Parabéns, humanidade!!!

Um pequeno cilindro, pouco maior que um carro familiar, sobrevoava rapidamente a superfície de rocha basáltica. O vácuo do espaço exterior impedia a propagação de qualquer som, pelo que o fantástico movimento, apesar da sua velocidade de vários milhares de quilómetros por hora, decorria num silêncio absoluto. Cerca de uma centena de quilómetros abaixo, o solo acinzentado da Lua constituía um pano de fundo inacreditável.

No seu interior iam três homens, seleccionados após uma gigantesca bateria de testes, experiências, exames médicos e privações de sono. Examinados dos pés à cabeça de uma forma extremamente minuciosa, nenhum pormenor tinha sido descurado. Afinal, Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins iriam ser a primeira representação da humanidade na visita a outro mundo.

O pequeno aparelho circundou a Lua durante várias voltas, até que num momento muito delicado, programado e exaustivamente ensaiado nos anos anteriores, soltou um pequeno aranhiço metálico que se começou a afastar muito lentamente da nave maior: no seu interior estavam Armstrong e Aldrin. Tinham-se transferido para esta engenhoca uns instantes antes, deixando o companheiro no cilindro que se iria manter em órbita lunar.

Essa manobra delicada foi efectuada sem que o vertiginoso andamento fosse abrandado, sequer por um instante, tendo a louca correria continuado. No cilindro Collins ficou com um destino ingrato: dentro de alguns instantes iria ser o homem mais isolado na história da humanidade. O seu primeiro comentário, ao ver o aparelho que transportava os dois companheiros da grande aventura, terá sido: “Têm aí uma máquina com bom aspecto, apesar de estarem de cabeça para baixo”. Armstrong terá respondido: “Bem, alguém está realmente de cabeça para baixo!”. No espaço, efectivamente, as nossas referências podem deixar de fazer sentido. Chão, tecto, paredes, o que é o quê? A ausência de peso deve pregar grandes partidas a um corpo e a um cérebro habituados a uma vida com os pés assentes e puxados com força para a Terra.

No pequeno engenho iam encafuados os dois pilotos, com incontáveis horas de voo e um enorme leque de experiências diferentes. Contudo, nenhuma delas se podia comparar à que estavam a viver naqueles instantes.

O aparelho continuou a afastar-se lenta e gradualmente da nave-mãe, e pouco depois os pilotos ligaram os motores para poderem dar início à descida.

Com suavidade, a pequena nave, certamente muito diferente das que os escritores de ficção científica da primeira metade do século XX imaginaram, foi-se aproximando da superfície lunar. A descida, que desassossegou muitos milhões de corações na Terra, foi demorada e lenta: cerca de uma hora e meia. Finalmente, a superfície ficou muito próxima: apenas umas centenas de metros.

O altímetro ia debitando números cada vez mais baixos. Apesar do sangue frio extra-terrestre dos dois homens, os indícios de nervosismo e ansiedade iam aumentando dentro da pequena cabine, embora de uma forma muito ligeira. A descida, que até aí tinha decorrido sem qualquer incidente, tinha reservado para o final uma etapa que iria colocar à prova todas as capacidades dos astronautas.

O computador a bordo da nave emitiu uma mensagem de erro. Decorreram segundos preciosos até o centro de comando da missão, na Terra longínqua, tomar a decisão de não abortar a descida. Com a demora, o combustível foi consumido rapidamente até sobrar apenas o suficiente para voar mais alguns segundos, talvez um minuto, e verificou-se que a nave estava desviada alguns quilómetros em relação ao local previsto de alunagem. A observação ao terreno revelou que se tratava de uma área demasiado acidentada para a estrutura da nave. O sistema de navegação automática da descida teve de ser desligado: o resto do percurso teria de ser feito com extremo cuidado e mãos muito experimentadas.

Neil Armstrong teve de pilotar a pequena nave fazendo uso das suas capacidades de piloto, navegando à vista até encontrar um local seguro para alunar em segurança. No fundo até deve parecer fácil. Só que, neste caso, a situação era completamente nova. Ao contrário de todas as aterragens difíceis que o astronauta já tinha efectuado na Terra, agora não existia atmosfera para exercer sustentação no aparelho.

Com ajustes delicados e precisos nos manípulos, Armstrong fez com que a nave sobrevoasse a zona irregular, que parecia uma grande cratera com demasiados escolhos e obstáculos, com vários e grandes rochedos, que tornariam a alunagem numa manobra tremendamente arriscada. Parecendo levitar sobre toda esta zona perigosa, o engenho alcançou finalmente uma área mais plana que parecia adequada para a manobra delicada da alunagem.

Finalmente, após alguns segundos intermináveis de descida na vertical, o pequeno aparelho pousou suavemente no solo lunar. No centro de comando, a quase 400 000 km de distância, os suspiros de alívio devem ter-se feito ouvir no exterior do edifício, e a alegria e a satisfação incontida tomaram conta dos semblantes carregados e concentrados. “The Eagle has landed!”

Os dois homens permaneceram dentro da cabine algumas horas a fazer os ajustes e afinações finais a todos os dispositivos e a tentar repousar um pouco. Tinham estado sujeitos a uma tensão extrema nos últimos dias e ainda estavam previstos mais uns instantes para descansarem ou dormirem um pouco antes de descerem para a superfície lunar. Contudo, esse tempo de descanso não seria utilizado pelos astronautas. Talvez dominados pela importância e magnitude do momento e tentados pelo solo lunar a dois ou três metros de distância, prescindiram do repouso, apesar do cansaço decorrente de uma viagem arrojada que já durava há três dias.

Por fim, um homem num fato quase grotesco assomou na escotilha da nave. Com movimentos toscos e desengonçados, deu início à descida dos degraus mais fabulosos que a humanidade jamais tinha visto: uma pequena escada metálica na Lua! Meia dúzia de degraus que terminavam no solo mais estranho e inóspito que se pode conceber. Desceu lentamente, tacteando cada degrau com a sensibilidade possível a quem tem calçadas botas de múltiplas camadas, acabando por se deter alguns instantes no último patamar. Olhou para baixo, para o chão de outro mundo, e acabou por descer de forma resoluta. Os seus pés tocaram o solo lunar e uma das frases mais célebres da história ecoou em milhões de aparelhos de rádio e de televisão no planeta Terra:

“É um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade”

A primeira página da História da Humanidade escrita a partir de outro mundo tinha acabado de ser impressa.

 

1 comentário

    • Dinis Ribeiro on 01/08/2012 at 05:16
    • Responder

    Gostei do texto.

    A única coisa é que não consigo vizualizar o LEM como sendo uma “engenhoca” ( que para mim é depreciativo) e sobretudo, como sendo “pequeno”.

    Ver: http://fr.wikipedia.org/wiki/Module_lunaire_Apollo / http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%B3dulo_Lunar_Apollo / http://en.wikipedia.org/wiki/Apollo_Lunar_Module

    Também não gostei da expressão “sangue-frio extraterrestre” e não alinho muito na ideia do “destino ingrato” do Michael Collins, e dos “movimentos toscos e desengonçados”, embore tenha gostado da expressão “tacteando cada degrau com a sensibilidade possível a quem tem calçadas botas de múltiplas camadas”.

    Este “drama” da primeira alunagem lembra-me este artigo:

    Why Exploration Isn’t Telegenic (and that’s a good thing)
    http://www.wired.com/wiredscience/2012/06/why-exploration-isnt-telegenic-and-thats-a-good-thing/

    But most successful expeditions are boring: they’re well planned, redundancies are in place, and cautious calculation rules the day.

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