Forma do Universo se conhecer a si próprio
Apesar de me parecer uma noção com geocentrismo psicológico, cá fica esta frase de Carl Sagan:
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Carlos Oliveira
Carlos F. Oliveira é astrónomo e educador científico.
Licenciatura em Gestão de Empresas.
Licenciatura em Astronomia, Ficção Científica e Comunicação Científica.
Doutoramento em Educação Científica com especialização em Astrobiologia, na Universidade do Texas.
Foi Research Affiliate-Fellow em Astrobiology Education na Universidade do Texas em Austin, EUA.
Trabalhou no Maryland Science Center, EUA, e no Astronomy Outreach Project, UK.
Recebeu dois prémios da ESA (Agência Espacial Europeia).
Realizou várias entrevistas na comunicação social Portuguesa, Britânica e Americana, e fez inúmeras palestras e actividades nos três países citados.
Criou e leccionou durante vários anos um inovador curso de Astrobiologia na Universidade do Texas, que visou transmitir conhecimento multidisciplinar de astrobiologia e desenvolver o pensamento crítico dos alunos.
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Se substituirmos o “a” por “uma” e a despirmos de qualquer teleologia, a proposição é factual e indiscutivelmente verdadeira, sugerindo ao mesmo tempo uma diferença antropológica específica, uma definição do nosso lugar e papel no Cosmos e um possível sentido para a vida humana:
A) Para sabermos verdadeiramente quem somos, donde vimos e para onde vamos, precisamos de conhecer não só a nossa natureza, origem e destino individuais, mas a origem, natureza e destino de tudo o que existe, ou seja, do Universo inteiro. Vejamos porquê, analisando sinteticamente o problema da origem e tomando-o como exemplo válido igualmente extrapolável para os outros dois: saber de onde viemos, ou conhecer a nossa origem, implica, obviamente, num primeiro momento, saber quem foram os nossos pais; mas tão logo cheguemos aí, o problema persiste sob a forma de sabermos de onde vieram eles por sua vez, e assim sucessivamente, num movimento de recuo cada vez mais alargado, até percebermos que necessitamos de conhecer a totalidade da história humana se queremos realmente compreender a nossa origem, pois se ela não tivesse existido ou tivesse sido diferente, nós, pura e simplesmente, não estaríamos aqui; compreenderemos depois que a história cultural ou civilizacional do Homem também não é suficiente para explicar de onde viemos, porque se o Homem, enquanto espécie, não existisse, se tivesse extinguido, fosse diferente, ou tivesse evoluído de maneira diferente, nós também aqui não teríamos chegado, pelo que carecemos igualmente de saber como e porquê evoluiu o Homem como espécie para tornar possível a nossa própria existência; somos desse modo conduzidos ao problema da origem do Homem, enquanto espécie a que pertencemos e de onde derivamos, já que foi essa origem que nos trouxe até aqui, permitindo a nossa existência individual; mas como para conhecermos a origem da espécie humana e a sua evolução, isso implica conhecer as espécies que a antecederam e que nela se transformaram, logicamente o processo obriga-nos a expandir e a recuar à origem e evolução de toda a vida na Terra, a fim de percebermos como e porquê surgiu a espécie de que fazemos parte; no entanto, se formos suficientemente honestos, teremos de reconhecer que esse ainda não é o último nível da equação da nossa origem, pois antes de haver vida na Terra já havia a própria Terra onde ela foi gerada, e, antes desta, o Sol, à volta do qual orbita e em volta do qual se formou, o que nos leva ao problema da origem do sistema solar como um todo, daqui ao problema da origem da galáxia em que estamos integrados, e desta à origem do próprio Universo como um todo, caso queiramos ser lógicos e levar o processo compreensivo-explicativo até às suas últimas consequências, sem cedências nem concessões teóricas à preguiça ou à facilidade, sem qualquer receio de nos afundarmos cada vez mais no mistério das origens, nem tampouco tentando contorná-lo artificialmente através do seu bloqueio algures a meio do caminho. Ora, basta agora estender este raciocínio, aplicando-o às outras duas questões relacionadas, e teremos assim a justificação da tese inicial, posto que tanto a nossa natureza como o nosso destino dependem directamente da nossa origem, o que faz com que a resposta à primeira questão condicione a resposta às outras duas: o nosso destino resulta da nossa natureza, e esta, por sua vez, resulta da nossa origem. Visto que a nossa origem individual remonta à nossa história colectiva, esta à nossa origem antropológica, a qual nos conduz à origem e evolução biológica, e daí à origem e evolução do Universo como um todo, sendo e fazendo nós parte dele a todos esses níveis e em relação a todas essas dimensões, física, biológica e antropologicamente, dessa nossa relação de identidade e pertença em relação a tudo o que existe segue-se que só ficaremos a conhecer a nossa verdadeira natureza e o nosso provável destino, tanto individual, como colectivo e específico, quando conhecermos e percebermos a totalidade do que é e como se formou o Homem, do que é, como se formou e como evoluirá a vida, e do que é, como se formou e evoluirá o Cosmos, em suma, quando soubermos tudo o que há para saber.
B) Será que a vida tem sentido? E se tiver, qual será ele? E o que significa a vida ter um sentido? E existirá ele objectivamente, podendo por isso ser descoberto por nós, ou será uma criação subjectiva nossa? Dependerá o sentido da vida da existência ou inexistência de Deus? Bom, uma vez que não sabemos com certeza absoluta e sem margem para dúvidas, nem podemos eventualmente provar de modo seguro que Deus (não) existe – ou qualquer força, ser, entidade ou princípio análogo, independentemente do nome que lhe dermos – e que, por consequência, (não) existe um desígnio inteligente universal que, à escala cósmica, biológica e/ou humana, tenha simultaneamente criado a estrutura e oriente a evolução do universo, da vida e do homem para uma qualquer finalidade transcendente que confira valor e significado a tudo o que existe – há factos e argumentos pró e contra esta perspectiva, embora estes não sejam necessariamente equivalentes e, logo, indecidíveis -, a tese que aqui se propõe e defende é independente disto se verificar ou não, tornando essa questão parcialmente irrelevante para o caso. Assim, a resposta simples e directa à questão de saber se a vida tem ou não um sentido seria simultaneamente sim e não, dependendo da forma como vivemos. Pensando só na vida humana, talvez a vida possa fazer sentido, na tripla acepção de conter um valor, um significado e uma finalidade, quando realizamos aquilo que potencialmente somos como indivíduos e como seres humanos, e não tenha qualquer sentido quando não conseguimos ou sequer tentamos fazê-lo. Assim, a questão do sentido da vida depende directamente daquilo que somos e do conhecimento que temos disso, da nossa natureza e condição. Ora, se aceitarmos, como os clássicos fizeram, que o Homem é, pelo menos à face da terra e o único conhecido, um animal racional e o definirmos como homo sapiens sapiens (e quanta pretensão, arrogância e vaidade se escondem nesta “simples” definição científica, não é verdade?!), então aquilo que devemos ser consiste em realizar esse potencial natural, essa diferença específica da nossa espécie (passe a redundância) e tornarmo-nos aquilo que somos em potência, isto é, sábios e racionais, conscientes e inteligentes, no pensamento e na acção, no conhecimento e na vida, visando o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da nossa natureza, tanto individual como colectiva ou da espécie. “Torna-te naquilo que és”, diziam os antigos; ”conhece-te a ti mesmo”, dizia a inscrição do templo a Apolo em Delfos; “todo aquele que realiza a sua natureza, atinge a perfeição “, diz um livro sagrado hindu. A compreensão e o cruzamento destas três máximas indica o caminho para uma resposta à questão do sentido da vida: devemos conhecer-nos a nós mesmos, não só porque somos os únicos seres conhecidos capazes de o fazer, mas porque só sabendo quem somos e o que somos, donde vimos, para onde vamos, onde estamos e o que fazemos aqui, como indivíduos e como humanidade, poderemos ser verdadeiramente aquilo que somos e quem somos, tornando-nos efectivamente conscientes, inteligentes e racionais, em suma, sábios. Mas como a Sabedoria, a Virtude ou a Perfeição humanas são virtualmente impossíveis de alcançar na plenitude, resta-nos amar, procurar e tentar infinitamente realizar esses ideais reguladores, cada um de nós à sua maneira própria, relativa e diferenciada, atendendo à identidade singular de cada um no seio de humanidade comum a todos, mas orientados pelos únicos princípios e fins absolutos que podem verdadeiramente dar um sentido à vida humana: a Verdade, o Bem, a Justiça, a Beleza e a Sabedoria. Para além disso, como somos simultaneamente partes e produto do Universo, parte e produto da Vida, partes na estrutura e produtos na evolução, nós somos e representamos a possibilidade e a capacidade que o Universo, a Natureza, a Matéria e a Vida têm de se auto-conhecerem, de se tornarem inteligentes e conscientes de si; nós somos – até prova em contrário, os únicos candidatos – a Consciência e Inteligência do Universo, no seu processo de auto-descoberta e auto-compreensão. Realizar esta vocação é cumprir o sentido da nossa vida; não o fazer, desperdiçando-o, é um” pecado” contra nós próprios e a “ordem natural das coisas”, é falhar o alvo, é não cumprir a nossa função e papel – que derivam da nossa natureza e posição no Cosmos – como Mente(s) Consciente(s) do Cosmos, como Alma(s) e Espírito(s) do Universo, e então aí, sim, a vida não faz qualquer sentido.