“Certa vez, numa conversa informal em uma caffetteria, um homem estava conversando com seu amigo e, dentre assuntos político-econômicos, lançou uma pergunta, no mínimo, curiosa:
– Velho amigo, és um homem da Ciência, mas acredita mesmo que este planeta tem bilhões de anos como dizem?
– Caro amici, são fatos e – contra os fatos -, não há muito o que se fazer.”
1) Contexto Histórico
Antes do dinamarquês Nils Stensen (médico anatomista que lançou as bases da Geologia), existiram homens na História que tentaram determinar cientificamente a Idade da Terra com espírito de dúvida e inquietude. Edmund Halley (astrônomo inglês), propôs, em 1715, que a Idade da Terra poderia ser determinada com base no cálculo do tempo necessário de acúmulo de sais nos oceanos (dentre estes, o NaCl, existente em maior proporção), partindo-se do princípio que inexistiam tais sais no início da formação da Terra. Para Halley, uma vez determinada a idade dos oceanos obtia-se, por extrapolação, a idade terrestre.
Porém, a influência religiosa, de maneira negativa, por teólogos europeus, ainda percebida no período Renascentista (século XIII – XVII) e, principalmente, na Idade das “Trevas” (século V – XV), não estimulava a ideia de que a Terra poderia ser bem mais antiga do que se imaginava. No século XVII, James Ussher (arcebispo protestante irlandês) publicou a obra The Annals of the World (baseada em Crônicas de Cooper (1560)), que estipulava o início da Terra em 23 de outubro de 4004 a.C. Felizmente, com o advento das ideias contrárias ao Modelo Geocêntrico e o início das teorias baseadas na ciência empírica, cidadãos como Conde de Buffon (matemático, naturalista e escritor francês), refez os cálculos da Idade da Terra vigentes da época e estimou, através de experimentos com esferas metálicas incandescentes (cujos valores foram posteriormente extrapolados para o diâmetro do planeta), a taxa de arrefecimento da Terra. Com base nestes experimentos, Conde de Buffon concluiu que o planeta teria 74.832 anos – conclusão muito mais correta que a hipótese do arcebispo James Ussher. Obviamente, os experimentos de Buffon não levavam em consideração a taxa de produção de calor pelo decaimento radioativo (ao final do presente post, discorreremos sobre a descoberta da radioatividade e sua importância incomparável no assunto em questão). Contudo, iniciava-se um longo, porém um correto caminho, para a precisa e concreta determinação da Idade da Terra.
2) O Nascimento da Geologia
Com Nils Stensen, a Geologia toma forma e caráter científico, realizando, também, importantíssimas descobertas e contribuições nas áreas da mineralogia, anatomia e paleontologia. Em 1669, Stensen publicou a obra De solidus intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus, no qual elaborou o que conhecemos como Os Princípios da Estratigrafia, a saber:
. Princípio da Superposição: Numa sucessão de estratos de rochas, os sedimentos mais antigos se depositam na base e os mais novos sucessivamente mais acima.
. Princípio da Horizontalidade Original: Depósitos sedimentares acomodam-se sob influência da gravidade, geralmente em camadas horizontais. Sedimentos inclinados sofreram perturbações posteriores.
. Princípio da Continuidade Lateral: Camadas sedimentares são contínuas, estendendo-se em todas as direções, até encontrarem as margens da bacia de deposição.
Com estes princípios, a Geologia, através do método científico, contribuía cada vez mais para a descoberta da Idade Terrestre.
3) Método de Hutton e a Geologia Moderna
Avançando nos estudos geológicos, cientistas da época perceberam que a Terra poderia ser muito mais antiga do que se pensava. Foi com James Hutton (naturalista escocês) que seriam descobertas evidências geológicas bem mais amplas, tais como intemperismo, erosão, vulcanismo, etc. Reformulando principalmente os estudos de Gottlob Werner (mineralogista alemão), Hutton contrariou a versão dos netunistas (não, estes não vieram de Netuno) acerca da relação existente entre um granito (rocha ígnea supostamente primária) alojado num calcário (rocha sedimentar supostamente secundária): com experiências de fusão e resfriamento de rochas, Hutton mostrou que, na verdade, o granito era mais recente que o calcário e não o que afirmava o Netunismo.
James Hutton também notou que, à medida que analisava as evidências metamórficas, a compreensão da Geologia era mais complexa do que se imaginava: no estudo sobre o afloramento (este, um dos mais importantes estudos de Hutton) em sua terra natal, Escócia, percebeu a notoriedade dos processos cíclicos de deformação, erosão, soterramento e deposição, do qual era inconcebível a ideia de uma Terra “recente”. As evidências acusavam um passado extremamente longo da Terra. O naturalista escocês também criou o princípio das relações espaciais e temporais de corpos rochosos conhecido como a Lei das Relações de Corte e a Lei das Inclusões, de acordo com o esquema representativo abaixo:
4) A Vez da Física com William Thompson Kelvin
No século XIX, o físico inglês lord Kelvin, defensor da Panspermia, baseado nas Leis da Termodinâmica e Transferência de Calor (condução de calor de Fourier), estipulou valores para determinados parâmetros na época desconhecidos pela comunidade científica (idade do Sol, temperatura do núcleo da Terra, gradientes de condutividade térmica, etc.). Refinando seu modelo termodinâmico, através das Transformadas de Fourier, Kelvin estimou a idade da Terra entre 25 e 400 milhões de anos. Porém, o modelo proposto por este não levava em consideração (assim como os estudos de Buffon) a recém-descoberta radioatividade e a produção de calor no interior terrestre através do decaimento radioativo. Sobremaneira, o modelo termodinâmico do lorde considerava apenas como fluxo de calor no interior terrestre a condução térmica – quando na verdade, a convecção térmica também possuía papel relevante na transferência de calor através do deslocamento de massas rochosas constituintes do manto terrestre. Todavia, a Ciência, entre sucessões de erros e acertos, estava sempre a avançar.
5) Descoberta da Radioatividade – Holmes – Patterson
No final do século XIX, o físico francês Becquerel descobriu a radioatividade(*) através das emissões de raios “x” deixadas por um dos sais de urânio (K2(UO2)(SO4)2) numa chapa fotográfica. Dando continuidade ao estudo fenomenológico, o casal Curie descobriu que determinadas rochas e minerais emitiam, de modo espontâneo, grandes quantidades de energia. Graças à descoberta da radioatividade e métodos científicos para medir a taxa de decaimento do urânio (U) para o chumbo (Pb), o geocronólogo inglês Arthur Holmes, estimou, com maior precisão, a idade mínima da Terra em 3 bilhões de anos. Mesmo com a ausência de rochas primordiais da formação da Terra – devido à sucessivas transformações geológicas – Claire Cameron Patterson, geoquímico americano, elaborou um método alternativo ao U-Pb: utilizando o método do decaimento radioativo do chumbo (isótopos estáveis) 207Pb – 206Pb, Patterson mediu com precisão inédita as razões isotópicas de chumbo em amostras de meteoritos, no qual chegou as conclusões abaixo baseadas em observações e experimentos já descritos mais acima:
a) Os isótopos estáveis dos meteoritos deve ter tido similar “evolução” aos encontrados na rochas terrestres (em outras palavras, manteve-se “isolado” durante as eras à perdas ou ganhos de átomos pai e filho desde a origem do Sistema Solar);
b) Portanto, a idade das amostras de meteoritos devem ter idade igual à Terra.
A confirmação desta veio com os experimentos posteriores de dois meteoritos contendo material férrico (Fe3+) e três contendo rocha e minerais, obtendo-se a igual idade de 4,55 bilhões de anos (com erro estatístico de ± 0,07). Para corroborar esta hipótese, Patterson (1956) plotou um gráfico contendo tanto as composições isotópicas de chumbo oriundas de sedimentos marinhos relativamente jovens do oceano pacífico e as composições isotópicas dos meteoritos supracitados. O que se viu foi uma reta que passava por todos os pontos – o que provou, além de inúmeros estudos subsequentes de outros cientistas utilizando-se vários métodos radiométricos – que nosso planeta possui, de fato, aproximadamente, 4,5 bilhões de anos.
__________________________________________________________
(*)Nota: já tinha discorrido num artigo anterior acerca da radioatividade.
6) Referências Bibliográficas
– Revendo o Debate sobre a Idade da Terra (Instituto de Física – UFRJ)
http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/351603.pdf
– Princípios de Estratigrafia (Departamento de Paleontologia e Estratigrafia – UFRGS)
http://www.ufrgs.br/paleodigital/Tempo_geologico3.html
– Deep Time: The Age of the Earth (Department of Astronomy – Ohio State University)
http://www.astronomy.ohio-state.edu/~pogge/Ast161/Unit5/deeptime.html
– Radiometric Dating: Clair Patterson (University of California)
4 comentários
1 ping
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Muito bem feito, bem argumentado. Existe coesão e coerência. Muito interessante. Parabéns.
Muito interessante, bem explicado, fácil leitura e compreensão, escrito de forma a que um leigo, como eu, percebesse de forma simples, a evolução do cálculo para a idade da Terra. Obrigado.
Muito bom o artigo. Parabéns!
Author
Acerca da Datação Absoluta – que não foi mencionado no artigo, porém é um método científico que contribuiu sobremaneira no estudo da Geologia – faz-se recomendável a leitura do artigo abaixo:
http://www.ufrgs.br/paleodigital/tempo_geologico5.html
[…] Mapa. Continentes: passado e futuro. Deriva Continental. Ilha nasce. Lapónia. Reed Flute Cave. Idade. Períodos Geológicos. Zircão. Cratera Popigai com diamantes. Interior. Nuvens (Unicórnios […]