A estrela 9 da constelação do Sagitário (9 Sgr) é a principal fonte da radiação ultravioleta que ioniza e provoca a fluorescência do gás da Nebulosa da Lagoa, uma das principais atracções da Via Láctea durante as noites de Verão. O número (9) foi atribuído por John Flamsteed, um astrónomo inglês que viveu entre 1646 e 1719. Flamsteed produziu um catálogo de 3000 estrelas, numerando-as sucessivamente 1, 2, 3, …, etc., para cada constelação. O catálogo foi publicado postumamente, em 1725, com o nome de Historia Coelestis Britannica.
A imagem seguinte mostra a Nebulosa da Lagoa e a posição da 9 Sgr, junto à região mais brilhante da nebulosa conhecida por “Hourglass” (ampulheta) devido ao seu aspecto característico quando observada por um telescópio com grande ampliação. A estrela pertence ao enxame de estrelas jovens NGC6530, visível ao seu lado, à esquerda na imagem, que também contribui para a ionização do gás da nebulosa. O enxame e a nebulosa encontram-se a uma distância de 5800 anos-luz.
Sabia-se que 9 Sgr, para além ser uma estrela muito luminosa e quente, de tipo espectral O, era uma fonte de ondas de rádio sincrotrónicas, i.e., emitidas por electrões que se deslocam a velocidades próximas da da luz e cujas trajectórias são desviadas por campos magnéticos. Sabia-se também que outras estrelas de tipo O que apresentavam esta característica eram na realidade sistemas binários maciços, a radiação rádio observada sendo atribuída à colisão dos ventos estelares poderosos das estrelas do sistema.
Com base nestes indícios, uma equipa de astrónomos das universidades de Liége, de Amsterdão e de Guanajuato (México), e do Observatório de Genebra, decidiram observar com mais detalhe a 9 Sgr tendo em vista determinar se se tratava de um sistema binário. O que descobriram é muito interessante. Analisando o espectro da 9 Sgr ao longo de vários anos, em especial o posicionamento das várias linhas espectrais, os astrónomos puderam determinar que na realidade estavam a ver a luz conjunta de duas estrelas. De facto, o movimento orbital das estrelas faz com que cada uma delas, alternadamente, se afaste e aproxime da Terra. O efeito de Doppler resultante faz com que as linhas espectrais da que se aproxima se desloquem ligeiramente para o azul ao passo que as linhas espectrais da que se afasta se deslocam para o vermelho. Podem ver este efeito no vídeo seguinte.
A análise e desacoplamento dos dois espectros, um exercício complexo que envolveu a utilização de técnicas sofisticadas de processamento, permitiu pela primeira vez determinar a configuração do sistema e as propriedades das estrelas individuais. Assim, segundo o estudo, a estrela primária do sistema tem tipo espectral O3.5 V((f+)) (o “V” quer dizer uma anã, na sequência principal, o “((f+))” é uma anotação adicional que refere características peculiares no espectro, reveladores de um vento estelar poderoso). Esta estrela tem uma temperatura fotosférica de 44000 Kelvin e uma massa (estimada pelo tipo espectral) de 55 vezes a do Sol. A sua luminosidade, quando consideramos todos os comprimentos de onda, supera 1 milhão de vezes a solar! A estrela secundária é igualmente fenomenal. Tem um tipo espectral O5-5.5 V((f)), correspondendo a uma temperatura superficial de 41000 Kelvin e uma massa estimada de 36 vezes a solar. O mais extraordinário é que estas estrelas orbitam um centro de gravidade comum, com uma periodicidade de 8.6 anos, ao longo de trajectórias extremamente alongadas. A excentricidade orbital é de 0.7. No periastro, o ponto das suas órbitas em que mais se aproximam, as distância entre as duas estrelas é de apenas 17% da distância no apoastro, o ponto em que estão mais afastadas.
A análise espectroscópica não permite determinar sem ambiguidade a massa e a dimensão das órbitas das estrelas pois a inclinação do sistema relativamente à linha de visão com a Terra não é conhecida. Segundo os autores o sistema deverá estar dentro dos limites de resolução de interferómetros como o do VLT. A obtenção de imagens com as duas componentes separadas com um tal instrumento permitiriam determinar a inclinação orbital e establecer definitivamente os parâmetros referidos. A equipa propõe-se realizar estas observações num futuro próximo. É importante referir que a observação de sistemas binários é um dos poucos métodos que permitem a determinação directa da massa das estrelas. Mais ainda, estrelas de tipo O são comparativamente muito raras na Via Láctea e em média muito afastadas do Sol. Sistemas binários formados por estrelas de tipo O são ainda mais raros. Assim, quando surge a oportunidade de observar e calcular com exactidão as características das estrelas de um tal sistema, os astrónomos investem bastantes recursos para fazê-lo. Estas medições são de importância crucial pois permitem testar os modelos de estrelas maciças e verificar se estes prevêem com exactidão as características destas estrelas. Outro resultado interessante deste estudo consiste no facto de mais um sistema emissor de radiação rádio sincrotrónica ter sido identificado com um sistema binário maciço, reforçando as conclusões de trabalhos anteriores que apontavam nesse sentido.
Podem ver o artigo aqui.
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