por Robert Krulwich
11 de janeiro de 2013 10:05 da manhã.
É difícil imaginar como uma pedra tão pequenina – que não é mesmo uma rocha completa, mas apenas um grão, uma gota minúscula de mineral que mal atinge a espessura dum cabelo humano – poderia reescrever a história do nosso planeta. Mas é o que parece estar a acontecer.
O que é isso? É um Zircão, que com étimo na palavra farsi (persa) “zargun” significa “cor dourada”, um mineral extremamente resistente encontrado em todo o mundo. Este foi encontrado numa região seca e montanhosa da Austrália Ocidental. Estava no interior duma rocha maior, e quando os cientistas a examinaram, verificaram que este pequeno grão foi formado há cerca de 4,4 mil milhões de anos (4,4 bilhões de anos no Brasil, pela notação curta). Isso torna-a na rocha mais antiga que já vimos neste planeta, idade suficiente para saber segredos sobre a Terra primitiva, idade suficiente para nos contar um pouco sobre o início da vida na Terra.
Afinal de contas, este planeta, dizem os geólogos, tem apenas 4,5 ou 4,6 mil milhões de anos. Portanto, este pequeno grão tem estado presente quase desde o começo – mas não completamente.
Ele é cerca de 150 a 300 milhões de anos posterior. Não há rochas de superfície dessa época que tenham sobrevivido porque, calculamos, havia então vulcões a explodir constantemente, e as rochas foram aquecidas, vaporizadas, derretidas, literalmente puxadas para baixo da terra. Havia oceanos de lava ardente em todos os lugares; os asteroides despenhavam-se de cima, pegando fogo ao ar. No início, a Terra não era um lugar de todo agradável.
Este período tem um nome: é designado por Éon Hadeano, do grego antigo. A palavra em português éon é oriunda do termo Grego aion, que significa “era” ou “força vital,” e Hades é uma designação erudita de “infernal”. Este inferno derreteu todas as rochas na superfície da Terra, e quando está tão quente como Hades, não se pode ter vida. A Terra teve que esperar pelo seu primeiro ser vivo até mais tarde – até as coisas terem arrefecido e acalmado. Isso, pelo menos, é o que costumamos pensar.
O que nos diz o pequeno rochedo…
… Até os cientistas terem observado mais cuidadosamente este grão de pedra. (Mal consigo explicar como estou atónito para dizer o que estou prestes a dizer… por vezes a audácia intelectual destes relatos científicos deixa-me de olhos esbugalhados)
Quando os Geoquímicos Bruce Watson e Mark Harrison observaram este grão mais de perto, puderam ver onde “começou”. Os cristais são minerais que crescem, ou endurecem a partir dum estado mais quente, o líquido, e este cristal tem o seu início no canto inferior esquerdo, no local marcado como “núcleo”.
Então, à medida que as coisas arrefeceram, esta pedra cresceu, adicionando mais e mais camadas. Podem-se ver estas camadas, que se inclinam para a direita. Eis-nos chegados a um ponto essencial sobre a formação das rochas: Quando os cristais crescem, agarram outros minerais, tudo o que estiver no seu caminho. É como se estivessem a pedir boleia pela estrada fora. Quando esta pedra minúscula cresceu, agarrou pequenos pedaços de titânio.
O ‘Termómetro’ de Titânio
Os Geoquímicos sabem que os zircões agarram mais titânio quando estão mais quentes, menos quando mais frios, e, por isso, se se contarem as concentrações de titânio, pode-se descobrir a temperatura quando a rocha foi formada: X quantidade de titânio, por exemplo, significa que foi 600º Celsius quando cresceu; quantidade Y de titânio significa que estava submetida a 350 ºCelsius. Os cientistas chamam a esta equação “o termômetro de titânio.”
Então, Watson e Harrison contaram as concentrações de titânio numa amostra desses grãos de zircão muito antigos, comparando-as com o termómetro e descobriram que quando esses zircões se formaram, as temperaturas apontavam cerca de 680 ºCelsius, com uma margem de mais ou menos 20 ºC.
Para os geólogos, esta foi uma grande notícia, semelhante a encontrar uma equipa de natação no meio do que se pensava ser um deserto.
As rochas que cristalizam a estas temperaturas foram expostas à água. Isso é algo que os geólogos sabem, diz-nos o professor Watson:
“Qualquer rocha aquecida na presença de água – qualquer rocha, em qualquer altura, em qualquer circunstância – começa a derreter entre os 650 e 700 graus. Este é o único processo terrestre que ocorre de modo previsível.”.
Então, de repente, surgia a prova de que a Terra quente, encarniçada de lava, Terra, fervendo sem vida há 4,4 mil milhões de anos afinal estava coberta de água! E o que é mais, segundo Watson: “nós sentimos que os resultados apontam mais fortemente para a ideia da presença de água na superfície.”
Oceanos, talvez!
Isso é “uma ruptura radical com a sabedoria convencional”, diz por seu turno o Professor Harrison. Ele sugere que, apesar dos meteoritos e dos asteroides que bombardeavam a Terra, mesmo que os vulcões fossem extremamente activos, deve ter havido intervalos – cedo, muito cedo – talvez nos primeiros 150 milhões de anos de história da Terra – ao longo dos quais a Terra poderia recuperar fôlego, acalmar e criar um oceano.
E, sim, de vez em quando um asteroide monstruoso faria explodir o oceano para o céu, mas logo o oceano inteiro? Talvez nalgum canto do planeta, permanecesse água suficiente para permitir formar um micróbio amante do calor.
Muito bem, dirá o leitor, mas qual é o seu ponto? Porque ficou assim de olhos esbugalhados?
Será que a vida é como um cavalo de corrida? Preparado? Pronto para correr?
Aqui está porquê: é possível agora imaginar que a vida começou na Terra quase tão cedo quanto a Terra começou – que a vida (na presença de água), se não é inevitável, é, pelo menos, assaz insistente. Uma vez que se tenha um planeta com água – BINGO!
Se isso for verdade, as hipóteses de vida no universo, de repente melhoram – e dramaticamente.
Aqui na Terra, a vida poderia ter-se formado, ter sido volatilizada, e ter-se formado novamente – e, numa dessas vezes, lá em baixo, nas profundezas dalgum oceano temporário, ter-se fixado junto duma quente chaminé hidrotérmica. A Vida ficou.
Isso é o que esta lasca minúscula duma rocha agora nos permite pensar: que a vida tem tal potência, tal urgência, que, assim que lhe é possível – a vida acontece!
Essa é uma história grandiosa que se encontra numa pequena pedra.
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Citações e Agradecimentos:
A citação do Professor Bruce Watson advêm duma entrevista conduzida por Rebecca Lindsey e David Morrison em 2006. Mark Harrison é citado no novo livro de Craig Childs: http://www.npr.org/books/titles/163963688/apocalyptic-planet-field-guide-to-the-everending-earth
O último enigma para os historiadores da Terra primitiva é como poderia haver água em estado líquido na superfície da Terra há 4,5 bilhões de anos, quando o sol estava tão mais débil? Por que não houve o congelamento dos oceanos? Carl Zimmer versou sobre este enigma no seu blog The Loom.
http://phenomena.nationalgeographic.com/2013/01/03/life-under-a-faint-sun/
Agradeço ao Engenheiro Espacial Dan Gutierrez a amabilidade de ter indicado este artigo da NPR, e a esta a devida autorização para o traduzir e publicar este artigo de Robert Krulwich.
7 comentários
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Excelente artigo.
Rui, o consenso científico desde a década de 1960 é que existiam oceanos líquidos na Terra primitiva, e as linhas de evidência a que mais esta prova extremamente forte se adiciona já estabelecerem consensualmente este facto.
A amostra por sua vez não é minúscula, isso é mesmo do mundo do muito grande. :)) Em termos de espectrómetro é gigantesca e o termómetro do Titânio é concludente por ser muito fiável.
Junto um paper com estes factos, no final.
O que este consenso despoleta é um enorme paradoxo: como é este facto possível perante um Sol muito jovem cerca de 25% mais fraco (em fluxo de radiação que é equacionado hoje com muita precisão pela climatologia) mantinha gigantescas porções dos oceanos na fase líquida da água?
Seria por factores como a composição da atmosfera (ausência de Oxigénio), dos próprios oceanos (extremamente ferrosos, como o são hoje os fundos oceânicos) ou estes factores seriam efeitos de dias mais curtos, duma órbita mais próxima e também de aquecimento moderado provocado pela actividades geológicas e pelas ressacas dos embates com meteoritos, cometas e asteróides?
Possivelmente um “mix” destes factores, com ponderações ainda por atribuir. É que isso teria consequências no ciclo do carbono e no seu cruzamento com o ciclo da água.
Esse sim é o debate em aberto. Como muitas vezes em Ciência, um facto firmemente estabelecido coloca um paradoxo mais vasto que impulsiona o avanço do conhecimento, até pelo desafio que coloca :))
O teu comentário é excelente porque valoriza e aprofunda este tema e “obriga” a chamar o paper referido no artigo de Carl Zimmer, digamos que descasca mais uma camada da cebola da nossa curiosidade :))
http://arxiv.org/pdf/1204.4449.pdf
O artigo é muito interessante e a tradução muito boa!
As ilações que se retiram dos poucos dados fornecidos pelo minúsculo mineral são fascinantes porque lançam alguma luz sobre o nosso parco conhecimento acerca das condições existentes nos primórdios do nosso planeta. E numa época em que estamos a descobrir, virtualmente todos os dias, novos planetas a orbitar outras estrelas, é fundamental termos um modelo de formação e evolução planetária que nos permita interpretar o que vamos descobrindo.
No entanto, não vejo as coisas com o mesmo otimismo que o autor. Trata-se da análise de um único e minúsculo cristal. A amostragem não podia ser menor.
Sem dúvida que essa análise nos dá pistas para as condições em que se formou. Mas não temos qualquer garantia de que essas condições sejam representativas das condições a nível planetário.
Mas tenho a certeza que os geólogos continuam a trabalhar e a pesquisar e mais cedo ou mais tarde surgirão outras pistas que corroborem (ou não) estas conclusões.
Fascinante!
Assim como a vida no planeta, a insistente curiosidade dos leitores do Astropt vem buscar informações no Astropt! 🙂
Excelente artigo, Manel 😀
Magnífico
Obrigado Állison, na verdade tive muito gosto em traduzir este artigo de Robert Krulwich. :))
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