A estrela TYC 8241 26521, que se encontra a 456 anos-luz de distância da Terra, está a passar por acontecimentos dramáticos.
No entanto, “acontecimentos dramáticos” é também aquilo que vemos na sociedade da informação, quando em vez das pessoas darem valor à informação preferem dar ao sensacionalismo.
Neste caso, em português, por exemplo na Globo, o título sensacionalista da notícia é este: “Estrela semelhante ao Sol perde brilho em apenas 2 anos”.
Se forem ao Google, imediatamente vêem uma data de websites em português a falar sobre este caso. E se forem ao Facebook, então vê-se a divulgação do sensacionalismo no seu pior!
Esta notícia, como sempre acontece quando é dado valor ao sensacionalismo e não à informação, é divulgada e partilhada por centenas de pessoas que nada percebendo de astronomia caem na esparrela de se deixarem levar pelo sensacionalismo.
O sensacionalismo vende!
E quando está aliado, como aqui, a possíveis tretas de fim-do-mundo, então isto é mel para os ursos dos vigaristas (aqueles que têm websites pseudos e põem este tipo de notícias aliadas a fins-do-mundo só para “alertar as pessoas das possibilidades” e aproveitam para venderem mais publicidade ou “produtos salvadores”).
Sim, porque já li ligarem isto imediatamente ao nosso Sol. E se os jornais, que supostamente são credíveis, dizem que esta estrela perdeu tanto brilho em 2 anos, então que se irá passar com o Sol? A conclusão tirada é logo que os coitados dos Maias tinham razão, o Sol vai-se esfumar, e vamos morrer todos em Dezembro quando o Sol parar de nos iluminar!!!
Enfim…
Irrita-me profundamente este mau jornalismo.
Irrita-me profundamente este sensacionalismo em busca de “mais clicks” porque sabem que os leitores nada percebem, vão interpretar logo como sendo o fim-do-mundo, e vão divulgar estas notícias o mais que puderem!
Enfim…
E irrita-me que os leitores, em vez de imediatamente acreditarem e divulgarem estas parvoíces, não percam uns minutos para perguntarem a quem realmente sabe destes assuntos, que não são os jornalistas (neste caso, os maus jornalistas que colocam estes títulos) mas sim os astrónomos!
Afinal, o que aconteceu à estrela?
A estrela não perdeu qualquer brilho! (sobretudo, porque as pessoas imaginam que se está a falar em luz visível!)
O que se passou foi que em 1983, o satélite IRAS (Infrared Astronomical Satellite), da NASA, observou uma intensa radiação infravermelha (calor!) vinda dessa estrela. Obviamente que a interpretação dada era que se devia a um disco de poeira ao redor dessa estrela (pensem na nossa Cintura de Asteróides… é semelhante). É essa poeira que nos permite detectar esse tipo de radiação infravermelha (calor), porque a poeira absorve a energia da estrela e transmite-a como calor.
Há quem especule que este enorme anel de poeira tenha tido a causa numa colisão entre 2 planetas rochosos que talvez tenham orbitado a estrela no passado. Os planetas destruíram-se mutuamente e o que restou dessa colisão foi a poeira.
Este anel de poeira era enorme e bastante compacto: no nosso sistema solar, era como se o sistema solar interior estivesse cheio de poeira!
Esta intensa radiação continuou durante mais de 25 anos. Sinal que esse anel de poeira continuou por lá. Da mesma forma que se os extraterrestres estiverem a olhar de fora para o nosso sistema solar, irão “ver” a mesma coisa.
Mas em Janeiro de 2010, o telescópio WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer) notou que a radiação infravermelha dessa estrela tinha baixado consideravelmente.
Já em Maio de 2012, uma nova imagem obtida pelo telescópio Gemini, no Chile, confirmou essa quebra na radiação.
30% da radiação infravermelha vinda da zona da estrela perdeu-se.
Notem que não foi em somente 2 anos (nós é que só observamos essa perda já em 2010, o que faz que está confirmado que essa perda tem pelo menos 2 anos) nem sequer foi o brilho da estrela em si nem sequer perdeu “30 vezes” o seu brilho (como é dito em alguns websites e nunca poderia ser a estrela ter X de brilho e perder 30 vezes esse valor).
O que se passou na realidade é que o enorme anel de poeira ao redor da estrela deve ter-se em grande parte dissipado.
Àparte o sensacionalismo, a verdade é que este desaparecimento do enorme anel de poeira foi bastante rápido e é obviamente bastante estranho. Nunca nada disto se tinha visto antes!
Notem que os anéis de poeira podem desaparecer, mas esse desaparecimento demora centenas de milhares de anos e até milhões de anos! Nunca em tão pouco tempo!
E não se sabe muito bem as causas para isto! Aliás, inicialmente, os astrónomos pensavam que as observações estavam erradas, porque realmente isto é extremamente bizarro.
No entanto, existem agora algumas possíveis explicações: talvez o gás que lançou a poeira inicial para o disco tenha posteriormente sido “puxado” pela estrela, o que levou ao desaparecimento da poeira (na estrela) – ou seja, o disco foi caindo para a estrela até ter desaparecido; ou talvez tenham havido bastantes colisões no disco, fazendo com que muitas partículas de poeira se tenham agrupado em asteróides, e essas grandes rochas tenham “limpo” parte da sua vizinhança e até desintegrado outras partículas em pedaços mais pequenos, o que faz com que agora nos pareça um disco muito mais “limpo” – ou seja, a poeira não desapareceu, mas agrupou-se limpando o disco; ou talvez na hipótese anterior, esse agrupar de poeira em pedaços cada vez maiores tenha levado à criação de protoplanetas que tenham limpo a poeira da sua vizinhança/órbita; ou até talvez o vento estelar ou alguma variação dele tenha empurrado e varrido o disco; ou quiçá alguma estrela-companheira com órbita excêntrica tenha passado perto e nós não tenhamos detectado, que tenha “sugado”, “varrido”, ou “empurrado” a poeira para a “nossa” estrela (estas duas últimas possibilidades lidas em opiniões no Facebook por pessoas que entendem de astronomia); ou quiçá… ; … conjecturas não devem faltar.
Mas nenhuma destas possíveis explicações ainda são convincentes… tem que se estudar mais a estrela e tentar perceber as reais causas (que até pode ser uma das anteriores) para este acontecimento aparentemente tão raro.
Notem que isto pode afectar de sobremaneira a área de exoplanetas. Os exoplanetas formam-se a partir dos discos de poeira que inicialmente se formam ao redor das estrelas.
Se os discos de poeira passam a desaparecer tão rapidamente, deixa de haver qualquer tempo para se formarem planetas ao redor de certas estrelas.
Por outro lado, se a explicação para o rápido desaparecimento do disco for a criação bastante rápida de protoplanetas que limpam a sua vizinhança, então isso será uma óptima notícia para os caçadores de planetas extrasolares.
Leiam na NASA, e os comunicados para a imprensa da Universidade da Geórgia, UCLA, e Observatório Gemini.
Leiam também o artigo científico na Nature.
4 comentários
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o universo e infinito se ele e infinito ate aonde ele vai
Author
“até onde ele vai” pressupõe que existe um limite.
Se é infinito será também ilimitado.
Mestre,
Não ficou claro para mim: “O que se passou foi que em 1983, o satélite IRAS (Infrared Astronomical Satellite), da NASA, observou uma intensa radiação infravermelha (calor!) vinda dessa estrela.”
Dúvida: esta estrela já era observada (monitorada) antes, e daí em 1983 notou-se esta radiação infravermelha que perdurou por 25 anos? Ou o IRAS passou a observá-la a partir desta data quando tal radiação foi detectada?
O Mestre está por dentro desta pesquisa? http://www2.uol.com.br/sciam/sumario/
Att,
Gileno Amaral
Author
Eu não sou mestre.
O IRAS observou esse disco pela primeira vez em 1983.
O que tem essa pesquisa a ver?
Parece-me novamente sensacionalismo da Scientific American, para vender. Como aqui, em que tinha uma data de erros:
http://www.astropt.org/2011/08/23/ciencia-nao-erra/
abraços