O caso é sério e Jean-Pierre Delord, prefeito da comuna francesa de Bugarach, 194 habitantes, anda preocupado.
Bugarach é um retiro rural situado no sudoeste de França, perto da fronteira com Espanha, um lugarejo sereno de pessoas serenas, mas Jean-Pierre, o prefeito preocupado, tendo observado o que se está a passar à sua volta e o que se passará a seguir, assegurou o apoio das autoridades em Paris e tomou uma medida drástica:
– Turistas estão proibidos de se deslocar ao pico da montanha.
Jean-Pierre considera portanto que a única maneira de minimizar o grave problema que a comunidade enfrenta é erguer uma barreira legislativa entre a montanha e o mundo.
A solução ideal, disso não duvida, teria sido a de transformar Bugarach numa espécie de aldeia gaulesa onde todos os dias se bebesse a poção do sossego e do bom senso, e se resistisse, sempre e sempre, ao invasor.
A grande invasão
Os «romanos» de Jean-Pierre são os adoradores de OVNI’s e os que acreditam – via calendário Maia, profecias de Nostradamus ou outra extravagante fantasia – que o planeta Terra terminará oficialmente as suas funções a 21 de dezembro de 2012. E já só faltam oito dias.
Por razões que o prefeito prefere nem aprofundar, toda aquela malta se convenceu de que a montanha em cujo sopé foi sendo construída a vila – o pico de Bugarach – alberga no seu interior uma «garagem de OVNI’s».
Tivesse apenas de lidar com essa história absurda da garagem espacial subterrânea e as coisas estariam sob controle – o problema, apoquenta-se o senhor Jean-Pierre, é a quantidade astronómica de «lunáticos» do ano 2012 convencidos de que aquela «montanha sagrada» é o único sítio que os protege do cataclismo final.
A montanha ergue-se sobre muitos séculos de história, disso ninguém duvida, embora a história pouco tenha de sagrado. Bugarach está situada na região dos castelos cátaros, último refúgio dos «bons homens» e «boas mulheres» que pregavam o catarismo.
O catarismo foi um movimento cristão iniciado no final do século XI e que sobreviveu até meados do século XIV. Os cátaros pregavam a vida simples e regrada, despojada de quaisquer bens materiais, pois consideravam o mundo dos homens um local corrupto; os altos sacerdotes andavam sempre pelas ruas aos pares, pregando e ajudando os habitantes sem cobrar um vintém.
Eram populares e bem aceites até pelos católicos — a Igreja sentiu o seu poder ameaçado por estes monges e considerou-os heréticos. Estabeleceram-se tribunais da Inquisição e tentativas forçadas de reconversão.
Como estas medidas não produziram grandes resultados, criou-se uma aliança que levaria a Cruzada ao sul de França: a coroa desejava apoderar-se das riquezas dos nobres locais e fortalecer o seu domínio na região; a Igreja mais ou menos a mesma coisa, embora a um nível mais espiritual. Os sacerdotes cátaros e as populações convertidas acabaram por desaparecer na poeira dos séculos, exterminados.
A montanha mágica
O senhor Jean-Pierre não sabe ao certo por que razão tanta gente considera que os habitantes de Bugarach vivem no sopé de uma montanha mágica com mais de 1230 metros de altura, mas desconfia que, em parte, a culpa é da própria montanha, geologicamente bizarra, com as rochas mais antigas no topo e as mais recentes na base, as grutas por explorar e os excêntricos magnetismos.
Os habitantes sabem que a montanha tem de facto um magnetismo próprio que provoca um certo «bem-estar» às pessoas, mas isto não é de todo uma crendice, acreditam, tais vibrações positivas estão cientificamente demonstradas, embora sejam difíceis de explicar por A mais B.
O alcaide da comuna recorda, sem disfarçar um certo orgulho, que foi depois de dar um reconfortante passeio pela montanha que Júlio Verne se lembrou de escrever «Viagem ao Centro da Terra» e Steven Spielberg encontrou inspiração para realizar «Encontros Imediatos do 3º Grau».
Incompreensíveis são os boatos segundo os quais os tesouros que os templários arrebanharam nas arábias estão secretamente escondidos na montanha, incluindo o Santo Graal; os que dizem que a Arca anti-diluviana que salvará a Humanidade da catástrofe também está lá; a história dos OVNI’s, que deu origem a múltiplas conspirações envolvendo os serviços secretos dos EUA e de Israel, viagens secretas de helicóptero do presidente francês Mitterrand e proibição de circulação aos aviões civis.
A pobre montanha tresanda a Área 51 e ao suor dos extraterrestres de Roswell, e é explorada por gente que gosta de usar o chapéu do Indiana Jones.
Como chegaram os catastrofistas à conclusão de que a montanha os salvará, o prefeito não sabe nem quer saber; culpa sobretudo a Internet e o seu grandioso poder para disseminar disparates.
Desde que vedou o acesso a parvoíces na montanha que estes turistas esotéricos acusam as autoridades de que a proibição é uma desculpa «para se investigar à vontade as dezenas de casos de avistamentos de OVNI vistos nos últimos tempos» naquela zona.
O que o deixa horrorizado e a fazer contas ao sossego da vila é constatar a aliança espiritual forjada no sopé do pico de Bugarach entre adoradores de OVNI’s, adeptos da tretatologia new age e catastrofistas do fim do mundo: não bastava a montanha ter propriedades mágicas e ser um covil de extraterrestres; agora já se diz que será a pandilha dos discos voadores que vai salvar uns quantos humanos da destruição total provocada pela profecia Maia. Uma confusão total.
Água das pedras
Não se pense que esta história é de hoje: adoradores e catastrofistas endinheirados mais uns quantos seguidores de cultos pagãos, vindos de várias partes do mundo, andaram a comprar desde 2009 terrenos e propriedades ao preço da uva mijona e a instalar um granel new age como nunca se viu naquela zona. Bugarach está cheia de bugiganga esotérica.
Contam os habitantes da vila que alguns desses forasteiros chegaram a fazer umas danças sem qualquer roupa no pelo. Sabem-no bem porque cá de baixo os vislumbraram, uns cuzinhos tão pálidos que até metiam dó; se por vontade dos deuses, dos Maias ou dos OVNI tivessem caído montanha abaixo, alguém os poderia ter confundido com flocos de neve, pensando que o Inverno chegara mais cedo.
O alcaide não acha gracinha nenhuma ao assunto, mas o fim do mundo até não está a ser mau de todo para algumas pessoas. A invasão é irreversível e a intenção original de Jean-Pierre Delord – convocar o exército e correr com aquela gente toda dali para fora – não foi lá muito bem acolhida pelas autoridades em Paris.
Nem todos os habitantes da aldeia se apoquentam. Que venham eles, porque embora não seja muito agradável aturar estranhos a cirandar pela aldeia, a verdade é que esta história do fim do mundo é uma bela oportunidade de fazer bons negócios.
Por exemplo, há quem esteja a alugar quartos a mais de 1400 euros por noite (400 euros para quem desejar montar tenda no quintal). Outros vendem «pedras autênticas de Bugarach» a 1,5 euros a grama. E há quem peça 15 euros por cada garrafa de «água local». Os mais esfomeados também podem encomendar uma «Pizza Apocalipse». E os apreciadores de vinho poderão experimentar uma colheita vintage chamada «End of the World».
Não faltam oportunidades para as pessoas experimentarem estados alterados de consciência à conta do fim do mundo – se não for devido ao calendário Maia, ao menos que seja por causa de uma boa vinhaça.
6 comentários
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somos tolos e ignorantes ninguem sabe o dia de amanha. e quem o sabe certamente não o vai dizer ,tudo pode acontecer temos de ter as mentes abertas ,não estamos sozinhos neste universo .
ja fomos avisados ,se não compreendemos é porque não queremos.
algo se vai passar a nivel global,o que sera nem eu sei ao certo.
quem tem instinto de sobrevivencia vai lutar para salvar a sua familia mesmo que morra a faze-lo, ha que ter experança .
=não vale a pena chamar nomes as pessoas que vão ao pic de bugarach,pois o humano faz coisas muito mal só em função do dinheiro e não do espirito e igualdade não ha justiça para o pobre, o nosso maior inimigo são os governantes.que se aproveitam do povo em vez de ajudar ,esses estão caladinhos como os ratos já sabem de algo por isso teem bunkaros para salvar os ricos e altas patente para se salvarem até se podem salvar o seu corpo mas a alma não tem salvação para quem nãaao acredita .acreditem se não for a natureza vai ser o homem a destruir so penssa no poder e dinheiro,que !!!!!!!!!!!merda de humanidade!!!!!!!
Temos imenso conhecimento – por isso o Eduardo tem uma internet – e sabemos o que vai acontecer: NADA.
O resto é treta para apanhar os ignorantes que continuam a cair nas mesmas mentiras todos os anos.
abraços
Author
Eduardo, você está muito nervoso. Beba um copinho de vinho «End of the World» e relaxe.
O mundo não vai acabar e a única coisa que se está a passar a nível global é o domínio do dinheiro sobre tudo o resto – como você disse, e bem. Mas são coisas muito terrenas e nada divinas ou sobrenaturais que se devem combater com inteligência, sobriedade e discernimento, e não com crendices e superstições abstratas.
“(…) algo se vai passar a nivel global,o que sera nem eu sei ao certo.”
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O eduardo lê corriqueiramente sítios pseudocientíficos e reafirma toda essa baboseira sem tamanho de que “algo à nível mundial está prestes a acontecer”.
Eis aí o “modus operandi” pseudo: soltam as coisas no ar para fomentar toda uma expectativa esdrúxula.
Obviamente, não tem nenhuma base sólida que a ciência nos fornece. Junto com a frase mais acima, vem todo um “mar” de péssimos argumentos e, como sempre, nada ocorre quando o assunto é ciência. Falar em ciências políticas – tais como guerras e conflitos em algumas regiões do globo – nem se fala: se dependesse dos pseudos, já estaríamos numa guerra mundial total. 🙁
Particularmente, já estou na torcida para que o Marco Santos nos presenteie com uma crítica acerca dessa falácia bastante tosca da mente aberta.
Abraços.
Pois…. com tanta historia á volta de supostos avistamentos de UFO e do fim do mundo previsto pelos Maias, que o planeta anda todo ás avessas.
Agora sim podemos sair desta crise no País e bem rápido…. criamos uma crença dessas…e… voilá, é só pessoas vindas de outros pontos da terra, praticaremos preços altíssimos e aplicamos crenças espirituais, alienígena e sabe-se lá mais o quê!!
Certo é que o Turismo começa a funcionar, transportes públicos e privados, hotéis, comércios locais… enfim seria um mar de dinheiro para tirar este país da crise….lol.
podemos criar um roteiro de norte a sul de locais de culto alienígena….
Será que o Povo só pensa nisto?
Então quem será Cristo no meio disto tudo?
Eu sinceramente acredito no neutro, ou seja na Ciência…. tudo o que se passa na terra tem explicação cientifica, pelo menos é a única que vejo explicar seja o que for.
O planeta é cíclico, por tanto, tudo o que nele se passa, as chamadas Catástrofes naturais, são coisas que acontecem derivado a condições climatéricas propicias a esses acontecimentos.
O fim do mundo existe… mas para quem morre!!
Esse fulano Francês havia é de estar num local longe da comunidade.
Na minha belíssima e longínqua Itália, nossos “quase paesani” em Cisternino estão a se preparar para o tal “fim-do-mundo”:
http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=cidade-italiana-acredita-que-ira-escapar-do-fim-do-mundo-0402CC183266C8914326&mediaId=14223203&tagIds=30105&orderBy=mais-recentes&edFilter=editorial&time=all¤tPage=1
[…] sobrevivi eu e o meu grupo – que estamos escondidos aqui numa caverna na aldeia francesa de Bugarach. Será que existem mais grupos de sobreviventes espalhados pelo […]
[…] Artigo. Palestra (vídeo + vídeo). Sagan. Matar pessoas. Lucro e Suicídios. Consequências. Bugarach. Calendário Maia. Inscrição Maia sobre fim-do-mundo. Calendário Maia mais antigo. História dos […]