A lenda disparatada e a verdade sobre a Caneta Espacial

Astronautas em Microgravidade – Sandra Magnus

Durante o auge da corrida espacial na década de 1960, diz a lenda, os cientistas da NASA perceberam que as canetas não poderiam funcionar no espaço. Precisavam de descobrir uma outra maneira para os astronautas poderem escrever. Teriam então passado anos e gasto milhares de milhões de dólares (a versão actual do disparate fala em 12 mil milhões de USD, quando o total do orçamento da NASA para 2012 é de cerca de 18 mil milhões de USD, e fala em graus celCius, quando se escreve Celsius) dos contribuintes para desenvolver uma caneta que poderia colocar a tinta no papel, sem gravidade.

Mas os seus homólogos soviéticos, muito astutos, assim prossegue o disparate, teriam resolvido o problema com um simples lápis de carvão.

Esta lenda urbana, com a sua mensagem de simplicidade e de economia – para não mencionar uma falha incrível de bom senso nas burocracias estatais – flutua alegremente na Internet. Mas é um mito.

Originalmente, os astronautas da NASA, como os cosmonautas soviéticos, usaram o lápis, de acordo com os historiadores da NASA. Na verdade, em 1965, a NASA encomendou 34 lápis à Tycam Houston Engineering Manufacturing, Inc. Pagou USD $4,382.50  – o que deu em USD $128,89 por cada lápis. Quando estes preços vieram a público, houve uma certa polémica e a NASA tentou encontrar algo mais barato para os astronautas poderem usar.

Os lápis não eram, de todo, a melhor escolha. As pontas eram pouco fiáveis dado que se quebravam, flutuando depois à deriva em ambiente de microgravidade ( e não de ausência de gravidade, outra asneira da versão disparatada), onde poderiam vir a magoar um astronauta ou danificar os equipamentos. Para mais, os lápis são inflamáveis – o isótopo do carbono 12 donde deriva o carvão é obtido por dele se retirar a água e apenas, para além do elemento Carbono, ficam resíduos de cinza. É aliás usado nos assadores e é um condutor eléctrico. São propriedades que a NASA queria evitar nos objectos a bordo, depois do trágico incêndio a bordo da Apollo 1.

Paul C. Fisher e sua empresa, a Companhia Pen Fisher, investiram a soma de USD$ 1 milhão para criar a caneta espacial. Este investimento não veio dos cofres da NASA – a agência só se envolveu após a caneta ter passado do projecto para a realidade. Em 1965 Fisher patenteou uma caneta que pode escrever de cabeça para baixo, em condições frias ou bastante quentes (desde +10 graus até +200 graus Celsius ), e mesmo debaixo de água ou doutros líquidos. Todavia, se estiver muito calor, a tinta fica verde em vez de seu azul normal.

Nesse mesmo ano, Fisher ofereceu a Pen AG-7 “Anti-Gravity” Space à NASA. Dado o anterior fiasco mecânico dos lápis, a NASA estava algo hesitante. Mas, depois de testar intensamente a caneta espacial, a agência decidiu usá-la nos voos espaciais que se iniciavam em 1967.

Ao contrário da maioria canetas esferográficas, as canetas de Fisher não dependem da gravidade para que a tinta possa fluir. O cartucho é em vez disso pressurizado com azoto (Nitrogênio em Português do Brasil) a 35 libras por polegada quadrada (15, 875.73167 quilogramas de tonelada por 2,5 cm de metro). Esta pressão empurra a tinta na direcção da bola de carboneto de tungsténio colocada na ponta da caneta.

A tinta também difere da tinta doutras canetas. Fisher utilizou uma tinta que permanece um sólido tipo um gel até que o movimento da esferográfica a transforma num fluido. O azoto sob pressão também evita que o ar se misture com a tinta, de tal modo que não pode evaporar ou oxidar.

De acordo com um relatório da Associated Press, a partir de Fevereiro de 1968, a NASA encomendou 400 canetas esferográficas Fisher anti gravidade para o programa Apollo. Um ano depois, a União Soviética ordenou 100 canetas e 1.000 cartuchos de tinta para usar nas suas missões espaciais Soyuz, de acordo com a United Press International. A AP mais tarde observou que tanto a NASA como a agência espacial soviética receberam a mesma percentagem de desconto (40%) na compra por atado das suas canetas. Ambos pagaram USD $ 2,39 por caneta em vez de USD $ 3,98.

A caneta espacial não se limitou a deixar a sua marca no  programa Apollo ao facilitar a escrita em ambiente de microgravidade. Segundo a Empresa de Fisher Space Pen, os astronautas da Apollo 11 também usaram a caneta para corrigir um interruptor de activação (que evita faíscas) que não funcionava. Permitindo o seu regresso à Terra!

Desde os anos 1960 que os astronautas americanos e cosmonautas russos usam as canetas de Fisher. Na verdade, Fisher criou toda uma linha de canetas espaciais. Uma nova caneta, chamado de Pen Shuttle, foi usada nas naves espaciais da NASA e na estação espacial russa Mir. Claro, os leitores e as leitoras do Astro Pt, apesar de muitos o desejarem, não terão que ir para o espaço  para terem uma caneta espacial – poderão adquirir uma a preço baixo, mas para isso o melhor é mesmo consultarem aqui o catálogo da empresa.

Declaro que tanto o autor deste texto como o AstroPt têm apenas um interesse nesta “publicidade”, que é o de desmistificar um completo disparate.

Fontes:
Wikipedia
Sandra Magnus Blog from Space
Fisher Space Pen
Scientific American
Disparates e asneiras patetas no Facebook
Procedimentos de segurança aeronáutica, manual de mecânica.
Procedimentos de segurança naval, Marinha Portuguesa (um lápis aguçado ou um compasso não se deixam desarrumados, um simples balanço pode torná-lo num projéctil perigoso).

 

9 comentários

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    • Renato Barbosa on 18/05/2015 at 23:46
    • Responder

    já tinha lido essa historia e creio que foi aqui no astropt.org o que me motivou pesquisar sobre o assunto e procurar a caneta, acabei por encontrar no ebay.com há 2 anos mandei vir uma por $16..17 (12€ na altura).

    É engraçada e gosto mais pelo facto de saber o que è.

    Aconselho a todos, não falha.

  1. Do mal o menos. A caneta existe, teve um custo “realista” e ambas as partes a usaram!

    • Rafaele souza on 23/08/2012 at 14:04
    • Responder

    Nossa,nunca tinha ouvido falar nessa historia!
    Com certeza se alguém viesse me contar eu não acreditaria,mas são vocês,então acredito hahahaha 🙂

  2. Também já há muito tempo atrás recebi um email com esse mito. Recordo que na ocasião até achei engraçado, mas as quantias astronómicas levaram-me a duvidar seriamente da autenticidade da informação e assumi que fosse apenas uma piada.

    Agora fico a saber que realmente aquilo não passava de mais um disparate.
    Infelizmente este disparate não é único… e suspeito que é engendrado por pessoas com a mesma mentalidade daquelas que criam e publicam, nas redes sociais, imagens e mensagens em que se questiona a legitimidade, o interesse ou as vantagens do Curiosity ou, anteriormente, de outras missões da NASA, ou mesmo das que questionaram a ida do Homem à Lua.

    Provavelmente estes disparates não surgem por acaso. São pensados e engendrados com o propósito de minar a confiança do cidadão comum nas instituições que promovem a descoberta de mais conhecimento. Dá-se-lhes um toque de humor ou um apelo à indignação e espalha-se na net. Depois o cidadão incauto faz o resto…

  3. Já conhecia esta história há muitos anos mas foi-me contada como anedota. Nunca pensei que alguns a supusessem real.

    • Telmo Almeida on 19/08/2012 at 14:52
    • Responder

    Interessante sem dúvida, e nunca me tinha passado pela cabeça que se usassem canetas nas
    “nossas” naves, julgava que os registos seriam feitos, em algum tipo de teclado ou gravação de voz.

    • Nuno José Almeida on 19/08/2012 at 01:40
    • Responder

    Obrigado por me corrigir nesta história…

      • Manel Rosa Martins on 19/08/2012 at 05:30
      • Responder

      É uma lenda urbana, todos nós caímos nestas petas, depois repetimos juntos dos amigos e estes também acham que é verdade e por aí diante. Eu desconfiei que era treta quando vi celsius escrito CelCius e que era gravidade zero, Ora nenhhum voo espacial foi até hoje em gravidade zero, foi em microgravidade. Na EEI (Estação Espacial Internacional) os astronautas não estão em gravidade zero, nem estiveram no Space Shuttle nem sequer nas naves Apollo. Na EEI até estão a cerca de 90% da gravidade da superfície da Terra.

      Ainda bem que o Nuno José Almeida tem esse espirito desportivo, está até a escrever o que muita gente terá vergonha de admitir, está a ser sincero e corajoso.:))

        • Nuno José Almeida on 19/08/2012 at 10:29

        Nunca cheguei a ver esta história na internet, na realidade era uma história que contava com bastante menos pormenores quando era adolescente. Tenho 35 anos e provavelmente se ma contassem agora em primeira mão, teria mais dúvidas sobre a sua veracidade. Sim eu também sou um dos responsáveis pelo passar do boato, se a minha mãe lê isto estou lixado 😛

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