Uma das críticas mais comuns que se lê em locais de conhecimento, como este, é que as pessoas deveriam ser mais humildes e menos arrogantes.
Para quem privilegia a ignorância, então o conhecimento é visto como sendo arrogante, sendo que o não ter esse conhecimento é que é ter humildade.
Comecemos pela humildade:
Uma das características da humildade é a pessoa não se achar superior aos outros. Deste modo, não deverá aplicar o seu próprio sistema de valores de modo a julgar os outros.
No entanto, aqueles que mais falam de humildade, o que fazem? Assumem-se como humildes, o que demonstra não terem essa humildade. Pior do que isso, ainda dizem que outros não são humildes, mostrando que estão arrogantemente a aplicar os seus valores para julgar o comportamento de outros.
Ou seja, quem é humilde não o diz nem julga os outros dizendo que eles não o são. Quem mais julga os outros, acusando outros de falta de humildade, é quem menos o é.
Esta falsa humildade vê-se ainda noutros exemplos.
Quando alguém utiliza a sua ignorância nos assuntos para transmitir informação para outros, sabendo que não tem conhecimento do assunto, então a pessoa não está a ser humilde.
Eu nada percebo de agricultura. Se eu criasse um website dizendo que as batatas nascem em árvores, e era um mistério como depois estas apareciam no solo, então estaria a divulgar ignorância. Obviamente, não estaria a ser humilde, se penso que tenho o direito de enganar os outros com a minha ignorância.
Pessoas que chamam a atenção para si próprias, porque se acham tão interessantes (e falam constantemente da sua vida própria quer no Facebook ou no Twitter), ou porque acham que as suas opiniões são tão interessantes que as têm que discutir em locais onde o conhecimento está acima das opiniões, obviamente não estão a ser humildes.
Chega-se ao cúmulo de em política, na televisão, em programas estilo Big Brother, etc, as pessoas se auto-intitularem humildes.
Esta falsa humildade promove uma cultura de hipocrisia que deteriora a mentalidade social.
Mas vejamos algumas acções:
Será que admitir quando se faz algo errado e corrigir as coisas, será sinal de humildade?
Será que colocar os seus desejos e crenças pessoais de lado, em face dos dados objectivos do Universo, é sinal de humildade?
Será que objectivamente afirmar que sabe quando sabe, e afirmar que não sabe quando não sabe, será humildade?
Será humildade ser-se real ao ponto de não se fazer nem mais nem menos do que aquilo que é?
Será que deixar que os especialistas falem dos assuntos que constituem a sua especialidade, percebendo que uma só pessoa não pode saber de tudo, é sinal de humildade?
Se todas as respostas foram sim, então os locais de conhecimento são locais onde a humildade se aplica.
E quanto à arrogância?
Falarmos o que sabemos (assim como admitir quando não sabemos), é objectividade, nunca arrogância.
Colocar as leis do Universo acima das nossas crenças é humildade, nunca arrogância.
No entanto, que dizer daqueles que assumem que o Universo se tem que adaptar aos seus desejos e crenças? Esses são arrogantes ao ponto de se acharem superiores ao Universo.
Que dizer daqueles que afirmam algo sobre assuntos que desconhecem? Esses têm a arrogância e a presunção de dar opiniões baseadas na ignorância.
Que dizer daqueles que pensam que a sua ignorância está ao mesmo nível e vale tanto como o conhecimento dos assuntos? Isso é pura arrogância de se achar superior aos anos de estudo que os outros têm.
Que dizer daqueles que só por lerem alguns sites pseudo ou alguns livros de divulgação, pensam que sabem mais que os especialistas nos assuntos? Isso é certamente arrogância.
Que dizer daqueles que põem as suas experiências pessoais acima das evidências sobre os assuntos? Mais uma vez, isso é pura arrogância pessoal.
Arrogante não é quem tem conhecimento. Arrogante não é quem sabe que 2+2=4. Arrogante é quem, não sendo especialista no assunto, pensa que sabe mais que os especialistas.
Arrogante e prepotente é quem entra em locais científicos, cheio de certezas nas suas concepções, e com arrogância afirma X e Y, que se prova ser completamente falso.
Alguém acha correcto entrar-se por um hospital dentro, a afirmar que o sangue é verde e que os médicos não sabem o que dizem? Claro que não. É uma atitude que denota ignorância, intolerância para com os factos, prepotência, arrogância, e incapacidade de aprender.
Se numa aula de física, um aluno afirmar que ele é que sabe, que a gravidade não existe, e as pessoas podem voar livremente pelos céus, o que se pode dizer desse aluno? É ignorante e arrogante.
Se eu, que nada entendo de agricultura, for até a um campo onde estão plantadas umas couves quaisquer, e eu virar-me para o agricultor e dizer-lhe que as couves apareceram devido a energias místicas ou a ter-se posto no solo um corno de touro, o que diria isso de mim? Que seria ignorante, certamente. O agricultor ria-se, porque eu estava a dizer disparates. E fazia algum sentido eu a seguir chamar o agricultor de arrogante só porque ele até sabe plantar couves e eu não?
Se eu quisesse aprender, então o que eu deveria ter feito era perguntar ao agricultor como ele plantou as couves. Se eu não quero aprender, mas somente fazer figuras tristes, então a minha estratégia é assumir que sei mais que os especialistas, apesar de só dizer disparates.
Tal como no caso da humildade, o apontar da arrogância é muito interessante neste aspecto: aqueles que são mais arrogantes são os que acusam os outros de arrogância.
Como se aplica isto na ciência?
Os cientistas são quem estuda a natureza. A ciência é somente o estudo da natureza. Para se estudar convenientemente a natureza utiliza-se uma série de estratagemas experimentais (a que se convencionou chamar método científico) de modo a minimizar a intervenção do investigador. Ou seja, de modo a que possa ser o mais possível a natureza dar-nos a resposta, e não os resultados apresentarem distorções fruto das crenças ou desejos pessoais do investigador.
Esta é uma posição bastante humilde: os cientistas sabem que não importam no grande esquema do Universo, por isso deve ser esse mesmo Universo a dar-nos as respostas.
Na pseudociência passa-se exatamente o contrário. As crenças pessoais estão acima das evidências que nos são dadas pela natureza através dos resultados científicos (em estudos duplamente cegos). É uma posição arrogante, de quem se acha superior ao Universo, como se a crença pessoal mudasse a realidade que nos é dada pelo Universo.
Por outro lado, em face de novas evidências, os cientistas estão sempre dispostos a mudar os seus pontos de vista e formas de pensar. Os cientistas têm a mente aberta o suficiente para reconhecer que podem estar enganados, e assim corrigirem-se (o próprio método científico é um método de correção contínua).
Já para os pseudos, nada os pode fazer mudar de opinião. Têm uma ideia concreta inserida inicialmente na sua mente fechada e não há qualquer evidência que os faça mudar de opinião, como afirmou o criacionista Ken Ham recentemente.
Tendo isto em conta, será difícil perceber qual a posição humilde e de mente aberta e qual a posição arrogante e de mente fechada?
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Faz um tempo que eu venho refletindo sobre a falsa humildade e a falsa modestia que é pregado na sociedade.
seu texto expõe a hipocrisia da falsa humildade e falsa modestia.
Por isso assumo mesmo minha arrogância. A partir daí todos que me chamam de arrogante também o são, com a diferença que eu assumo e eles serão arrogantes e hipócritas!
Adorei o seu post. E os comentários também. Uma análise bem realista da nossa sociedade individualista, onde cada indivíduo tem seu mundo próprio e exige que os outros indivíduos façam parte apenas dele. A arrogância de achar que os outros não sabem nada… E a certeza que é humilde sem avaliar as suas atitudes no seu dia a dia com as pessoas que os cercam. Acho que deveria abordar a comunicação entre as pessoas, tenho certeza que vou amar ler o que vc tem a dizer sobre a comunicação e os ruídos dela. Os agentes (transmissor e receptor), quem tem “culpa” se a mensagem não chega ao destino corretamente.
Os cientistas são as pessoas com menos certezas e não deixam de recomeçar o estudo quando algo se manifesta errado. Por isso são humildes mas sábios. Gosto deste texto.
Um abraço.
Excelente texto! Por ser totalmente cético, já fui muitas vezes chamado de arrogante, sendo que, ao contrário de muitas pessoas religiosas, eu NUNCA disse que tinha respostas prontas para todos os mistérios do mundo.
Gostei, parabéns. Muito bom, me ajudou muito
Estou tentando ao máximo não ser arrogante…e nem humildade extrema! Rsrs, pois sou simples na minha visão, diante de pessoas com grandes conhecimentos…estou aqui para dizer que gostei muito desta pagina e, amo aprender! não é porque não tive muitas oportunidades que fico sem observar aqueles que sabem mas que eu.Parabéns Sr. Carlos Oliveira! desde criança amava ouvir os mas velhos para aprender coisas que eu imaginava não ter vivido…isso já era uma maneira de procurar aprendizado…pois foi com muitas lutas que consegui terminar o 2º grau, depois fazer Magistério, na época profissionalizante,mas sei que ainda faltou muito…casei, criei filhos e hoje com meus 5.4 gosto muito de continuar aprendendo, principalmente com pessoas preparadas para passar informações atuais e inteligentes. se poder mande-me sempre seus textos…Um forte abraço!
Exatamente Xevious, vi que você percebeu perfeitamente o que eu quis dizer.
Identifiquei-me também muito com o parágrafo em que falou de Buda/Ghandi, pois eu próprio muitas vezes me abstive de intervir perante puras manifestações de ignorância e soberba, poupando energia e deixando que cada um se estampe da forma que melhor lhe convenha. Contudo, nos últimos tempos, tenho vindo a mudar essa atitude, não só porque a situação atinge proporções obscenas, mas também porque muitas vezes conta com a passividade de muitos para poder fazer injustiças a alguns (o resultado disto é que passei a ter pressão arterial alta e colesterol, mas enfim…)
Também considero que o que indica no seu último parágrafo pode muito bem ser uma das explicações do fenómeno.
Interessante seu post Antonio, me lembrou do filme “Idiocracia”, que seria uma sociedade no futuro onde todos as pessoas seriam idiotas.
E existe inclusive uma teoria que demonstra que pode ocorrer algo assim mesmo.
Claro que no filmes houve exagero, pois era uma comédia.
Acredito que o máximo da humildade sejam ensinamentos de Buda neste sentido, quando ele falava em “caminho do meio”, e depois nos atos da “não ação” de Gandhi.
No caso o humilde (segundo eles) não entra em dilemas, nem tenta convencer ninguém do seu ponto de vista.
Pois entende que se o outro não o compreende é porque deve ser assim.
Resumindo, tudo a seu tempo.
Quanto a arrogância, aqui no Brasil existe um fenômeno cultural atrelado a arrogância que é a “Ostentação”.
A musica Funk é um forte fator cultural por aqui, e ela por um bom tempo foi dominada por uma variação em que a música de mais sucesso era aquela que fazia apologia ao crime. No Rio de Janeiro era onde isto ocorria com mais força.
Em São Paulo, passaram a incentivar uma outra variação, que é a “Ostentação”, são musicas que declaram que eles tem Carrões, Joias etc, ostentando a riqueza, e naturalmente a arrogância daquele que tem perante o outro que não tem.
Por incrível que pareça incentivar a arrogância ligada a ostentação é melhor doq a arrogância ligada a criminalidade.
A cultura desse lado do Atlântico anda mal.
De qualquer modo parece existir uma vontade de vingança das áreas mais populares a arrogância que eles sempre sentiram vindas da aristocracia.
Carlos em primeiro lugar parabéns pelo seu blog que só descobri hà pouco tempo. Sou professor de Filosofia e as questões que levanta são comuns no meu dia-a-dia. Temos problemas com a arrogãncia e/ou humildade porque estamos pouco habituados a discutir abertamente. A maior parte das intervenções que ouço e vejo furtam-se quase todas à discussão como se não se pudesse discutir abertamente e apenas pudessemos dar opiniões. A escola e a universidade são justamente os sítios onde se devia aprender a discutir abertamente, isso é que é aprender. Mas isso muitas vezes é confundido com arrogância intelectual. Na escola, a aprendizagem resume-se aquilo que o professor diz e nada mais, não há qualquer incentivo à procura e descoberta do conhecimento.
Este post é muito interessante na medida em entronca num problema geral de boa parte das sociedades contemporâneas ocidentais: Usar a arrogância, a falsa humildade e o ruído, como forma de mascarar a mediocridade.
Em Portugal, essa tendência é particularmente visível desde meados dos anos 90, seja na forma como se promovem concursos imbecis, seja na forma como se corta a palavra de um convidado de um talk show quando este desenvolve um qualquer raciocínio com mais de 15s, seja na forma como os próprios programas de divulgação se transformaram em programas de iniciação para crianças de 7 anos, seja na forma como as pessoas se inter-relacionam sem nunca aprofundar nada para não tornar os assuntos “demasiado sérios”…
É evidente que na moderna era das facilidades e das (prometidas) oportunidades para todos, é mais cómodo atacar todo e qualquer um que detenha um qualquer conhecimento (que arrogância!) do que (pelo menos tentar) chegar perto do seu nível – assim não precisarão de se sentir humildes perante os outros, já que ficarão todos no mesmo nível de mediocridade geral.
É um fenómeno conhecido: Os alunos cábulas sempre gozaram com os marrões e fizeram tudo para os tornar menos populares, embora essa fosse uma tendência que naturalmente ia desaparecendo quando se entrava no secundário, universidade e idade adulta.
Hoje em dia essa tendência não desaparece mas, antes pelo contrário, refina-se ao longo da vida, o que me leva a pensar que, de facto, já entrámos na escala regressiva da evolução, o homo sapiens já voltou para trás e vai a caminho do australopitecos, onde finalmente há esperança: Os símios não colocam em causa o trabalho dos seus elementos mais válidos, pelo contrário, tentam imitá-los!
Considero arrogância também aqueles que acham que por terem estudado e se profissionalizado em determinado assunto, pensam que nunca podem estar errados, que suas palavras são sempre lei, é claro que essas pessoas são as mais possivelmente certas mas há sempre a possibilidade de elas estarem erradas. Já discuti com um professor com mestrado em física porque ele disse que o sol vai explodir em uma supernova, e já ouvi um outro professor, formado em geografia, dizendo que há uma grande chance de o homem nunca ter ido a lua. Detalhe, sou um mero estudante de vestibular.
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Tudo na vida é uma questão de probabilidades.
Os especialistas são os que têm mais probabilidades de estar certos. Por isso é que se tiver um, sei lá, tumor no cérebro, vai a um neurocirurgião e não a um pedreiro.
Não é porque o neurocirurgião tenha 100% de sucesso – não se pode confundir as coisas. Mas tem certamente mais de 90% de sucesso que o pedreiro nessa área.
abraços
[…] Humana. Reflexões. Sábios. Oportunidades. Arriscar. Ganhar. Comprimido Vermelho. Americana. Humildade vs. Arrogância. Calvin & […]
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