“O Conhecimento em si é o poder”
(FRANCIS BACON, filósofo inglês, na obra Meditationes Sacrae (1597) )
A imagem acima, obtida por simulação computacional, nos mostra como era a Terra há menos de 225 milhões de anos. Questionar como os cientistas sabem disso não é uma pergunta tola – ao contrário, questionada sem deboches ou ares de superioridade por parte do cidadão(ã) -, denota franca curiosidade e busca sincera pelo conhecimento já que, infelizmente, a maior parte da população desconhece profundamente (dentre outros fatores, também, por puro comodismo social), que a Terra gira em torno do Sol; em torno de si mesma; em torno do centro de uma galáxia; e que os continentes, vulgarmente denominados como pedaços de terra – estão, por incrível que possa parecer – a se afastar uns dos outros a cada ano.
Antes de chegar-se à questão central, debruçaremos sobre como as rochas terrestres foram formadas.
– A Formação da Crosta Terrestre
Após a formação do Sistema Solar (4,6 bilhões de anos atrás), os planetas que compõem este estavam divididos em dois grupos: os jovianos (gasosos) e os telúricos (rochosos). A Terra, como bem sabemos, é característico destes últimos. Foi com Laplace (cientista francês) e Kant (filósofo prússio) que as hipóteses científicas acerca da formação de estrelas e planetas ganhou estrutura, vindo a ser aperfeiçoadas somente no último século, graças a criação de novos instrumentos para o estudo da Astronomia.
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Basicamente, durante o colapso gravitacional da nuvem primordial (ocorrido devido à autogravitação superar a força de expansão oriunda da altíssima temperatura), uma estrela é formada no centro dum disco de acreção. Com a ocorrência do momentum angular, a matéria que compõe o disco de acreção gira em torno da protoestrela. Doravante, estruturas mássicas concentradas em várias partes deste disco começam a acumular matéria de sua região. A partir disso, os planetesimais vão sendo formados e, – à medida que a densidade e excentricidade orbital permitiram baixas velocidades de colisões entre grãos, unindo-se através de forças de atração eletrostáticas – vão dando lugar a corpos de dimensões maiores, como os protoplanetas. Acerca dos planetas telúricos, estes sofreram um processo de fusão, acarretado pelo gradiente de temperatura ΔT devido ao acúmulo de calor de isótopos radioativos existentes em quantidade considerável, na época de sua formação. Contudo, levando-se em consideração que a maior parte dos materiais planetários estavam no estado líquido (não significa água em seus estados físicos), os planetas sofreram um processo denominado diferenciação química e, dentre outros fatores, foram formados núcleos metálicos densos, compostos basicamente por Ni e Fe (envolvidos por um espesso manto silicático – radical aniônico [SiO4]4-).
Uma vez formada a camada que compõe o manto [que possui regiões de descontinuidade crosta-manto (Descontinuidade de Mohorovičić) e manto inferior-núcleo externo (Descontinuidade de Gutenberg) -, a crosta desenvolveu-se mediante uma série de pulsações ligadas aos processos de fusão parcial ocorridos no passado geológico. Porém, devido à falta de evidências – acarretadas pelas células de convecção que envolvem todo o manto – não se tem, ainda, um consenso acerca do tempo de formação da crosta terrestre.
Porém, estudos mais recentes utilizando isótopos radioativos de Re e Os (ambos pertencentes às famílias 7B e 8B, respectivamente), apontam que este processo deu-se por diversas fases geológicas, evidenciando uma relação entre a formação da crosta terrestre e os processos de fusão mais relevantes ocorridos no passado da Terra.
– Deriva Continental: das Observações à Teoria
No século XVII, Francis Bacon, autor da frase inicial do presente artigo, já notava uma peculiaridade nos mapas-mundi produzidos na época e sugeriu a hipótese de que, um dia, os continentes estavam todos agrupados.
Já no início do século passado, o geógrafo e meteorologista alemão Alfred Wegener (o qual fez importantes expedições que acabaram lhe custando a vida), nutrido pelos mesmos questionamentos do filósofo inglês, publicou um livro, em 1915, denominado Die Entstehung der Kontinente und Ozeane, composto por quatro volumes e publicados posteriormente, que lançava as bases do que a comunidade científica da época conheceu como Deriva Continental.
Na busca por evidências concretas de suas percepções, Alfred Wegener encontrou várias relações geomorfológicas, paleoclimáticas, paleontológicas e litológicas entre os continentes, das quais destacaremos as mais relevantes:
. Descobriu continuações rochosas entre as costas da América do Sul e costa leste da África;
. Estudando o registro fóssil de plantas extintas, como por exemplo,a glossopteris, percebeu uma correlação na distribuição destes fósseis em regiões que hoje conhecemos como América do Sul, sul da África, Índia, Austrália e Antártica;
. De igual maneira, percebeu correlações na distribuição fóssil de algumas espécies de dinossauros aquáticos, que habitaram regiões comuns no supercontinente;
. Descobriu evidências de 300 milhões de anos (filamentos impressos nas rochas, indicando iguais direções no movimento de geleiras antigas) que mostravam que, nesta época, uma grande região sul de Gondwana estava coberta por calotas polares;
. Descobriu também que, nesta mesma época, regiões comuns ao norte do globo (denominada Laurásia) apresentavam ausência de geleiras e existência de vastas florestas tropicais e pântanos, que originaram, posteriormente, grandes reservas de carvão na Europa, EUA e Canadá, através do processo de deposição da matéria orgânica, ao longo de milhares de anos, mediante limitada presença de ar atmosférico;
Diante destas evidências, Wegener percebeu que só a existência, num dado momento da história, de um único supercontinente, que foi denominado Pangea, explicava as semelhanças geomorfológicas e paleoclimáticas de cada região (Laurásia e Gondwana), hoje já espalhadas pelo globo terrestre.
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Contudo, a comunidade científica da época percebeu que a teoria da deriva dos continentes não explicava, de modo contundente, qual(ais) força(s) seria(m) capaz(es) de promover o deslocamento duma crosta continental extremamente rígida sobre outra crosta continental extremamente rígida e quais fatores levam a dinâmica das placas litosféricas, continentes e assoalhos oceânicos. A resposta veio com o melhoramento, dentre outros aparelhos, do sonar (durante a II Grande Guerra) e, posteriormente, com o desenvolvimento dos estudos de Frederick John Vine (geofísico inglês), Lawrence Morley (geofísico canadense), Drummond Hoyle Matthews (geofísico inglês), Bruce Heezen (geólogo estadunidense), dentre outros estudos e contribuições.
Na II Guerra Mundial, os submarinos necessitavam operar entre os obstáculos encontrados no fundo dos mares. A partir do desenvolvimento de instrumentos de localização e criação de mapas oceânicos, os cientistas militares descobriram um fundo oceânico repleto de fendas, cadeias de montanhas, fossas submarinas. Essa notável descoberta levou-os a concluir que a existência destas revelavam todo um passado de atividades geológicas até então desconhecidas.
Com o fim da guerra, pesquisadores de diversas universidades realizaram expedições nos oceanos, com o objetivo de coletarem amostras abissais, assim como, através das ferramentas da Cartografia, mapear extensas regiões oceânicas.
As falhas encontradas nas cadeias meso-oceânicas, explicam, com segurança, a ruptura produzida durante o processo de separação dos continentes. As placas tectônicas, através da diferença de temperatura do manto e das atividades sísmicas, e o geomagnetismo explicam, com segurança, as forças que acarretam na contínua separação dos continentes e dos assoalhos existentes nos oceanos. Todas estas evidências (como observamos, concretas), dão suporte a elevação da hipótese da separação dos continentes (a partir de observações de mapas-mundi outrora), passando pela revisão da deriva continental, chegando-se a um modelo bem mais completo, a Teoria Tectônica das Placas.
Hoje, graças ao monitoramento dos satélites, sabemos que os continentes continuam a se separar, em média, 10,1 cm/ano, sendo que em algumas placas, a velocidade de deslocamento é 1,8 vezes maior.
O que confirmará uma das frases proferidas pelo pai da Teoria da Deriva Continental, em vida: “Poucas pessoas podem ter acreditado, e muitas não. Mas essas pessoas não importam. O que importa é que o mundo já se juntou, e daqui a milhões de anos se juntará novamente, formando outra Pangeia”
Sim, caro Wegener: tens completa razão. 🙂
– Leituras Recomendadas
KEAREY, P; KEPLEIS, K. A.; VINE F. J. Global Tectonics. 3rd edition. EUA: Wiley-Blackwell, 2009. 496 p.
WEGENER, A. The Origin of Continents and Oceans. John Biram, translator. Mineola, New York: Dover Publications, 1966. 246 p.
WEGENER, E. Greenland Journey: The Story of Wegener German Expedition in 1930-31, as told by members of the exposition and the leader’s diary. Winifred M. Deans, translator. Glasgow: Blackie & Son, 1939. 295 p.
15 comentários
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Em Angatuba-SP , pode ser encontrado muitos mesossauros !! e muitos lamelibrânquios e estromatolitos fossilizados
Quais comparações Alfred Wegener fazia?
“estão, por incrível que possa parecer – a se afastar uns dos outros a cada ano”
Nalguns casos estão a aproximar-se…
A maneira como éstas coisas se conseguiram medir (e não ter apenas uma ideia qualitativa) foi através de medições razoávelmente precisas do campo magnético, principalmente ao longo dos oceanos.
Artigo excelente e muito completo, Cavalcanti. Parabéns 🙂
Olá,
Obrigado Cavalcanti pela atenção.
Só mais uma dúvida, é correto dizer que o Brasil não tem terremoto por estar em cima de apenas uma placa, e sente apenas tremores?
Obrigado
Caro RobertAC,
O fato do Brasil conter rochas muito antigas e praticamente não existir vulcões ativos favoreceu a ideia de que não há atividades sísmicas.
A questão é que o Brasil está situado no centro duma placa tectônica, a placa Sul-Americana.
Porém, mesmo com essa configuração, o Brasil não está completamente “imune” de pequenos ou médios abalos, sendo que os mais intensos ocorrem nas regiões limítrofes da placa Sul-Americana com outras placas.
Hoje, com o melhoramento dos sismógrafos, pode-se detectar tremores com magnitudes ≥ 2,5 em território brasileiro (registro que não ocorria no passado).
Mesmo que ocorresse um aumento no número de terremotos, não há qualquer problema: sempre ocorreu e sempre ocorrerá atividades sísmicas na Terra. Não é castigo, nem sinal de fim de mundo.
Abraços.
Existem dois locais no Brasil que ocorrem muitos pequenos terremotos.
Um é a cidade de Montes Claros em Minas Gerais, ocorreram mais de 20 terremotos em dois anos.
Outro é uma pequena localidade no Rio Grande do Norte.
Lá uma certa área de terra, foi proibida a moradia humana, devido aos constantes pequenos terremotos e as pessoas foram obrigadas pela e segurança pública a se mudar.
Eu não sei o porque destas pequenas regiões serem assim tão ativas sismologicamente.
Não conheço o suficiente mas arriscaria a dizer que eles são devidos a cavernas que desmoronam abaixo da terra.
Para quem curte o assunto Terremotos, vou indicar dois links.
Um falando dos terremotos no Brasil.
http://forum.intonses.com.br/viewtopic.php?f=6&t=4869
E este outro é parecido falando dos terremotos em Portugal.
http://forum.intonses.com.br/viewtopic.php?f=14&t=5890
Author
Caro Xevious,
Sugiro a leitura dos artigos abaixo.
Este, mais aprofundado:
http://www.mantleplumes.org/WebDocuments/Isacks1968.pdf
Este, dos Prof. Ronaldo Rômulo Machado e Marcelo Assumpção:
http://www.iag.usp.br/~agg110/moddata//SISMOLOGIA/Conceitos_Sismologia.pdf
Material muito interessante, vou colocar lá no tópico dos terremotos no Brasil tb.
Artigo muito bom quer na linguagem, fácil para leigos, quer na forma como está estruturado e na informação disponibilizada.
Já não é o primeiro que leio e parece-me que a prática está a melhorar o resultado. 😉
Olá,
Pode haver algo assim, junção ou separação, antes dos milhões de anos que se esperam?
Obrigado
Author
A Geologia trata com estimativas.
Porém, são estimativas com pouquíssima margem de erro.
Portanto, 1000 ou 10000 anos para mais ou para menos é pouco significativo num tempo cronológico de milhões de anos no futuro.
Tem também uma em formação na Africa.
E tem uma também no Brasil em Goias.
aqui na minha cidade tambem tem
[…] Azul). Mapa. Continentes. Infografia. Afastamento. 2 luas (e aqui). Aeroportos. Nuvens. Migração. Deriva Continental. Rotação abranda. Auroras (25 + 20 + 15 + 9 + premiada). Desastres: Eyjafjallajökull e vídeos. […]
[…] Os mapas abaixo, do Paleomap Project, são as mesmas usadas na exposição do museu, que citava como referência “Scotese, 2009″. No site do projeto há mais mapas e algumas informações sobre o processo de deriva continental. […]