Faz hoje nove anos que um veículo robótico com metro e meio de altura, 2.3 metros de largura e 1.6 metros de profundidade poisou em segurança numa gigantesca cratera do planeta Marte chamada Gusev. Percorrera 487 milhões de quilómetros em sete meses e preparava-se para investigar um local onde se acreditava ter já existido um enorme lago de água em estado líquido.
Tanto o Spirit como o irmão gémeo Opportunity – este chegou três semanas depois – foram batizados a partir de um poema de uma órfã de nove anos, escolhido entre 10 mil candidaturas.
«Costumava viver num orfanato» – escreveu Sofi, a criança de origem russa adotada aos dois anos pelo casal Collis num orfanato na Sibéria. – «Era escuro e frio e solitário. À noite, olhava para o céu cintilante e sentia-me melhor. Sonhava em poder voar até lá. Na América, posso fazer com que os meus sonhos se tornem realidade… Obrigado pelo Espírito e Oportunidade.»
Sofi Collis, órfã de sorriso fácil e com uma fé inabalável no futuro da terra dos sonhos e das oportunidades, tornou-se uma celebridade de um dia para o outro.
Esteve a 8 de junho de 2003 nas instalações do Kennedy Space Center ao lado do administrador da NASA, Sean O’Keefe, para revelar ao mundo o nome dos rovers e ler o texto a partir do qual tinham sido batizados; tirou fotografias ao lado de uma réplica dos veículos, conheceu muita gente e assistiu dois dias depois ao lançamento do foguetão Delta II que elevou aos céus o Mars Exploration Rover-A (MER-A), conhecido daí em diante pelo nome Spirit.
«Ela carrega em herança e património a alma de duas grandes nações exploradoras do Espaço», afirmou então O’Keefe. «E graças a ela, temos agora dois nomes à altura da ousada missão que se está prestes a iniciar». Sofi disse que queria ser astronauta quando fosse grande. Depois regressou à escola já como uma especialista em Marte, garantindo aos coleguinhas que no planeta não só havia água como marcianos microscópicos.
O mundo deixou de ter notícias da pequena Sofi, mas o rover acabou por ser uma das missões de exploração interplanetária mais bem-sucedida de sempre.
Era para ter durado três meses, mas manteve-se em atividade até 22 de março de 2010, dia em que comunicou com a Terra pela última vez – mais de seis anos após a data em que teria passado de prazo.
O Spirit percorreu 7,73 quilómetros, 12 vezes a distância que os responsáveis da missão haviam previsto. Enviou para a Terra mais de 124 mil imagens, incluindo aquela que é a mais famosa das fotos tiradas em Marte: o pôr-do-sol na cratera Gusev, captado a 19 de maio de 2005.
Sem o saber, um pequeno robô dava razão às palavras em Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, escritas 91 anos antes durante uma noite de insónia: «Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o universo… Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura».
Planeta vermelho, planeta branco
O maior achado do Spirit aconteceu por acaso – o acaso, de resto, é o pai de muitas descobertas científicas. Desde 2006 que o rover estava «coxo»: uma roda dianteira deixara de funcionar, pelo que o veículo ainda chegou a percorrer um quilómetro com essa roda a arrastar-se pelo solo.
Numa ocasião em que fazia inversão de marcha, o arrastamento da roda «coxa» escavou um tipo de solo branco e brilhante. Que raio seria aquilo? Os espectrómetros do Spirit deram a resposta: «aquilo» era sílica quase em estado puro.
A presença de sílica mostrava que no passado tinham existido fontes termais ou saídas de vapores naquele local – condições propícias à existência de vida microbiana. O Spirit mostrou-nos também que este Marte seco, frio e desértico que hoje observamos já tinha sido um planeta onde água e rocha interagiam em grandiosas explosões vulcânicas.
Os dados recolhidos pelo espectrómetro no monte Husband revelaram que numa rocha exposta (os geólogos chamam-lhe afloramento) existiam altas concentrações de carbonatos – um material muito comum na Terra e cuja presença implica a existência, no passado do planeta, de um ambiente molhado, sem formação de ácido, favorável ao surgimento de micróbios marcianos.
O minúsculo Spirit superara todas as expectativas e já podia descansar em paz.
Em abril de 2009, ficou atolado em areia e incapaz de se mover; uma tentativa para o libertar, feita a 26 de dezembro desse ano, acabou por afundá-lo ainda mais. Finalmente, a 22 de março de 2010, deixou de comunicar. A última tentativa de obter controlo do rover foi feita a 24 de maio de 2011 – nada aconteceu.
Fez-se uma festa de despedida na sede da NASA. Nada havia a lamentar: muito fizera e resistira um pequeno veículo que deveria ter durado apenas três meses sob as inóspitas condições marcianas. Mais do que uma América minada pela crise económica, o distante Marte revelara-se a terra de sonhos e oportunidades em que a pequena Sofi acreditara há quase dez anos.
Um voo inesperado
Nunca mais se soube o que acontecera à criança que fora recebida na NASA como uma campeã – estaria ainda a perseguir o sonho de se tornar astronauta, como afirmara nas instalações da NASA? Estudaria para se tornar uma especialista à procura de vida em Marte ?
Nas vésperas de Natal do ano passado, os americanos foram alertados para uma notícia de última hora: uma adolescente de 19 anos chamada Sofi e residente em Scottsdale, no Arizona, desaparecera de casa do casal Collis. Assustados, os pais tinham comunicado o desaparecimento à polícia.
Quando os media descobriram que aquela Sofi era a mesma que batizara as sondas marcianas, a notícia do desaparecimento transformou-se na grande história do dia. Polícias e voluntários procuraram-na, em vão. Finalmente, na noite de 25 de dezembro, os pais telefonaram à polícia afirmando que a jovem regressara a casa, sã e salva.
Na verdade os pais tinham entrado em pânico porque Sofi, além de revelar problemas de aprendizagem na escola, sofre de epilepsia: tinham receado que pudesse vir a ter um ataque na rua, sem medicamentos para a acudir.
A rapariga foi entrevistada por um jornalista dias depois, mas recusou-se a explicar ao mundo por que razão saíra sem avisar. Aceitou apenas dizer que «nunca pensa» sobre o facto de ter dado os nomes aos rovers: «é história antiga».
Sofi, a orfã que procurava consolo nos céus cintilantes, cresceu e já não quer ser astronauta.
5 comentários
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Marco,
http://www.g17.com.br/noticia/ciencia/robo-da-nasa-e-atacado-em-marte-por-coisa-misteriosa-e-camera-sai-do-ar.html
😉
Isso é verdade, ou só é mais uma dos pseudos?
O G17 é um jornal humorístico brasileiro. É só para fazer rir.
maior parte das vezes é assim … o sonho está na ponta da lingua…
Gostei muito do Blog.
Ótima história!
[…] Janeiro de 2004, os rovers Spirit e Opportunity chegaram a Marte. Tinham uma expectativa de vida de 3 meses, mas […]