Antes de mais, peço desculpa por este artigo ser mais pessoal que o normal, mas ainda estou demasiado entusiasmado em relação ao que aconteceu.
16 de Maio de 2012 foi um dia importante.
Comecei esta viagem há quase 10 anos atrás, em Janeiro de 2003.
Durante os primeiros 3 anos, assisti a aulas de doutoramento. Estas aulas de doutoramento foram sobretudo em Educação Científica, mas também assisti a várias de Astronomia, Biologia, Astrobiologia, Física, etc. Assisti inclusivé a algumas aulas avançadas de licenciatura em outros assuntos, já que queria ter o máximo de informação sobre um conjunto alargado de assuntos, como por exemplo comunicação de ciência, pensamento crítico sobre pseudociência, jornalismo, etc.
No ano seguinte, tive que investigar de forma a criar um novo conceito para avaliar a literacia científica das pessoas. O meu conceito denomina-se Pensamento Competente. Este conceito tem ligações à Literacia Funcional, à Literacia Cívica, à Literacia sobre os Media, e ao que Carl Sagan costumava dizer que ciência é uma forma de pensar. O Pensamento Competente é diferente de Pensamento Crítico de 2 formas: pensamento crítico divide-se em pensamento argumentativo (em que devemos argumentar sem falácias) e pensamento avaliador (em que avaliamos a informação que nos chega); no entanto, muitas vezes cai-se no erro de argumentar por argumentar, daí que pensamento competente não argumenta só porque gosta de discussões; e por outro lado, para se poder avaliar a informação que nos chega tem que se ter uma base mínima de conhecimento sobre o assunto em causa (por exemplo, se as pessoas tivessem o mínimo de conhecimento sobre cometas, não se deixavam levar por completos disparates de que o cometa Elenin era um buraco negro). Juntando pensamento crítico, a um básico conhecimento multidisciplinar dos assuntos, a uma ideia geral do que é a correcta natureza da ciência, e a auto-reflexão, então teremos Pensamento Competente. Este pensamento competente não é específico a um domínio, e pode ser transferido para outras áreas do saber. Esta foi a minha contribuição teórica para a educação científica.
No ano seguinte, dediquei-me a criar uma inovadora Disciplina de Astrobiologia, completamente diferente do que existia até agora no mundo. A disciplina divide-se em 4 grandes temas (História, Ciência, Especulação Científica, e Ficção Científica). As 5 grandes características do curso são: Tema Cativante (astrobiologia, vida extraterrestre), a Big Picture do Carl Sagan que permita Pensamento Competente, Conteúdo Multidisciplinar (de diversas áreas científicas e sociais), Natureza da Ciência (assimilada sobretudo nos primeiros 15 minutos de cada aula, com discussões sobre as novidades na astrobiologia), e um Método de Ensino Focado nos Alunos que permite pensamento crítico e auto-reflexão (que se vê sobretudo nas discussões e nos 20 trabalhos para casa). O objectivo do curso é resolver o problema da falta de literacia científica das pessoas, num mundo completamente científico (como disse Carl Sagan: “We live in a society exquisitely dependent on science and technology, in which hardly anyone knows anything about science and technology”). É um paradoxo! Sendo assim, a disciplina destina-se a alunos de áreas não-científicas, porque estes são a maioria da população mundial. O objectivo é melhorar o ensino de ciência para alunos de áreas não-científicas, porque obviamente as disciplinas universitárias destinadas a esses alunos não estão a fazer um bom trabalho (como nos mostram diversos estudos). Esta é a minha contribuição prática para a educação científica.
Nos 4 anos seguintes, leccionei esta disciplina na Universidade do Texas em Austin, tendo pleno controlo sobre ela a todos os níveis. Ao longo dos anos, a disciplina foi evoluindo e melhorando, a partir do feedback dos alunos e da minha própria auto-reflexão sobre o que poderia fazer para melhorar os resultados da disciplina. Pelo que percebi, isto não é um feito “normal”; porque não conheço outros alunos de doutoramento que tenham vindo para aqui e tenham criado e leccionado uma disciplina universitária enquanto oficialmente são considerados alunos de doutoramento.
Por fim, passei 1 ano a fazer a análise da disciplina, avaliando as actividades dos alunos (nomeadamente os 20 trabalhos de casa) sob o critério do pensamento competente.
Este foi o meu percurso no doutoramento. Realço que as datas referidas atrás não são limitadoras, mas existe sobreposição de datas. Por exemplo, a análise de resultados não foi feita num só ano mas começou antes, assim como a pesquisa para o curso e para o pensamento competente começou ainda eu estava a ter aulas de doutoramento.
Claro que isto foi o percurso oficial.
Porque pelo caminho fui fazendo outras coisas: fui assistente em aulas de Introdução à Astronomia, escrevi aqui no blog, publiquei um artigo no International Journal of Astrobiology, fui a várias conferências de educação científica e outras de astrobiologia (uma delas com prémio de apresentação), tive alguns prémios pelo caminho, leccionei um mini-curso no Porto e outro nos Açores, dei algumas entrevistas para televisões, rádios e jornais, entre várias outras actividades, relacionadas com astrobiologia e não só.
Então e o que deu a análise do curso?
Em termos não oficiais, o feedback dos alunos foi sempre fantástico sobre a disciplina.
Em termos oficiais, após a análise feita, as conclusões foram as seguintes: os alunos pouco aumentaram o pensamento crítico sendo que o relativo aumento foi em termos de pensamento científico, os alunos aumentaram alguma coisa em termos de conhecimento da natureza da ciência, os alunos ficaram com mais conhecimento básico multidisciplinar de uma série de disciplinas, e sobretudo os alunos aumentaram enormemente a sua própria auto-reflexão (na direcção do pensamento científico). Isto foi surpreendente. Não só porque esperava um aumento maior nos outros indicadores, mas porque não se esperava um aumento tão acentuado da auto-reflexão. Sendo assim, o pensamento competente deles aumentou consideravelmente, nomeadamente no factor da auto-reflexão.
Isto foi um sumário muito geral sobre o meu doutoramento e sobre os resultados obtidos.
No dia 16 de Maio, fiz a Defesa Oral do doutoramento, com a avaliação de 6 membros do comité de avaliação (3 de educação e 3 de ciências).
Foram meia hora de apresentação e cerca de 2 horas a responder a perguntas.
Entretanto já tive duas reuniões com o meu orientador para saber como tudo correu na opinião dos avaliadores.
Os resultados da defesa foram estes: fui brilhante na secção de responder a perguntas, a apresentação foi excelente, a tese estava muito boa, e a análise estava boa mas falta-lhe alguns detalhes que mostrei que sabia mas que ao não incluir na análise escrita a tese ficou a perder.
Assim, terei que fazer as normais “correcções”, o que neste caso quer dizer fazer algumas adições na análise do estudo, de modo sobretudo a poder publicar futuramente os resultados.
Segundo me disse o orientador, se eu não quisesse publicar, a tese já estava aceitável, pronta. Mas para publicar, vou ter que adicionar mais alguma informação em certas partes da tese.
Ainda assim, no seu todo, ele disse-me que a minha defesa de tese ficou no topo 10%, por isso fiquei extremamente satisfeito 🙂
Para saberem como foi a Defesa, vejam este vídeo que retrata na perfeição o que aconteceu 😛 LOL 😀
O certo é que saí da defesa com todas as assinaturas dos membros.
Ou seja, em termos práticos, já posso considerar que tenho o doutoramento.
A 16 de Maio de 2012 completei o meu doutoramento em educação científica, com especialização em astrobiologia.
A partir de agora, o meu título oficial é: Doutor Carlos Oliveira (com “doutor” por extenso), ou então Carlos Oliveira PhD.
Claro que nada disto muda alguma coisa.
Continuo a chamar-me Carlos, e continuo a saber o mesmo que sabia na semana anterior. Um documento não muda nada em relação à inteligência, competência, ou conhecimentos da pessoa. Só se torna mais oficial, é só.
Por outro lado, o que gosto mais de fazer é dar aulas. Sendo assim, penso que o “título” de professor se adequa mais correctamente.
Tendo o título de professor e doutor, então pode-se pensar numa junção dos dois.
Mas segundo percebi do que se faz em Portugal, isso é um título de agregação, e não de separação dos dois títulos.
Então e agora a seguir ao doutoramento? Qual é o próximo passo?
A resposta certa é que não sei.
E a verdade é que não estou sequer minimamente preocupado.
Tenho várias ofertas, quer aqui dos EUA quer fora dos EUA.
Mas se bem me conheço das escolhas que tenho feito nos últimos 20 anos, o que muito provavelmente vai acontecer é que não vou seguir os parâmetros normais, não vou escolher o caminho mais normal e que aparenta ser a escolha mais fácil. Tenho a impressão que, mais uma vez, irei fazer a escolha mais improvável. Seguirei o meu caminho, e não aquele que esperam. E tem sido seguindo estas decisões altamente improváveis que tenho sido mais feliz 😉
63 comentários
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E qual foi o caminho que seguiu depois deste post? Parabéns senhor professor doutor.
Author
Tal como previsto, em frente, fora dos parâmetros normais 😉
Concordo e admiro! O Sr Carlos Oliveira, marca a diferença na nossa sociedade.
O meu muito obrigada.
Author
Obrigado pelas suas palavras 🙂
Parabéns Dr Carlos
Author
Obrigado 🙂
O Senhor devia servir de exemplo para muita gente. Admiro-o imenso. Sr. Professor Doutor, muitos parabéns.
Author
Obrigado 🙂
Parabéns “Vasquinho”.
Em relação ao caminho a seguir, se não fosse por direitos de autor, diria que à semelhança do rover que foi a Marte, tu próprio és um “pathfinder”.
mas… tu também sabes o que é o esternocleidomastoideo????
Sim Sr. 🙂
Abraço
João
Author
LOL obrigado 🙂
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