Como disse o famoso cirurgião cardíaco Dr. Michael DeBakey, que colaborou com a NASA numa de suas invenções mais benéficas, uma bomba de coração artificial: “A NASA está envolvida na investigação de forma muito activa. Tem como objectivo explorar o espaço. Mas, para isso, tem que fazer todos os tipos de pesquisa – pesquisa biológica, pesquisa em física e assim por diante. Então é de facto uma organização de pesquisa muito, muito intensa. E sempre que se tiver qualquer tipo de organização ou de actividade de pesquisa intensa em andamento, daí afluem novos conhecimentos. “A história dos impactos tangíveis da NASA nas nossas vidas quotidianas não obterá tanta atenção como as dramáticas missões espaciais, mas o retorno sobre o investimento para a sociedade a partir de actividades desafiadoras da NASA é significativo. Foi animador, portanto, quando o jornal USA Today consagrou recentemente uma classificação, um top, das “25 melhores descobertas científicas” que ocorreram nos seus 25 anos, e 9 delas vieram do espaço, 8 directamente da NASA. Num discurso que encetou as celebrações do quinquagésimo aniversário da NASA, o seu administrador Michael Griffin, declarou:
“Nós vemos os efeitos transformadores da economia do espaço ao nosso redor através de inúmeras tecnologias e competências que salvam vidas. Vemos a economia de espaço nas vidas salvas quando o rastreio do cancro da mama avançado detecta tumores a tempo para o seu tratamento, ou quando um desfibrilador cardíaco restaura o ritmo adequado do coração dum paciente. Vemos isso quando os satélites meteorológicos nos avisam dos furacões que vêm, ou quando os satélites fornecem informações essenciais para a compreensão do nosso ambiente e dos efeitos da mudança climática. Vemos isso quando usamos uma caixa de pagamento multibanco ou quando pagamos a gasolina na estação de abastecimento com uma resposta imediata electrónica via satélite. As tecnologias desenvolvidas para explorar o espaço estão a ser utilizadas para aumentar a produção agrícola e para procurar bancos de pesca no mar. ”
A transferência de tecnologia é um mandato da NASA desde que a agência foi criada pelo decreto legislativo National Aeronautics and Space Act, de 1958. A lei exige que a NASA forneça a mais ampla divulgação possível e adequada de informações sobre as suas actividades e resultados. Também mune a NASA da autoridade legal para patentear as invenções da sua autoria. O termo “secundário” foi inventado para descrever as tecnologias específicas desenvolvidas pela NASA para as missões que são depois transferidas para uso comercial ou para qualquer outra aplicação benéfica. Até ao momento, a NASA documentou mais de 1.500 histórias de sucesso de spin-off. (Nota: As spin-off são empresas comerciais ou aplicações práticas que se geram a partir da pesquisa para colocar no mercado e nos processos industriais as inovações e as descobertas alcançadas, note-se que uma restauração dum quadro antigo está englobado numa correcta definição de processo industrial, portanto a dimensão do sistema é aqui irrelevante, tanto podem beneficiar um grande sector industrial como micro empresas ou as artes e ofícios).
Apesar do histórico da NASA no avanço tecnológico, uma das queixas mais comuns dos defensores da NASA é que a agência não divulga informação suficiente sobre os benefícios práticos do seu trabalho. É porventura uma tarefa especialmente difícil para os seus engenheiros e dá credibilidade à velha piada: “Como se sabe se um engenheiro da NASA é um introvertido ou um extrovertido? O extrovertido olha para os sapatos quando está a falar. ”
Mas, há um outro lado da história. Apesar dos legisladores de 1958 terem antecipado o potencial da NASA para estimular a inovação tecnológica, é improvável que esses legisladores tivessem antecipado grande parte ou até mesmo somente uma fracção do impacto que a nova agência teria como motor do crescimento económico, e como benfeitor da sociedade, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.
A própria NASA reconheceu, no seu segundo ano de existência, no seu Plano de Longo Prazo elaborado em 1959, que tal futuro seria uma incógnita mas também uma inevitabilidade: “As actividades das ciências espaciais abrangem as fronteiras de quase todas as principais áreas das ciências físicas e estas actividades proporcionam o apoio das ciências físicas para as aplicações específicas na área de electrónica, materiais, sistemas de propulsão, etc, [e] vai contribuir, directa ou indirectamente, para todos os posteriores desenvolvimentos de armas militares e para muitas aplicações civis ainda hoje inimagináveis. “Não poderiam estar mais certos! Naquela época, ninguém poderia ter previsto uma relação entre, digamos, a Estação Espacial Internacional e a restauração de pinturas do século 19, entre a imagem de Marte e antigos manuscritos romanos, ou entre astronautas rumo à lua e a segurança dos alimentos que comemos todos os dias. Nem imaginar quantos milhares de vidas seriam salvas pelos sistemas de busca e salvamento apoiados a partir do espaço ou pela previsão de furacões supracitada ou pelas inúmeras tecnologias hospitalares derivadas da pesquisa da NASA. Ou, outra ligação estranha: as bases de lançamento na Flórida e a Estátua da Liberdade e a Ponte Golden Gate.
Costuma-se dizer que pelo menos alguns dos desenvolvimentos tecnológicos e avanços na ciência, medicina, engenharia e outras disciplinas que surgiram – directa ou indirectamente – a partir de programas da NASA, sem dúvida, eventualmente, teriam ocorrido de qualquer maneira. Quando, onde e por quem é que não podemos saber – nem quão diferente essa evolução poderia ter sido sem a interação de vários avanços em várias áreas, livremente compartilhados, dentro do que tem sido, na história dos avanços humanos, um mero piscar de olho. Mas também não há dúvida de que o espaço é um ambiente único, exigindo inovação rápida e novas formas de pensar, com pouca margem de tolerância para o erro. E essas exigências recompensam-nos a todos quando estimulam a criatividade e a invenção tecnológica.
As áreas em que a NASA desenvolveu tecnologias em benefício da sociedade podem ser genericamente definidas como: saúde e medicina, transporte, segurança pública, bens de consumo, recursos ambientais e agrícolas, tecnologia informática e produtividade industrial. Desde 1976 que a publicação anual NASA Spinoff detalha a influência e o impacto na sociedade das actividades da agência. Mais detalhes sobre estes e outros programas, tecnologias e spinoffs podem ser acedidos através da base de dados da NASA Spinoff ou acedidos pelo sítio web da NASA . Além disso, desde 1990, a NASA premeia a sua “Invenção de Governo e Comercial do Ano” e, desde 1994, o “Software do Ano”. Os exemplos a seguir, mostrados pelo ano em que foram publicados no NASA Spinoff, são meramente indicativos do impacto social positivo da NASA ao longo dos anos.
1978: Teflon revestidos de fibra de vidro. Desenvolvidos nos anos 1970 como um novo tecido para roupas espaciais dos astronautas têm sido utilizados como um material de cobertura permanente para edifícios e estádios em todo o mundo. (A propósito, ao contrário do mito urbano, a NASA não inventou o Teflon).
1982: Os astronautas que trabalharam na superfície lunar usavam roupas com refrigeração líquida sob os seus fatos espaciais para protegê-los de temperaturas próximas dos 250 graus Fahrenheit (~121 ºC). Estas peças de vestuário, desenvolvidas e aperfeiçoadas no Johnson Space Center da NASA, estão entre os spinoffs mais utilizados da agência, com adaptações para sistemas de refrigeração portáteis para o tratamento de doenças médicas, tais como síndrome de queimadura nas pernas (uma situação neurológica designada em Inglês por RLS- Restless Leg Syndrome), esclerose múltipla, lesões na coluna vertebral e lesões desportivas.
1986: Um projecto conjunto do Bureau Nacional de Padrões e da NASA dirigido pelo Johnson Space Center, resultou num sistema de respiração portátil muito leve para os bombeiros. Agora amplamente utilizada nos aparelhos de respiração, esta tecnologia da NASA é responsável pelas reduções significativas das lesões por inalação sofridas pelos soldados da paz.
1991: Partindo de 3 diferentes tecnologias desenvolvidas pela NASA para a concepção e teste do seu chassis de autocarro escolar, uma empresa baseada em Chicago foi capaz de criar um chassis mais seguro, mais confiável e mais avançado, que agora detém uma grande quota de mercado neste tipo de transporte.
1994: Baseando-se em tecnologias criadas para as naves espaciais em serviço activo, uma empresa sediada em Santa Barbara desenvolveu um braço mecânico que permite que os cirurgiões operem com três instrumentos em simultâneo, durante a realização duma cirurgia laparoscópica.
Em 2001, a primeira operação robótica cirúrgica completa foi bem sucedida, quando uma equipa de médicos de Nova Iorque retirou a vesícula biliar duma mulher em França ao usar este equipamento que é designado por Computer Motion.
1995: O Dr. Michael DeBakey do Baylor College of Medicine, em parceria com o engenheiro David Saucier do Johnson Space Center desenvolveu uma bomba cardíaca artificial – com base no projecto de engenharia do espaço da NASA para as bombas de combustível do motor principal do vaivém espacial – que suplementa a capacidade de bombagem do ventrículo esquerdo no coração. Mais tarde, uma equipa do Centro de Pesquisa Ames modelou o fluxo de sangue, e melhorou o projecto para evitar danos às células sanguíneas. O dispositivo DeBakey Assist Left Ventricular (DAV) pode manter o coração num estado estável em doentes que necessitem dum transplante dum dador, até este se verificar, o que pode variar entre um mês e um ano. Algumas vezes, o implante permanente do LVAD pode anular a necessidade dum transplante. Bernard Rosenbaum, do Johnson Space Center, o engenheiro de propulsão que trabalhou com o grupo DeBakey-Saucier disse: “Eu vim para a NASA em 1960 quando trabalhávamos para pousar homens na Lua, e eu nunca sonhei que poderia também tornar-me numa parte dum esforço que poderia ajudar a vida das pessoas. Sentimo-nos então cheios de energia e animados a fazer o que fosse preciso para se perfazer o trabalho. ”
2000: O prémio NASA “Software do Ano” foi para o Global Differential GPS (IGDG), um pacote de linguagem C baseado na Internet que fornece uma capacidade de ponta a ponta neste sistema baseado no GPS que permite o posicionamento e a determinação duma dada órbita em tempo real. Desenvolvido no NASA Jet Propulsion Laboratory, o software está a ser usado para operar e controlar em tempo real os fluxos de dados GPS oriundos do NASA GPS Global. A Administração da Aviação Federal tem adoptado o uso deste software para o programa Wide Area Augmentation System que fornece, em tempo real, aos pilotos no espaço aéreo dos EUA, o conhecimento exacto, na ordem de grandeza do metro, das suas posições.
2000: Três contratos Small Business Innovation Research com o Langley Research Center da NASA resultaram num novo sistema de baixo custo para um pára-quedas balístico que pousa uma aeronave inteira no chão em caso de emergência. Estes pára-quedas, agora em uso nas aeronaves civis e militares, pode fornecer uma aterragem segura para pilotos e passageiros em caso de falha de motor, colisão aérea, desorientação ou incapacitação do piloto, spin não recuperado, gelo extremo e esgotamento de combustível. Até ao momento, o sistema de pára-quedas salvou mais de 200 vidas.
2005: Dois cientistas do NASA Kennedy Space Center (KSC), e três membros do corpo docente da Universidade da Flórida Central uniram-se para desenvolver a tecnologia que obteve o prémio da NASA Governo e Invenção Comercial do Ano de 2005, o Emuslsified Zero-Valent Iron (EZVI). Projectado para atender a necessidade de limpar o chão do complexo de lançamentos histórico 34 no KSC, que estava poluído com solventes com cloro utilizados para limpar peças do foguete Apollo, a tecnologia EZVI fornece uma solução de limpeza eficaz e eficiente para a poluição do subsolo que representa uma ameaça de contaminação das fontes de água doce da região. Esta tecnologia tem potencial para uso na limpeza de contaminações ambientais para o Departamento de Energia, Departamento de Defesa, NASA, e para instalações da indústria privada em todo o país.
Além de reconhecer o valor dessas tecnologias, a história das pessoas por detrás da inovação também é inspiradora. Considere-se o caso do Dr. Rafat Ansari, um cientista veterano do Glenn Research Center da NASA, que, ao trabalhar em experiências de física dos fluídos realizadas pelos astronautas no espaço, encontrou um uso incomum para um dispositivo da NASA, quando o seu pai enfrentou o desafio da catarata, uma patologia dos olhos. As experiências de física observavam sistemas coloidais, pequenas partículas que ficam em suspensão nos líquidos, uma descrição que também passou a ajustar-se à natureza da doença ocular do seu pai. Num lampejo de presença de espírito, Ansari compreendeu que o instrumento que estava a ser desenvolvido como parte da experiência dos coloides poderia ser capaz de detectar a catarata – possivelmente mais cedo do que nunca. O dispositivo está agora a ser utilizado para avaliar a eficácia de novas terapias não cirúrgicas para as fases iniciais do desenvolvimento de cataratas. Também está sendo adaptado como uma forma indolora para identificar outras doenças oculares, diabetes e possivelmente até mesmo a doença de Alzheimer. O dispositivo também pode ter um retorno inesperado para a NASA: tem sido investigado como uma possível ferramenta médica para os astronautas, que podem desenvolver catarata como um efeito do tipo de exposição à radiação que poderiam sentir em voos espaciais de longa duração. Talvez o mais interessante é a motivação que o espaço forneceu para Ansari perseguir uma carreira na ciência. Ele diz que essa motivação se remete inteiramente para um único momento: quando ele tinha 9 anos de idade, no Paquistão, viu as imagens de televisão ao vivo, granuladas, de pessoas andando pela primeira vez na Lua.
Este exemplo ilustra como os objectivos extraordinários da NASA inspiram mentes excepcionais. Também mostra como as estranhas conexões acima mencionadas podem acontecer. Assim, como estão a Estação Espacial Internacional e as obras de arte antigas relacionadas? Bem, o oxigénio atómico encontrado a centenas de quilómetros acima da Terra ataca e corrói muito gradualmente os materiais usados nos satélites e nas naves espaciais. A NASA construiu uma unidade aqui na Terra que bombardeia os materiais que vão para a Estação Espacial Internacional com oxigénio atómico para testar a sua durabilidade. Os engenheiros Bruce Banks e Sharon Miller do NASA Glenn Research Center perceberam que suas instalações de oxigénio atómico poderiam ser usadas duma forma positiva, e não destrutiva: poderiam remover gradualmente material indesejado das superfícies sem precisar das tocar ou das esfregar. A sua invenção tem sido usada para restaurar duas pinturas do século 19 danificadas pela fuligem dum incêndio numa igreja em Cleveland, Ohio, e a técnica também restaurou uma pintura de Andy Warhol vandalizada, para beneficio do Museu de Arte de Pittsburgh. Em ambos os casos, nenhum dos métodos existentes de restauração de arte iria funcionar. Mais uma vez, as exigências exclusivas da exploração do espaço criaram inovação exclusiva aqui na Terra.
E como na segurança alimentar? Bem, a NASA inventou um sistema (realmente um guia de sete passos para monitorizar e testar a produção de alimentos) para tentar garantir que os astronautas a caminho da Lua não iriam sofrer qualquer intoxicação alimentar. Vinte e cinco anos depois, a Food and Drug Administration e o Departamento de Agricultura aprovaram o sistema de segurança para todos os cidadãos dos EUA, e, um ano mais tarde, de acordo com a indústria, o número de casos de salmonela caiu por um factor de dois.
Hoje, a Estátua da Liberdade e a Ponte Golden Gate são revestidas por um material de proteção que a NASA precisou de inventar para proteger as suas plataformas de lançamentos dos efeitos destrutivos do ar quente, húmido e salinizado.
Finalmente, os métodos de imagem multi-espectrais utilizados para ver e compreender a superfície de Marte foram aplicados, como o Chicago Tribune observou em 2006 “, nos manuscritos romanos muito carbonizados que foram enterrados durante a erupção do Monte Vesúvio no ano 79 d.C.. . Examinando esses manuscritos carbonizados em diferentes comprimentos de onda de luz, estes revelaram de repente que continham uma escrita invisível para os estudiosos que os examinavam há dois séculos. ”
Todos estes exemplos são apenas o prefácio duma longa história. Embora a sua existência seja uma fonte de orgulho, temos de entender que a América não criou o programa espacial com a ideia de ganhar esses benefícios colaterais. Mas, graças ao seu histórico comprovado de desenvolvimento de novas tecnologias, é provável que, nos próximos 50 anos, a NASA venha a continuar a inspirar novas indústrias, revolucionar as já existentes e venha a criar novas possibilidades para o futuro, beneficiando as pessoas em toda a parte.
Howard Ross também contribuiu para este artigo. Podem ler o original em Inglês aqui.
4 comentários
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No passado a minha leiguise me tornava um imbecil achando que todo estudo espacial era em vão.
Hoje penso totalmente diferente, agradeço a Deus e a NASA pela relevante caminhada rumo a tecnologia bem empregada por cientistas astronautas e posteriormente repassada para a humanidade. Obrigado.
E ainda dizem que é um exagero o dinheiro gasto na exploração espacial!!| Tantos, tantos benefícios resultam para a nossa vida de todos os dias ,para além de nos dar a conhecer cada vez um pouquinho mais desta casa que é o nosso Universo!!!! Se falassem em bombas e armas para a guerra, então eu estava de acordo.
Um bom ano de trabalho para o Astropt (infelizmente talvez mal recompensado) é o que eu desejo.
excelente artigo!!! : )
“Apesar do histórico da NASA no avanço tecnológico, uma das queixas mais comuns dos defensores da NASA é que a agência não divulga informação suficiente sobre os benefícios práticos do seu trabalho. É porventura uma tarefa especialmente difícil para os seus engenheiros e dá credibilidade à velha piada: “Como se sabe se um engenheiro da NASA é um introvertido ou um extrovertido? O extrovertido olha para os sapatos quando está a falar. ” ”
🙂 😛