz observações e perguntas adicionais interrompendo as respostas do Nuno Santos. Estes momentos encontram-se delimitados entre parêntesis rectos “[…]”. Preferi editar o material desta forma para evitar quebrar o fluxo natural do texto.
[AstroPT] – Como começou o teu interesse pela Astronomia? Qual o teu percurso académico?
[Nuno Santos] – Desde pequeno que quis ser astrónomo. Gostava de ciências. Podia ter sido também biólogo, paleontólogo, etc. Preferia assuntos que estivessem distantes no espaço ou no tempo. Fiz o percurso escolar normal e, a dada altura, uma tia minha que era professora do liceu soube da existência da APAA (Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores). Na altura fiz-me sócio e comecei a assinar, apesar de algumas dificuldades iniciais com o inglês, a revista “Sky & Telescope”. O bichinho da astronomia foi crescendo. Durante muito tempo fiz observações como astrónomo amador, em particular de estrelas variáveis. Quando completei o 12º ano decidi-me pelo curso de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Depois do curso veio o mestrado e o doutoramento em astrofísica.
[AstroPT] – Como começou a tua colaboração com a equipa do Observatório de Genebra liderada pelo Prof. Michel Mayor?
[Nuno Santos] – Aconteceu de forma acidental. Durante o mestrado tive a oportunidade de ir a uma conferência em Espanha, mais propriamente nas Ilhas Canárias, sobre exoplanetas e anãs castanhas. Estavamos em 1996, pouco tempo depois da descoberta do 51 Pegasi b, o primeiro planeta detectado em torno de uma estrela semelhante ao Sol. Apesar de estar ainda a frequentar o mestrado, pensava já no que iria fazer no doutoramento que se seguiria. Falei pessoalmente com o Michel Mayor na conferência e perguntei-lhe se haveria possibilidade de fazer o doutoramento na equipa dele, no Observatório de Genebra. Ele pediu o meu currículo e aceitou-me como aluno na condição de eu conseguir uma bolsa de doutoramento. Completado o mestrado consegui a bolsa e mudei-me para Genebra.
[AstroPT] – Podes descrever a tua equipa e os projectos em que estás envolvido actualmente?
[Nuno Santos] – Neste momento a equipa é constituída por 9 investigadores doutorados e 9 estudantes de doutoramento. Os alunos são financiados pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e por projectos europeus. Estamos ligados a vários projectos que envolvem o espectrógrafo HARPS, instalado no observatório de La Silla, no Chile. Para além dos programas de detecção de novos planetas, estamos também interessados na caracterização das estrelas que sabemos ter planetas, saber, por exemplo, a dimensão física, a massa, o estado evolucionário e a abundância relativa de “metais”. Estes parâmetros são importantes para compreendermos o fenómeno da formação planetária e o motivo porque certas estrelas têm determinado tipo de sistemas planetários. Também temos projectos que têm como objectivo o estudo do efeito da actividade estelar na detectabilidade de planetas pela técnica da velocidade radial. A actividade estelar introduz ruído nas medições da velocidade radial da estrela e nós estudamos formas de identificar estes efeitos e corrigi-los nos nossos dados. É um trabalho importante tendo em vista a nossa participação no projecto ESPRESSO (Echelle SPectrograph for Rocky Exoplanet- and Stable Spectroscopic Observations), um espectrógrafo de alta precisão que será montado num dos telescópios gigantes de 8.2 metros do VLT. Temos também colegas na equipa que fazem o seguimento (velocidade radial) de planetas detectados pelo método dos trânsitos. Para além do HARPS, temos colaborações com as equipas dos espectrógrafos SOPHIE (no Observatório de Haute-Provence) e CORALIE (no Observatório de La Silla).
Outros colegas trabalham com dados da missão Kepler, mais concretamente na análise da dinâmica dos sistemas planetários múltiplos detectados, tentando identificar efeitos como os TTV (Transit Timing Variations) que permitem uma estimação da massa dos planetas de forma independente da velocidade radial, usando exclusivamente fotometria das estrelas hospedeiras. Estabelecemos também colaborações com astrónomos amadores, e.g., em Portugal, o João Gregório, no seguimento de sistemas com trânsitos. Esta colaboração é preciosa dadas as nossas limitações de tempo, financiamento, e acesso a equipamento de observação.
[AstroPT] – Uma das linhas de investigação que prossegues consiste na caracterização das estrelas de tipo solar, nomeadamente as que constam do programa de observação do HARPS, em termos da metalicidade, isto é, a abundância de elementos mais pesados do que o hidrogénio e o hélio. Qual o objectivo deste tipo de estudo e a sua ligação com os exoplanetas?
[Nuno Santos] – O estudo das propriedades das estrelas dá-nos informação crucial para a compreensão do processo de formação planetária e a sua modelação teórica. Em particular, a correlação positiva entre a abundância de “metais” numa estrela (e portanto no disco proto-planetário que a terá circundado aquando da sua formação) e a frequência de planetas gigantes é um dos principais argumentos para defender a teoria de “core accretion” para a formação dos planetas gigantes. A teoria alternativa, designada de “disk instability”, sugere que uma tal correlação não deveria existir. Há outros detalhes interessantes que têm ligação com as abundâncias de elementos nas estrelas hospedeiras. Por exemplo, o planeta Kepler-10b, a primeira Super-Terra descoberta por essa missão, tem um raio muito pequeno para a sua massa e portanto uma densidade muito elevada. Isto implica que deve ter um núcleo maciço constituído maioritariamente por metais como o ferro e o níquel, e é na realidade mais parecido com um Super-Mercúrio. Não se sabe muito bem como é possível gerar núcleos tão maciços de metal mas uma hipótese consiste em isto se dever a uma super-abundância de ferro relativamente a outros elementos alfa (elementos formados pela adição de núcleos de hélio, designados de partículas alfa, aos núcleos do carbono, do oxigénio e, mais tarde, do silício) como o silício e o magnésio que são os elementos base da maioria das rochas nos planetas do tipo terrestre. Por outras palavras, o tipo de planetas formado poderá depender da abundância relativa dos vários “metais” no disco proto-planetário. Actualmente estamos a estudar este problema e esperamos compreender se é esta a razão para, por exemplo, o Kepler-10b, ter esta composição, ou se, alternativamente, ele já terá sido um planeta normal ao qual as camadas exteriores foram arrancadas pela radiação e pelo vento estelar intenso, uma vez que orbita muito próximo da sua estrela hospedeira.
Por outro lado, a determinação da metalicidade e de outras propriedades da estrela, e.g. níveis de actividade estelar, permite avaliar com mais precisão o seu estágio evolutivo e respectivo raio. O conhecimento preciso do raio da estrela é importante porque a técnica dos trânsitos só nos permite determinar a razão entre os raios do planeta e da estrela. Para calcularmos o raio real do planeta precisamos conhecer o raio da estrela. O valor obtido para o primeiro será tanto mais preciso quanto maior for a precisão com que conhecemos o segundo. Tenho trabalhado com a equipa do espectrógrafo SOPHIE no seguimento de candidatos do Kepler e utilizamos esta informação sobre as estrelas para calcular com precisão os raios dos planetas e mesmo para demonstrar que alguns não podem ser planetas.
[AstroPT] – Lideras um programa do HARPS para a observação de estrelas com metalicidade consideravelmente inferior à do Sol com o objectivo de determinar a frequência de planetas em torno das mesmas e as características da respectiva população planetária. Há conclusões que podem já ser extraídas deste programa?
[Nuno Santos] – Sabemos que em estrelas com metalicidade mais elevada a frequência de planetas gigantes é maior. Este é um resultado conhecido desde há vários anos e confirmado por várias equipas, inclusivé a nossa. Trata-se de um resultado muito robusto. O nosso programa, por exemplo, foi realizado há alguns anos utilizando exclusivamente o espectrógrafo CORALIE e observou uma amostra de 1000 estrelas escolhidas de forma uniforme.
Entretanto achamos importante quantificar melhor esta correlação com o HARPS. Para o efeito criamos um programa de observação para uma amostra de 100 estrelas pobres em “metais” (menos de metade da abundância de “metais” no Sol). Confirmámos que a frequência de planetas gigantes nestas estrelas é menor do que nas estrelas com metalicidades semelhantes à solar ou superiores. No entanto, verificámos também que essa frequência não é tão pequena quanto os estudos que referi poderiam sugerir. Em cerca de 80 estrelas (as únicas da amostra inicial de 100 que se mostraram suficientemente estáveis para fazermos observações) descobrimos 3 planetas gigantes, provavelmente 4 com mais um candidato que ainda é preciso confirmar. Isto corresponde a uma frequência de 3.8% a 5%. Com base nos estudos existentes da dita correlação, seria de esperar uma frequência de apenas 1% ou menos. Por comparação, para estrelas com a metalicidade solar a frequência prevista de planetas gigantes é de 3% e para as estrelas com metalicidade mais elevada pode situar-se entre 20% e 30%. Esta frequência mais elevada do que o esperado pode ser devida à elevada precisão do HARPS que permite a detecção de planetas não observados pelos vários projectos que estabeleceram a correlação com base em dados observacionais.
Actualmente estamos a estender esse programa original de 100 estrelas de baixa metalicidade, cujo objectivo era apenas a detecção de planetas gigantes, por forma a explorar a sensibilidade do HARPS, procurando planetas mais pequenos. As observações e os modelos teóricos apontam no sentido de a correlação entre a metalicidade e a frequência de planetas não se estender para os planetas mais pequenos. É fácil perceber porque tal deve acontecer. Se uma estrela tem elevada metalicidade, a probabilidade de se formar rapidamente um núcleo planetário maciço, com pelo menos 10 vezes a massa da Terra, no disco proto-planetário que a rodeia, é elevada. Estes núcleos são formados por metais, rocha e gelos, que só existem em abundância nos discos proto-planetários de estrelas com metalicidade elevada. Depois de formado um tal núcleo, este tem massa suficiente para capturar uma atmosfera maciça de hidrogénio e hélio, que são gases muito leves e que escapam facilmente do campo gravitacional de planetas mais pequenos. Este é, em essência, o mecanismo invocado para a formação de planetas gigantes pela teoria de “core accretion” que referi anteriormente. Estrelas com metalicidade baixa, por outro lado, dificilmente formam núcleos planetários tão maciços e portanto a formação de planetas gigantes é muito menos frequente. No entanto, não há razão para tais estrelas não conseguirem formar facilmente planetas mais pequenos como Neptunos, Super-Terras ou Terras. Por esse motivo esperamos encontrar muitos planetas destes tipos nesta amostra.
(O Observatório de La Silla, no deserto de Atacama, no Chile. Crédito: ESO)
[AstroPT] – Quantas vezes por ano e durante quanto tempo observas no Chile? Podes descrever resumidamente a rotina de uma noite de observações em La Silla? As observações podem ser analisadas em tempo real ou fazem isso apenas “off-line”?
[Nuno Santos] – Tipicamente vou a La Silla uma vez por ano. Tento não ir mais vezes por questões de financiamento e de logística. Normalmente estas estadias têm a duração de 10 a 15 noites dependendo se são observações com o HARPS (10 dias) ou com o CORALIE (2 semanas). As observações são feitas localmente pois é necessário tomar decisões em tempo real. Assim que obtemos o espectro de uma estrela podemos ver os resultados poucos minutos depois e podemos, em face dos mesmos, alterar a estratégia de observação, e.g. fazer mais observações da estrela se se detectar algum fenómeno interessante. Por outro lado, o céu pode não estar perfeito para o tipo de observações que fazemos o que obriga a alterar rotinas. Por exemplo, podemos ter de mudar os tempos de exposição ou decidir não observar estrelas mais fracas nessas noites. O ESO determina que estas observações têm de ser feitas por nós “in loco”, algo que eles designam de observações em “modo visitante”. Tirando estes desvios da rotina, os procedimentos de observação durante a noite são todos automatizados. No início da noite programamos as observações e o resto do tempo é passado a monitorizar o processo. De vez em quando saímos para comer qualquer coisa.
[Tens tempo para observar o céu? Qual é a sensação de ver o céu em La Silla? ]
O céu do hemisfério sul é fantástico, muito rico em objectos únicos como as Nuvens de Magalhães e o Saco de Carvão. Continuo a olhar para o céu como um astrónomo amador, no sentido apaixonado do termo. No entanto, as minhas actividades amadoras terminaram há muito. Actualmente a astronomia amadora faz-se de forma muito diferente do que acontecia quando eu fazia observações, especialmente no que diz respeito aos meios ao dispôr das pessoas interessadas nesta área. Nesta altura não tenho tempo para prosseguir com essas actividades mas compenso isso perfeitamente com a minha investigação.
[AstroPT] – Recentemente foste co-autor de um artigo que descreve a descoberta de novos planetas em torno de estrelas moderadamente activas. Anteriormente estas estrelas eram alvos problemáticos para a técnica da velocidade radial pelo ruído induzido pela actividade estelar. Como caracterizam este ruído e o eliminam depois nas medições da velocidade radial?
[Nuno Santos] – Tratam-se de estrelas que não são verdadeiramente activas. Antes, são estrelas que têm ciclos de actividade estelar de origem magnética, semelhantes ao ciclo solar de 11 anos. O Sol não é uma estrela activa no sentido normalmente utilizado quando falamos em velocidade radial. O ciclo magnético destas estrelas induz variações na velocidade radial (ruído) de baixa frequência (que varia lentamente com o tempo). O que nós descobrimos é que é possível corrigir esse ruído. Na realidade existe uma relação simples entre a actividade magnética da estrela, que pode ser quantificada através da observação de um conjunto bem definido de linhas espectrais, e a variação da velocidade radial induzida por esta actividade, e que depende apenas da temperatura efectiva da estrela. Isto permite-nos filtrar das nossas observações uma forma de ruído que há cerca de 3 anos atrás nem se sabia existir, e atingir uma maior precisão.
Em 2003, comecei um programa próprio de observação de um grupo de 8 estrelas apenas, para tentar detectar este tipo de sinais. Tive o azar de escolher apenas estrelas de tipo espectral K. Sabemos hoje que este tipo de ruído é quase inexistente para estrelas deste tipo espectral. É uma boa notícia. Quer dizer que quando medimos a velocidade radial destas estrelas não precisamos de corrigir este efeito. As estrelas de tipo espectral F e G, por seu lado, apresentam níveis de ruído apreciáveis, e portanto necessitam desta correcção.
(O espectrógrafo HARPS, um dos instrumentos utilizados pelo Nuno Santos em La Silla. Crédito: ESO)
[AstroPT] – Há um conjunto de 10 estrelas muito estáveis, sob o ponto de vista da velocidade radial, que estão a ser observadas com o HARPS com uma cadência mais elevada. Os primeiros planetas em torno de 82 Eridani, HD85512 e HD192310 foram já reportados. Qual o objectivo deste sub-programa?
[Nuno Santos] – O objectivo deste programa, liderado pelo Francesco Pepe, consiste em explorar ao máximo a precisão do HARPS. Para tal escolheu-se uma pequena amostra de estrelas brilhantes (para as quais é possível obter espectros com razão sinal/ruído elevada com exposições modestas) e estáveis em termos de velocidade radial (isto é com um ruído intrínseco muito pequeno). Todas as estrelas exibem fenómenos que provocam variações na velocidade radial que podem encobrir variações devidas a planetas. As fontes deste tipo de ruído são variadas, e.g., granulação na fotosfera. Um dos membros da nossa equipa, o Xavier Dumusque, estudou este ruído e determinou uma estratégia de observação que permite minimizar os seus efeitos nas medições da velocidade radial: observar a estrela durante 10 minutos, 3 vezes por noite, de 2 em 2 horas. Nestas condições demonstrou-se que o HARPS consegue atingir uma precisão de 10-20 cm/s nas medições [10 cm/s é a amplitude da variação na velocidade radial do Sol provocada pela Terra]. Não estamos à espera que o HARPS permita detectar planetas semelhantes à Terra e em órbitas similares. No entanto, esta estratégia permite aumentar a precisão e detectar planetas substancialmente menos maciços do que seria possível em condições normais. O Francesco propôs o seguimento de 10 estrelas utilizando esta estratégia. Sacrifica-se o número de estrelas no programa por uma maior cadência nas observações para obter maior precisão. Um dos resultados é particularmente interessante, o HD85512b, a primeira Super-Terra na zona habitável de uma estrela de tipo K.
(A Super-Terra HD85512b, a primeira detectada na zona habitável de um estrela de tipo espectral K. Crédito: ESO, M. Kornmesser)
[AstroPT] – Parece uma estratégia semelhante à seguida pelo APF (Automated Planet Finder). Nunca pensaram num projecto semelhante usando um clone do HARPS?
[Nuno Santos] – Sim, seria muito interessante. O problema é essencialmente de financiamento. Já existe um programa nestes moldes, o HARPS-North, mas este será dedicado quase em exclusivo ao seguimento dos candidatos descobertos pela missão Kepler. Por outro lado estamos envolvidos com o projecto ESPRESSO que vai permitir seguir estrelas com maior precisão que o HARPS utilizando um telescópio muito maior (8.2 metros do VLT vs. 3.6 metros do telescópio do ESO em La Silla).
[AstroPT] – Aí o problema poderá ser obter uma cadência adequada de observações uma vez que o tempo no VLT é muito requisitado.
[Nuno Santos] – A negociação que fizemos com o ESO dá-nos um acesso privilegiado a tempo de observação no VLT. De facto, em face do investimento que o consórcio ESPRESSO está a fazer, o ESO concedeu em retorno 270 noites completas de observação com o VLT ao longo de um período de 3 a 5 anos. O objectivo aí não é o de encontrar planetas de curto período, mas sim Terras na zona habitável das respectivas estrelas hospedeiras. O trabalho com o HARPS permite caracterizar o tipo de estrelas que deverá ser incluída no programa de observação do ESPRESSO, de acordo com parâmetros como metalicidade, actividade/estabilidade, existência de outros planetas, etc.
[AstroPT] – A estrela Alfa do Centauro B faz parte do programa anterior. Neste caso têm a concorrência da Debra Fisher que tem um programa específico para a estrela a partir do Observatório de Cerro Tololo. Qual o estado actual do vosso programa e que precisão conseguem obter para este alvo tão brilhante? Que limites existem actualmente para a massa dos planetas no sistema?
[Nuno Santos] – Nunca pensei muito no assunto. Creio que a equipa da Debra Fisher tem uma desvantagem pois o espectrógrafo que utilizam não tem a precisão do HARPS. [Mas eles tentam compensar esse facto aumentando a cadência das observações]. Sim, é um facto. Não sei exactamente em que ponto estão neste momento. Seria interessante descobrir planetas aqui ao lado em Alfa Centauri B, mas não sei se isso justifica um projecto específico para a estrela. Obviamente isto é discutível, trata-se apenas da minha opinião. O que é certo é que temos seguido Alfa Centauri B desde há vários anos e até agora não descobrimos indícios de planetas no sistema. [Excluindo uma geometria muito desfavorável, i.e., se os planetas tiverem órbitas quase perpendiculares à nossa linha de visão, as vossas observações colocam limites muito baixos para as massas mínimas dos planetas, certo?] Sim, a amplitude depende naturalmente da distância à estrela, mas, tirando as considerações anteriores, os nossos dados apontam para que, se existirem planetas, eles serão no máximo Super-Terras.
[AstroPT] – Que futuro prevês para a técnica da velocidade radial? Será possível vencer, pelo menos parcialmente, os limites impostos pela variabilidade intrínseca das estrelas? Que tecnologias pensas que poderão ser relevantes nos próximos anos?
[Nuno Santos] – É difícil de prever. Trabalhamos fundamentalmente em velocidades radiais mas estamos também envolvidos na missão PLATO que não foi seleccionada pela ESA mas vai certamente ser proposta, mais competitiva, numa nova oportunidade. Sem a técnica da velocidade radial, a técnica dos trânsitos daria uma informação incompleta sobre os planetas detectados. Na realidade, tirando alguns casos excepcionais, não seria sequer possível confirmar a natureza planetária dos trânsitos. O Kepler, por exemplo, tem mais de 1000 candidatos [actualmente 2326] dos quais apenas uns 20 estão confirmados [actualmente 60].
Até onde podemos ir em termos de precisão? Obviamente, se o ruído nas observações fosse “ruído branco” (totalmente aleatório, sem regularidades, periodicidades), poderíamos aumentar a nossa precisão fazendo mais observações de cada estrela. Mas pelo menos algumas componentes do ruído não têm esta característica e introduzem limitações sérias à técnica. Creio que conseguiremos ir mais longe com o ESPRESSO, com um telescópio maior e maior cadência, talvez até aos 10 cm/s. Para além disso é complicado. [Uma missão espacial dedicada exclusivamente ao seguimento da velocidade radial de estrelas com planetas não seria uma mais valia?] A partir da Terra conseguimos eliminar quase todos os tipos de ruído que afectam as medições, incluindo os efeitos devidos aos instrumentos e à atmosfera. Tirando essas fontes, o restante ruído é intrínseco às estrelas pelo que observar da Terra ou do espaço é igual.
(Desenho conceptual do espectrógrafo ESPRESSO, montado na sala do foco Coudé de um dos telescópios do VLT. Crédito: Consórcio ESPRESSO)
[AstroPT] – Dentro de pouco mais de um ano teremos a missão astrométrica GAIA a trabalhar em pleno. Que expectativas tens relativamente a esta missão, nomeadamente no que diz respeito à descoberta de exoplanetas?
[Nuno Santos] – A técnica da astrometria tem uma longa história na detecção de exoplanetas mas pela negativa. Houve vários anúncios de descobertas de planetas, a partir de meados do século passado, mas nenhum veio a confirmar-se. Mesmo actualmente, a técnica não permitiu ainda detectar planetas novos, tendo sido usada fundamentalmente para estudar a configuração orbital de sistemas múltiplos descobertos pela técnica da velocidade radial. A astrometria tem algumas vantagens relativamente à técnica da velocidade radial: permite a determinação completa das órbitas e as massas (reais) dos planetas em torno de uma dada estrela hospedeira; é insensível ao ruído estelar que limita a precisão das medições da velocidade radial. É complementar no sentido em que detecta preferencialmente planetas maciços distantes das estrelas hospedeiras. A principal desvantagem da astrometria consiste no facto de a detecção de planetas só ser possível para estrelas numa vizinhança próxima do Sol.
A missão GAIA vai permitir descobrir muitos planetas. Não serão planetas semelhantes à Terra, mas sim planetas gigantes em órbitas com períodos longos. Nós estamos também envolvidos na missão e esta é particularmente importante porque recentemente o investimento na missão SIM, da NASA, um observatório astrométrico dedicado à detecção de exoplanetas em estrelas próximas, foi terminado. Num horizonte próximo de 10 a 20 anos provavelmente não haverá uma missão com o perfil do SIM. Desta forma, apesar de não ser uma missão especializada em exoplanetas, a GAIA será muito importante para a nossa área.
Por outro lado, penso que se tivermos uma missão como a PLATO e o ESPRESSO em funcionamento conseguiremos construir um catálogo de estrelas na vizinhança do Sol com planetas potencialmente habitáveis. Esse catálogo será o ponto de partida para uma missão astrométrica do tipo do SIM, focada em exoplanetas, que permitirá então caracterizar os sistemas planetários descobertos. Esse catálogo é, no fundo, o objectivo principal do nosso trabalho.
2 comentários
Está 5* 🙂
(esta tem de sair na astropt magazine) 😉
Excelente entrevista!!!! 🙂