Já no passado, tive uma interessante e espontânea sessão de perguntas e respostas, a partir de perguntas que me fizeram no facebook sobre perigo de asteróides. Leiam aqui.
Mais recentemente houve uma nova e espontânea sessão de perguntas e respostas no Facebook do astroPT, que por ter sido tão interessante reproduzo aqui um resumo dela:
Pergunta: Tenho uma dúvida acerca da Cintura de Asteróides. A teoria mais aceite diz que a gigantesca gravidade de Júpiter impede a acreção. Se a força gravitacional de Júpiter é assim tão grande, não devia ter já pulverizado as luas Io e Europa?
Resposta 1:
Pode-se dividir isto em vários pontos:
– A massa da cintura de asteróides é muito baixa. Segundo a Wikipedia, situa-se nos 3×10^21 kg, pouco mais de 4% da massa da Lua.
– Durante a formação do Sistema Solar, os planetas gigantes, que se terão formado mais próximos do Sol, migraram para as posições que ocupam hoje.
– Júpiter ter-se-á formado muito rapidamente, tendo por isso uma enorme força gravitacional quase desde o início do Sistema Solar.
– Essa gravidade terá puxado e empurrado os planetésimais que compunham a órbita da cintura de asteróides, dotando-os de velocidades muito elevadas. Com a migração de Júpiter, esse “puxão” deverá até ter sido amplificado.
– Como os planetésimais eram pequenos, e no total pouco massivos, ganharam demasiada velocidade. Assim, quando iam na direção uns dos outros, em vez de acretarem, chocavam com tanta velocidade que simplesmente se desfaziam.
Claro que, com tanto planetésimal a “flutuar” naquela zona, lá houve um ou outro que conseguiu crescer mais um bocado. Mas mesmo Ceres, que sozinho tem 1/3 da massa da cintura de asteróides, tem cerca de 9×10^20 kg.
Comparando com as luas galileanas de Júpiter, mesmo a mais “levezinha” (Calisto) tem uma massa de 10^23 kg, ou seja, 1000x mais que Ceres, e quase 100x mais que toda a cintura de asteróides.
Para o caso das luas mais pequenas, há que ter em conta o número. Muito provavelmente em órbita de Júpiter nunca terá havido tantos planetésimais como na cintura de asteróides, por isso, choques catastróficos entre eles seriam muito menos prováveis.
Resposta 2:
A formação dos satélites de Júpiter ou a formação de um planeta com uma órbita próxima de Júpiter são coisas completamente distintas.
Vejamos cada uma das duas situações:
O Sistema Solar formou-se a partir de uma nebulosa que se foi contraindo por ação da gravidade. Qualquer pequeno movimento de rotação que ela tivesse inicialmente foi largamente ampliado devido à conservação do momento angular. A maior parte da matéria aglomerou-se no centro, formando o Sol e, no disco protoplanetário, foram-se formando os planetas. Os próprios planetas também estavam envoltos num disco de gases e poeiras em rotação que, em alguns casos deram origem a satélites.
Os satélites principais de Júpiter, provavelmente formaram-se a partir desse disco de matéria que deu origem a Júpiter (os mais pequenos terão tido uma formação independente e foram posteriormente capturados por Júpiter).
Quanto à área de influência do Sistema Joviano (Júpiter e os satélites que o orbitam), essa área é muito mais vasta. Júpiter ao deslocar-se em torno do Sol, desestabiliza, com a sua gravidade, um grande volume de espaço, onde não foi possível formar-se um outro planeta ou, se se formou, tinha uma órbita tão instável que acabou por cair no Sol, ser expulso do Sistema Solar ou migrado para outro local do Sistema Solar.
Os satélites principais de Júpiter estão numa situação muito diferente. Estão em órbitas estáveis e só seriam destruídos pela gravidade de Júpiter se por qualquer motivo se aproximassem demasiado do planeta, caso em que o efeito de maré poderia fragmentá-los.
Pergunta: Será que há condições para existir um único planeta entre Marte e Júpiter?
Resposta: Como disse acima, a gravidade de Júpiter imprime demasiada velocidade aos objetos da cintura de asteróides para eles poderem acretar. As colisões entre eles são sempre demasiado violentas.
Por isso, na minha opinião, nunca existirá um planeta principal naquela órbita (a não ser que alterem a definição de planeta, de modo a que objetos como Ceres possam ser considerados planetas principais).
Pergunta: Aqui pode-se ver que Vesta é muito maior que Itokawa. É estranho/interessante que Vesta não consiga atrair e “engolir” Itokawa, devido à força gravitacional de Júpiter que está milhas e milhas de distância. Basicamente o que quero saber é se daqui a centenas ou milhares de anos vai existir UM planeta (anão ou não) entre Marte e Júpiter. Haverá possibilidades do planeta-anão Ceres se juntar (acrecionar?) por exemplo a Vesta?
Resposta:
As perturbações gravitacionais mútuas entre Ceres, Vesta, Palas e outros grandes objectos da Cintura de Asteróides induzem um comportamento caótico nas suas órbitas, tornando-as imprevisíveis em escalas de tempo relativamente curtas (na ordem das centenas de milhares de anos). Num trabalho recente, astrónomos franceses descobriram que a probabilidade de colisão entre Ceres e Vesta atinge 0,2% em apenas mil milhões de anos, uma probabilidade relativamente elevada! No entanto, penso que a velocidade destas colisões seria demasiado elevada para que estes objectos se acrecionassem. A altas velocidades a acreção é difícil. O desfecho mais provável de tal catástrofe seria a sua fragmentação em inúmeros pequenos asteróides.
Pergunta: Os anéis de Saturno formaram-se porque uma lua se aproximou demasiado do planeta e a gravidade a desfez em pedacinhos. O processo foi o mesmo?
Resposta: No caso dos anéis de Saturno, essa é uma das teorias propostas para a sua formação. Segundo essa teoria, uma lua saturniana com um tamanho ligeiramente superior a Mimas ter-se-ia aproximado demasiado do limite de Roche de Saturno (por colisão com outro corpo?), o que teria provocado a sua fragmentação pela acção da força de maré.
No caso da Cintura de Asteróides, a perda de massa causada pela migração de Júpiter no início da formação do Sistema Solar terá inviabilizado a formação de um objecto massivo na região, restando apenas alguns planetésimais. A perturbação gravitacional de Júpiter foi provocando a colisão entre estes objectos, o que causou a fragmentação de muitos dos planetas embriões originais. Vesta, Ceres e Palas terão sido os grandes sobreviventes desse processo.
Ou seja, no caso dos anéis de Saturno teríamos a fragmentação de uma lua. Na Cintura de Asteróides, os acontecimentos tiveram contornos diferentes. Júpiter acabou por impedir o crescimento dos planetas embriões aí formados. As perturbações gravitacionais geradas pela sua migração (ver modelo de Nice) ejectaram muito do material aí existente e aceleraram o que restou, interrompendo o processo de acrecção e provocando colisões disruptivas.
8 comentários
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Então a cintura de asteroides esta se fragmentando como um liquidficador espacial ? Interesante! Foi muinto informativo !
Excelentes perguntas e respostas. Adorei o texto!
Lembro-me bem desta sessão de perguntas e respostas, que só é possível num blog de verdadeiro carácter educativo. Está de parabens o AstroPt pela postura séria que tem. Agradeço os esclarecimentos ( e a paciência para os mesmos) ao Sérgio Paulino, Ricardo Reis e Carlos Oliveira.
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Deixem-me só referir que o crédito deste texto, com perguntas e respostas, é:
– dos nossos leitores Ricardo Correia e Rui Costa.
– dos nossos colaboradores Sérgio Paulino e Ricardo Cardoso Reis (CAUP).
Magnifico post.
Confesso que em apenas +ou- 10 minutos de leitura compreendi/aprendi tanto quanto em 1h de documentário num canal temático.
Abraço!
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Obrigado Renato 🙂
Gostei muito do que li e confesso que nunca tinha pensado nisso. O pouco que sei deve-se à curiosidade que leva a algumas leituras. E, agora,fiquei a saber um pouquinho mais. Um abraço.
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Obrigado pelo feedback 🙂
[…] vez em quando coloco aqui no blog resumos de sessões de perguntas e respostas que vou tendo no […]
[…] NEOs. Milhares perigosos. Órbitas Perigosas. 26 Quedas. Animação. Documentário. Nomear. Cintura de Asteróides. Sessão de Perguntas-Respostas. Bólides (tag): Indonésia. Canadá. Rússia, Chelyabinsk, […]