Um pouco antes da descoberta da mecânica quântica, as pessoas já tinham percebido que a relação entre as ondas de luz e os fotões impunha o seu carácter estatístico. O que elas não percebem claramente, no entanto, foi que a função de onda…
[Podem ver melhor o conceito de função-onda aqui.]
…fornece informações sobre a probabilidade de um fotão estar numa determinada posição mas não fornece o número provável de fotões naquele lugar. A importância da distinção pode ser esclarecida da seguinte maneira.
Suponhamos que temos um feixe de luz composto por um grande número de fotões que se dividiram em 2 componentes de igual intensidade.
Partindo do pressuposto que o feixe está relacionado com o número provável de fotões, deveríamos ter metade do número total em cada componente.
Se os dois componentes interferirem, deveremos conseguir que um dos fotões dum dos componentes seja capaz de interferir com um fotão do outro. Às vezes, esses dois fotões teriam de se aniquilar uns aos outros e noutras vezes eles teriam que produzir quatro fotões. Isto entraria em contradição com a conservação de energia.
A nova teoria, que liga a função de onda com as probabilidades para um fotão, ultrapassa esta dificuldade ao fazer com que cada fotão vá parcialmente para cada um dos dois componentes. Cada fotão interfere então só consigo próprio. A interferência entre dois fotões diferentes nunca ocorre.
– Paul Dirac, os princípios da Mecânica Quântica, quarta edição, capítulo 1
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Até poderia ter ido mais longe, Paul Dirac, mas para explicação de evento tão bizarro foi, no seu tempo, uma verdadeira revolução nas ciências.
De facto um fotão vai em simultâneo por 2 locais, atravessa ao mesmo tempo 2 fendas e interfere consigo próprio, não com outros fotões, resultando num padrão de interferência que resulta não num, nem em dois, mas pelo menos em 3 feixes.
Se observarmos com um pouco mais de atenção as ondas na praia, podemos verificar que uma onda inicial, dada uma particular configuração da praia, pode interferir consigo própria e resultar em ondas mais fortes ou em acalmia por anulação mútua.
Os fotões, como todas as partículas subatómicas, são mais parecidos com as ondas do mar do que com as partículas do mundo do muito grande, como por exemplo o são os grãos de areia da mesma praia.
Preferi dar-vos esta introdução e esta analogia para vos preparar mentalmente para uma descoberta espantosa anunciada pelos físicos de partículas após uma deveras curiosa experiência.
É muito natural que o vocabulário vos cause confusão e é perfeitamente admissível que não entendam a experiência.
Aqui podemos fazer uma pequena pausa. Releiam a questão explicada por Paul Dirac.
Pode-se entender, até porque está muito bem explicada, mas pode-se compreender a razão fundamental para a luz que vimos todos os dias ter um comportamento, convenhamos, tão estranho, tão esquisito?
Não é fácil, mas podemos lá chegar caso observemos com muita atenção, e tomemos nota (por exemplo capturando fotões graficamente pela photon-graphia, vulgo tirando fotografias) as ondas do mar quando vamos à praia.
Se formos à praia também só para brincar e passarmos um excelente dia com a família é muito provável que essa seja uma decisão muito acertada tanto no tempo como na posição, e a praia e as suas ondas prosseguirão, independentemente de as observarmos ou não, o seu comportamento quântico.
Aqui muita, e boa, gente, esbarra na questão da “ondícula”, de a luz se comportar como uma onda e como uma partícula ao mesmo tempo.
Então, as ondas da praia não são constituídas por gotas de água, por aí podemos ver que o conjunto de gotas (um conjunto com um número muito grande) forma as ondas.
Afinal esta parte até é fácil, basta reflectir um pouco nela. E nós vamos à praia é para descontrair. E fazemos muito bem.
Aliás será até aconselhável um mergulho em água fresquinha antes do relermos o título desta descoberta.
Físicos criam ligação quântica entre fotões que não existem em simultâneo.
Agora é que estes Físicos nos estão mesmo a levar à certa, como pode ser isto possível? Estarão a gozar connosco?
Os Físicos já sabiam que a mecânica quântica permite uma ligação subtil entre partículas quânticas que se designa por entrelaçamento, sob a qual medir uma partícula pode ajustar instantaneamente a condição da outra, que até essa medição estava incerta, já que a tarefa de medição pode definir essa condição (ou “estado”) duma outra partícula, mesmo que estejam posicionadas a anos-luz de distância uma da outra.
Agora, os cientistas em Israel demonstraram que se pode emaranhar dois fotões que nem sequer existem, e ao mesmo tempo.
“É fantástico, isto é demais”, diz Jeremy O’Brien, investigador na Universidade de Bristol, no Reino Unido, que não estava envolvido no trabalho. Esse entrelaçamento (ou emaranhamento, mesma coisa) separado no tempo é previsto pela teoria quântica padrão, “mas não é certamente muito apreciado, e eu não sei se ele foi claramente articulado em ocasião anterior.”
O emaranhamento é uma espécie de ordem que se esconde dentro da incerteza da teoria quântica. Suponha que tem uma partícula quântica da luz, ou fotão. Ele pode ser polarizado de tal modo que se movimenta na vertical ou na horizontal. O reino quântico também é obscurecido com a incontornável incerteza, e, graças a tal incerteza quântica, um fotão pode ser polarizado verticalmente e horizontalmente, ao mesmo tempo. Se, em seguida, se medir o fotão, no entanto, vamos encontrá-lo ou polarizado horizontalmente ou verticalmente, dado que a sobreposição dos 2 estados (a polarização é um estado) aleatoriamente “colapsa” numa maneira ou noutra.
Fica definido se ficou vertical ou horizontal, aqui colapsar significa ficar definido.
Para ser mais claro, fica definido que um fotão cai, colapsa, numa polarização, digamos, vertical, e o outro, como se estivesse em espírito de contradição, cai no outro disponível, na polarização horizontal.
Para se evitar os completos disparates que por vezes se leem a propósito do emranhamento quântico sem qualquer conhecimento de causa, pois é isso mesmo, o emaranhamento é causa e não efeito ( fonte: Leonard Susskind lectures on Entaglement, Standford University).
No entanto, o disparate é válido em poesia ou nas outras artes, mas o emaranhamento nada tem que ver com consciência, telepatia ou quaisquer curas em sede de saúde. Isso pura e simplesmente chama-se vigarice.
O Emaranhamento pode ocorrer caso se tiver dois fotões. Cada um pode ser colocado num estado vertical e horizontal incerto. No entanto, os fotões podem ser emaranhados de modo a que as suas polarizações são correlacionadas, mesmo enquanto eles permanecem indeterminados.
Por exemplo, ao medir-se o primeiro fotão e se achar que este está horizontalmente polarizado, fica-se a saber que o outro fotão instantaneamente caiu no estado vertical e vice-versa, não importando quão longe ele esteja.
Dado que o colapso acontece instantaneamente, Albert Einstein apelidou o efeito de “acção fantasmagórica à distância” (Susskind contraria Einstein e classifica-o como Causa).
Não obstante, o emaranhamento não viola a relatividade: é impossível controlar o resultado da medição do primeiro fotão, de tal modo que o elo quântico não pode ser usado para enviar uma mensagem mais rápida do que a velocidade da luz.
Agora, Eli Megidish, Hagai Eisenberg, e os seus colegas da Universidade Hebraica de Jerusalém emaranharam dois fotões que não existem ao mesmo tempo.
Eles começaram com um esquema conhecido como troca de emaranhamento. Para começar, os cientistas dispararam, por 2 vezes, uma luz dum laser sobre um cristal especial a fim de gerarem dois pares de fotões emaranhados, par 1 e 2 e par 3 e 4.
No início, os fotões 1 e 4 não estão emaranhados. Mas podem ficar emaranhados, caso os físicos apliquem o truque certo com os fotões 2 e 3.
A chave é que a medição “projecta” uma partícula para um estado definido – assim como a medição de um fotão o desmorona para uma das polarizações, a vertical ou a horizontal.
Assim, mesmo que os fotões 2 e 3 comecem não emaranhados, os físicos podem criar uma “medida projectiva” que pergunta: são os dois estados sobrepostos um de dois estados emaranhados distinguíveis um do outro? Essa medição emaranha os fotões, ao mesmo tempo que os absorve e destrói. Se os cientistas seleccionarem apenas os eventos em que os fotões 2 e 3 acabam por se definir, digamos, no primeiro estado emaranhado, então a medição também emaranha os fotões 1 e 4. (Veja o diagrama, em baixo e leia uma errata na sua legenda)
O efeito é um pouco como a junção de dois pares de engrenagens para se formar uma cadeia de quatro rodas dentadas: o emaranhamento das duas engrenagens internas estabelece uma ligação entre as duas engrenagens exteriores.
Engrenagens numa caixa de velocidades especificada para um carro de Fórmula 1.
Nos últimos anos, os físicos têm jogado com o calendário no esquema. Por exemplo, no ano passado, a equipa demonstrou que o emaranhamento de troca ainda funciona, mesmo se eles fizerem a medição projectiva após a medição das polarizações dos fotões 1 e 4.
Agora, Eisenberg e os seus colegas mostraram que os fotões 1 e 4 não têm sequer que existir ao mesmo tempo, como relatam num artigo publicado no Physical Review Letters.
Para o fazer, primeiro geraram o par emaranhado 1 e 2 e mediram a polarização a uma distância certa. Só depois geraram o par emaranhado 3 e 4 e realizarem a medição projectiva chave.
Finalmente, mediram a polarização do fotão 4. E mesmo que os fotões 1 e 4 nunca tenham coexistido, as medições mostram que as suas polarizações ainda assim acabam emaranhadas.
Eisenberg sublinha que na relatividade o tempo é medido de forma diferente por observadores que viajam em velocidades diferentes.
Sem embargo da Relatividade, nenhum observador veria dois fotões coexistentes.
A experiência mostra que não é estritamente lógico pensar no emaranhamento como uma propriedade física tangível, diz-nos Eisenberg. “Não existe um momento no tempo em que os dois fotões coexistam”, e prossegue, “então não se pode dizer que o sistema está emaranhado neste ou naquele momento.”
No entanto, o fenómeno definitivamente existe. Anton Zeilinger, um físico da Universidade de Viena, concorda que esta experiência demonstra quão escorregadios são os conceitos da mecânica quântica. “É muito catita porque mostra mais ou menos que os eventos quânticos estão fora das nossas noções comuns de tempo e de espaço.”
Então, e o que poderá daqui resultar para aplicações práticas?
Os Físicos esperam poder criar redes quânticas em que os protocolos como o emaranhamento de troca serão usados para gerar links quânticos entre os utilizadores distantes e transmitir (mas mais lento do que a luz) comunicações secretas indecifráveis.
O novo resultado sugere que, quando da partilha de pares de fotões emaranhados numa rede desse tipo, o utilizador não teria que esperar para ver o que acontece com os fotões enviados e descarregados antes de poder manipular os que manteve em espera, diz Eisenberg.
Zeilinger diz que o resultado pode ter outras aplicações inesperadas: “Esse tipo de coisa abre a mentalidade das pessoas e de repente alguém tem uma ideia de usá-lo em computação quântica ou algo assim.”
8 comentários
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Manel: parabéns pelo artigo que está muito bom e bem explicado, obrigado :)!
Estas novidades da Física Quântica são difíceis de perceber mas são uma delícia de se saber e pensar acerca.
Abraço.
Tem razão Manel, quando houver algo pra retornar minha posição, retorno a este post e acrescento.
No caso não tenho como agir neste sentido, pois atuo em outra área, mas acredito que o próprio desenvolvimento natural da ciência chegará a estas conclusões.
Xevious, não houve propagação de um estado dum fotão para outro, houve o que está descrito na experiência.
O Xevious diz que “não creio,” a Ciência não funciona com as suas crenças. funciona com a prova matemática, como o fez Paul Dirac, e com a observação e com a experimentação. Terá que ler também outras questões básicas como o Principio da exclusividade para entender a diferença entre os 2 tipos principais de partículas, os fermiões e os bosões. Para isso terá que entender a estatística de Fermi-Dirca e a de Bose-Einstein.
O seu comentário apenas revela que o Xevious não estudou os assuntos e ainda se põe a escrever que não contesta mas contesta completamente. Ou seja, mais uma vez o que escreveu é ilógico.
Cumprimentos
se põe a escrever que não contesta mas contesta completamente. Ou seja, mais uma vez o que escreveu é ilógico.
O caso é que não contesto a afirmação principal, somente alguns detalhes.
Quando alguém coloca uma notícia como esta, posso apenas ler e me surpreender estupefato quanto ao assunto, ou posso pensar em contribuir acrescentando alguma informação ou mesmo lançando alguma polêmica.
Minha intenção nunca é desacreditar ninguém, mas sempre contribuir.
E este site tem essa característica, é possível iniciar um debate, ou apenas fazer algum comentário requerendo mais informação. Ao contrário de outros sites em que vemos notícias muito boas também, mas não há como participar.
Falei no outro post que a ciência esta sempre se revisando.
Recentemente ocorreu mais um caso, a Tabela periódica.
A tradicional mesmo.
Existem mais dois modelos “mais completos e eficientes” e deles o em formato de espiral me parece o mais interessante.
A novidade é que a ciência esta assumindo que não há como ser atomicamente preciso quanto aos componentes da tabela periódica, alguns tem que ser relativos, e esta novidade irá acabar modificando todos livros de química, em poucos anos.
Mais detalhes aqui => http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=variacao-pesos-atomicos-alteram-tabela-periodica&id=010160130529
A ciência é assim sempre se revisando e normalmente ocorre quando os aparelhos de medição se aprimoram.
Manel, primeiramente quero te parabenizar pelas contribuições ótimas que tem feito neste site.
Mas que tal debater em fatos os assuntos e não apenas se posicionar afirmando que não sei de nada doq estou falando.
Claro, não sou profissional na área de física, sou na de informática, já fui professor algumas vezes e nunca respondi a alguma pergunta ou me coloquei em algum debate falando que meu parceiro de dialogo não sabe nada.
Vamos tentar ser construtivos nos comentários, que tal?
Se estou errado, me mostre.
Um debate construtivo pode ser ótimo, pode até mesmo gerar novas informações, somando-se posicionamentos.
Olá Xevious, estou com amplo espirito constructivo, o Xavier é que faz mais outra construção ilógica.
Não tenho que lhe demonstrar que o Xevious está errado, o Xevious é que ao desmentir o postulado de Paul Dirac tem que provar isso mesmo, que Paul Dirac, toda a física quântica , todas as observações e todas as experiências estão erradas.
Estar a desviar a conversa para outros temas é uma falácia argumentativa.
Como vê, estou a ser constructivo porque o Xevious analisa á luz das suas crenças e isso não é ciência.
O que é isso de “só alguns aspectos”, isso é tão impreciso sobre os aspectos (a o electrão e a emissão de fotões, a interacão dos fotões só consigo mesmos, exactamente o quê) que se torna inútil pela generalização.
Ao fazer essa afirmação extraordinária em relação à estatistica de Fermi-Dirac tem o Xevious que provar que esta está errada, não o contrário.
Como vê, tem várias construcções ilógicas no seu comentário.
Isso não tem mal, está apenas errado.
Não veja apontar-lhe erros simples e básicos como uma censura, veja como espirito de cientista, que está presenta na sua curiosidade.
Eu tenho respeito por si senão não me dava sequer ao prazer de lhe responder, Veja se lê bem o que está escrito.
Mas vou simplificar, a resposta ao que o Xevious diz é NÃO.
🙂
Cumprimentos.
Bastante interessante esta reportagem.
Legal que os físicos conseguiram propagar os estados de fotons para outros fotons, creio que esta pesquisa abra caminho para uma série de possibilidades de novas tecnologias num futuro breve.
Tenho alguns comentários a fazer, mas para que alguém que venha ler isto entenda melhor oq falo, devo esclarecer que creio que o motivo da existência do emaranhado quântico, é que as partículas não estão separadas na realidade, mas isto ocorre não no nosso universo, mas um paralelo.
“Não existe um momento no tempo em que os dois fotões coexistam”, e prossegue, “então não se pode dizer que o sistema está emaranhado neste ou naquele momento.”
Esta frase refletiria a verdade, mas somente neste universo.
Cada fotão interfere então só consigo próprio. A interferência entre dois fotões diferentes nunca ocorre.
Não contesto a afirmação em si, mas creio que o foton possa receber interferências externas.
Talvez até de outros fotons, mas nem só eles.
Muitas vezes a ciência utilizou termos como “nunca” e “sempre” e depois, com medições mais precisas se chegou a novas conclusões e se encontrou valores onde não havia antes.
Creio que este seja mais um caso destes.
Wow…
Ok, sou fanático de astronomia, mas admito que a física quântica… É interessante, mas é preciso esquecer tudo o que pensamos saber sobre a realidade.
Vale mesmo a pena citar o Bohr: “If quantum mechanics hasn’t profoundly shocked you, you haven’t understood it yet.”
Abraço 🙂
Obrigado Jérémy, um abraço também 🙂