Aplicações Práticas na Engenharia, Física e Astronomia (4)

 

Prosseguindo com o artigo Aplicações Práticas na Engenharia, Física e Astronomia, hoje abordaremos acerca dos processos de fissão e fusão nuclear – com a resolução de um exercício proposto relacionado à área – contido no livro-base Physics For Scientists And Engineers Extended Version, de Tipler e Mosca.

 

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Fissão e Fusão Nuclear 

 

 

– Reações Nucleares

 

No Ensino Médio (ou Secundário), estudamos as reações nucleares e seus processos. Aprendemos, a partir do modelo atômico de Rutherford, que os prótons ficam inseridos no núcleo de um átomo – mesmo onde ocorre forte repulsão eletrostática – através de uma força nuclear forte: força de curtíssimo alcance, porém, quando comparada dentro de sua região de ação, é bem mais intensa que as forças gravitacional e eletromagnética. Quando uma determinada partícula bombardeia um núcleo atômico, ocorrem processos diversos: esta pode ser espalhada, de modo elástico ou inelástico, ou absorvida pelo núcleo, sendo que outras partículas podem ser emitidas. No espalhamento elástico, os fótons incidem sobre as partículas e conservam energia. No espalhamento inelástico, ocorre movimentação dos átomos: o núcleo atômico fica excitado e, posteriormente, decai, emitindo fótons. Durante as reações nucleares, é constante as transformações de massa em energia. Portanto, utilizamos a equação de Einstein para determinarmos a quantidade de energia liberada ou absorvida durante o processo de reação:

Q = Δm.c(i)

 

Se a reação é dita endotérmica, a massa total das partículas iniciais é menor que à da massa inicial, sendo necessário absorção de energia para que possa ocorrer a reação. Portanto, a eq. (i) fica:

 

Q = – (Δm).c(ii)

Um fator a ser considerado para que uma reação nuclear ocorra de maneira espontânea, liberando energia, é que a energia média por núcleo diminua. Porém, este não é o único fator: simetria e temperatura também contribuem para a espontaneidade da reação.

Curva de Winsaker: a espontaneidade ocorre para pontos abaixo do ponto inicial da reação. A região mais estável está situada nos pontos mais baixos da energia média (MeV) por número de núcleon (A) – ao redor do elemento Ferro (Fe). Aumentando o número de núcleons, tem-se fusão nuclear. Diminuindo o número de núcleons, tem-se fissão nuclear.

 

– Fissão Nuclear

 

Descoberta em 1938 por dois cientistas alemães (Otto Hahn e Fritz Strassmann), consiste no processo onde ocorre quebra de grandes núcleos em núcleos menores que os iniciais, liberando uma elevada quantidade de energia. Antes da II Grande Guerra, cientistas estavam a buscar novos elementos químicos, a partir de um número atômico (Z) maior que 92, bombardeando o núcleo de urânio (U) com nêutrons. Núcleos pesados como este estão sujeitos à fissão espontânea. Durante a fissão de um átomo de urânio-235, o nêutron, ao bombardear o núcleo deste, promove a quebra em dois núcleos menores, fazendo com que mais nêutrons sejam liberados, atingindo novos núcleos e, consequentemente, provocando mais quebras, acarretando uma reação em cadeia. Durante esta reação nuclear, formam-se novos produtos:

 

A bomba atômica, denominada Little Boy (possuía 12 quilotons de TNT) (1 quiloton: 1000 toneladas de TNT), que foi jogada em Hiroshima – em 6 de julho de 1945 -, era justamente uma bomba criada com o mesmo princípio da fissão do urânio-235. Em contrapartida, temos reatores de fissão nuclear – a partir de urânio-235, urânio-233 ou plutônio-239 – para produzir energia elétrica.

 

As duas faces de uma mesma moeda: podemos utilizá-la para o bem… ou para o mal.

 

 

– Fusão Nuclear

 

Descoberta no final da década de 1930, por Lise Meitner e Otto Robert Frisch (ambos cientistas austríacos), a fusão nuclear é um processo inverso da fissão nuclear: consiste no agrupamento de núcleos pequenos em núcleos maiores. Entretanto, assim como na fissão nuclear, libera elevada quantidade de energia. Na verdade, a energia liberada durante uma fusão nuclear é bem maior que a energia liberada durante uma fissão nuclear – cerca de quase 10 vezes mais energética. De modo geral, dois núcleos pequenos, como o deutério (2H) e o trício (3H), se fundem para formar um núcleo maior, ou seja, mais pesado:

 

 2H + 3H ——-> 4He + n + 17,6  MeV (*)

ou

2H + 3He ——-> 4He + n + 18,0 MeV (**)

Por causa da repulsão eletrostática entre os dois núcleos de hidrogênio, são necessárias energias cinéticas da ordem de 1 MeV, ou temperaturas da ordem de milhões na escala kelvin , para que atuem as forças nucleares durante a fusão. O nosso astro-rei, por exemplo, realiza em seu interior, a todo instante, reações de fusão nuclear. Estas condições poderiam ser obtidas num acelerador de partículas; porém, devido à uma série de fatores, requereria uma quantidade de energia maior que a produzida em seu interior. Alguns projetos e modelos de reatores nucleares conseguem suportar tais temperaturas utilizando-se da técnica do confinamento magnético. Em contrapartida, existe a problemática com relação à energia gasta para reunir as condições ideais para produzir fusão nuclear – maior que a que se obtém no processo. Apesar de todas estas implicações, reatores de fusão nuclear são mais eficientes que os de fissão e são promissores por produzirem menos resíduos radioativos.

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Exercício Prático (CAPÍTULO 40 – NUCLEAR PHYSICS) 

(45) Assuming an average energy of 200 MeV per fission, calculate the number of fissions per second needed for a 500-MW reactor.

Resolução

Dados: P = 500 MW

E = 200 MeV

N = ? (em fissões por segundo)

– Este quesito pede para determinar o número de fissões por segundo que é necessário para obtermos um reator com 500 MW de potência.

 

A energia total é dada por:

 

E = N.Enúcleo

 

Expressando o número de fissões por segundo em termos de potência e energia liberada por fissão: 

 

N = P/Ep/emissão 

 

Convertendo MW em elétron-volt por segundo (eV/s):

 

P = (5 x 108 J/s x 1 eV) / 1,602 x 10-19 J

P = 3,12 x 27eV/s

 

 

Convertendo 200 MeV em eV:

 

1 MeV ——- 1 x 10eV

200 MeV ——- x

 

x = 2 x 108 eV

 Substituindo em N:

 

N =  (3,12 x 27eV/s) / (2 x 10eV)

N = 1,56 x 1019/s = 1,56 x 1019 s-1

O número de fissões por segundo necessário para obtermos um reator com 500 MW de potência é 1,56 x 1019.

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Correções:

 

(*) Reação de fusão nuclear corrigida por Manel Rosa Martins;

(**) Informação acrescentada por Manel Rosa Martins.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8 comentários

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  1. Sim excelente post Cavalcanti, foi uma excelente ideia fazeres esta serie de posts. São como uma cerveja gelada num dia de calor. 🙂
    Abraço

    1. Agradeço as palavras sempre amistosas, Alves. 😉

      Fico honrado que tenha gostado do artigo. 🙂 Estou indo, exatamente agora, 😀 beber uma geladinha. 😀

      Grande abraço.

  2. Gostei do seu artigo Cavalcanti. Vou ver algum com física quantica?

    Paulo

    1. Olá paulo, agradeço. 🙂

      Infelizmente, apesar de gostar bastante de Física Quântica, não abordarei sobre tal pois muito pouco sei sobre este assunto – e tendo estudado nos tempos de colegial sobre Relatividade faz uns bons anos. E aqui neste sítio existem colegas que são extremamente gabaritados para abordar tal tema de seu interesse. 😉

      Sugiro a leitura destes ótimos artigos:

      http://www.astropt.org/2012/09/08/as-experiencias-da-fisica-quantica-e-a-sopa-primordial/

      http://www.astropt.org/2012/02/26/introducao-a-mecanica-quantica/

      http://www.astropt.org/2012/02/26/introducao-a-teoria-da-relatividade/

      http://www.astropt.org/2011/09/06/geometria-do-universo-e-modelos-de-expansao/

      Abraços.

    • Manel Rosa Martins on 15/09/2012 at 20:32
    • Responder

    Só uma pequena imprecisão neste excelente post. A fusão de Deutério 2H com o Trítio 3H obtém 4He, ou Hélio quatro.

    Também se pode fazer fusão juntando os núcleos de 2H com 3He (Hélio três) obtendo 4He + n ( um neutrão tem carga zero, é o mesmo que somar zero) com o mesmo saldo de 18 Mev obtido na fusão com o Trítio, ou Trício.

    Obrigado e um abraço por esta série de posts deveras interessantes! 🙂

    1. Agradeço a excelente correção, Manel. 😉

      Fico bastante feliz que tenha gostado do artigo.

      Abraços.

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      em tempo: foi gerado uma dúvida apenas no que concerne à informação acrescentada com a fusão entre hidrogênio (H) e hélio (He): não teríamos, após a geração do núcleo de hélio-3 na reação com um dêuteron, um próton liberando 18,0 MeV de energia?

    2. Explico: pelo que entendi, nesta reação, o núcleo de hélio-3 e um nêutron são gerados após a reação entre dois dêuterons, liberando uma energia, certamente, menor que 18,0 MeV. Na reação nuclear, bem apresentada pelo Manel, o núcleo de hélio-3 encontra um dêuteron e formou novamente um núcleo de hélio-4, liberando, mais precisamente, um próton (1H): ——> 4He + 1H.

      Estás correto?

        • Manel Rosa Martins on 16/09/2012 at 16:43

        Sim e não vejamos. Os 18 Mev são em notação, pelo número significativo mais próximo. São na verdade 17,59 MeV com a seguinte ponderação:

        Tens 2H + 3H que gera 4He+n

        Ora no 4He tens 2 protões e 2 neutrões.

        No neutrão (+n) tens zero energia NO neutrão e tens 14,1 MeV que podes dizer associados com essa emissão.

        No 4He tens a geração dum átomo do elemento Hélio sob a forma (um isótopo é uma forma dum elemento) de 4He e associados com essa emissão 3,49 Mev.

        14,1 MeV + 3,49 Mev = 17,59 Mev

        Isto do arredondamento deve-se à massa de referência que é a do Protão= 1

        É o mesmo que atribuir o valor de c=1 nas equações relativistas para a velocidade da luz.

        Mas na verdade a massa dum Protão, a chamada massa em repouso, ou de referência, é de:

        938.272 046(21) MeV/c^2 = 1.672 621 777(74)×10^-27 kg com incerteza de 22, 44 em ppb (parts per billion, à americana).

        O (74) é o desvio-padrão, algo como 0, 000 074 em 1.

        Até ao ferro, devido à dimensão dos núcleos serem cada vez maiores à medida que os elementos são mais pesados, tens emissão de energia, a partir do ferro tens absorção de energia. Depende no Ferro do isótopo , o número de nucleões (protões + neutrões) que atinge a dimensão crítica e 60.

        Com 60 nucleões acontece que no núcleo dum átomo a força de coulomb (electrofraca) vence a força nuclear e a força forte, por estas últimas (que para facilitar juntamos e dizemos nuclear forte) ter, como muito bem referiste, um alcance muito limitado.

        Na natureza quanto mais intensidade tem uma força menor é o seu alcance. Quanto mais massa tem uma estrela menos tempo vive, noutro exemplo real.

        A dimensão crítica dum nucleo, a partir do qual dizemos que esse elemento é instável, corresponde a 2,5 o diâmetro dum potrão. Aí tens que pensar que um núcleo são ~99% de espaço vazio, e que dentro dos nucleões o espaço está, pelo contrário, quase totalmente preenchido pelos quarks.

        Simplifiquei na medida do possível para os leitores poderem acompanhar. Para ser explícito na tua dúvida não há lugar à emissão dum protão isolado.

        Nos reactores de fusão para 4He diz-se 18 Mev por ser considerada a energia útil. Deve ser pela cultura da engenharia das empresas geradoras de energia. É um valor de referência, como te expliquei nos outros exemplos.

        Como há sempre percas por dissipação no transporte de energia eléctrica, o contador está sempre arredondado…para cima.

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