Fagocitose de bactérias num fitoflagelado primitivo e o eventual caminho evolutivo que conduziu ao aparecimento dos eucariotas fotossintéticos.
Crédito: AMNH/Eunsoo Kim.
Dois investigadores asiáticos publicaram na semana passada um interessante artigo onde descrevem, pela primeira vez, evidências ultrastruturais de fagocitose de bactérias em microalgas verdes portadoras de plastídios primários. Estas observações representam um vislumbre de como os eucariotas heterotróficos ancestrais adquiriram organelos fotossintéticos, um passo evolutivo crítico para o aparecimento dos primeiros eucariotas fotoautotróficos.
Nas algas verdes e nas plantas, a fotossíntese ocorre em estruturas celulares especializadas, denominadas cloroplastos. A origem destes e de outros plastídios está intimamente ligada à endossimbiose primária, um processo através do qual as primeiras células eucariotas terão cativado no seu interior cianobactérias de vida livre. Estes primeiros eventos simbióticos estão na génese das três linhagens do supergrupo Archeaplastida: Chloroplastida (plantas e algas verdes), Rhodophyta (algas vermelhas) e Glaucophyta (glaucófitas). Estes organismos providos de plastídeos primários tornar-se-iam, eles próprios, protagonistas de endossimbiose secundária e terciária, eventos que iriam gerar diversas linhagens eucariotas fotossintéticas, incluindo as criptófitas, as euglenófitas, os dinoflagelados e as diatomáceas.
Filogenia dos eucariotas de acordo com a mais recente revisão taxonómica. Adaptado de Adl et al., 2012.
Apesar destes processos representarem marcos decisivos na evolução de organismos tão fundamentais para a biosfera terrestre como as plantas terrestres e o fitoplâncton marinho, os mecanismos celulares responsáveis pelo aparecimento dos primeiros cloroplastos permaneceram, até agora, relativamente obscuros.
No seu estudo, que irá figurar no próximo mês de Junho na revista Current Biology, Shinichiro Maruyama e Eunsoo Kim usaram a microscopia electrónica de transmissão e técnicas de fluorescência para obterem imagens conclusivas mostrando a fagocitose de bactérias em prasinófitas pertencentes ao género Cymbomonas, membros de uma linhagem basal dos Archaeplastida. Distinta dos mecanismos fagocíticos observados noutros eucariotas, incluindo os animais, as amibas e os ciliados, a fagocitose exibida por estes fitoflagelados mixotróficos desenrola-se num ducto tubular estriado (provavelmente contráctil) que se encontra ligado a um vacúolo acídico permanente, local onde ocorre a digestão das bactérias.
Imagem obtida por microscopia electrónica de transmissão mostrando o mecanismo de fagocitose num espécime de Cymbomonas. São visíveis neste corte longitudinal um grande vacúolo (v) contendo bactérias (setas), ligado a um ducto tubular (d). As letras m, p e g apontam outras estruturas celulares, respectivamente, mitocôndrias, cloroplastos e complexos de Golgi. A escala representa 2 µm.
Crédito: Shinichiro Mauyama.
A complexidade deste sistema de alimentação e a singularidade das estruturas celulares que o suportam sugerem que estes organismos primitivos são, muito provavelmente, representantes modernos dos primeiros eucariotas fotossintéticos, que conservaram um mecanismo fagocítico em tudo semelhante ao usado pelos eucariotas heterotróficos ancestrais na endossimbiose de cianobactérias, os procariotas precursores dos plastídeos.
Podem ler mais pormenores acerca deste trabalho aqui.
2 comentários
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Cientistas testemunham mecanismo remanescente da endossimbiose primária em representantes modernos dos primeiros eucariotas fotossintéticos
Evolução, Terra, Vida
por Sérgio Paulino
Os criacionistas de plantão vão pirar com essa notícia.